Teológico Pastoral

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sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Homilia da Liturgia do domingo - 15 de janeiro de 2012

VOCAÇÃO CRISTÃ:
Encontro pessoal, Compromisso de Vida, Caminho Fraterno
(Segundo Domingo do Tempo Comum)

O tema da vocação está em foco neste segundo domingo do Tempo Comum. As três leituras apresentam a vocação como um chamado de Deus, bem como as consequências da mesma na vida de quem é chamado.
A primeira leitura contém o famoso chamado de Samuel. Um jovenzinho cujo nome significa, segundo sua mãe em 1Sm 2,20, “chamado pelo Senhor”.
De fato, Ana não conseguindo ter filhos, havia feito um voto a Deus: se o Senhor lhe desse um filho, ele seria oferecido ao Senhor, todos os dias de sua vida.
À primeira vista, a vocação de Samuel pareceria uma vocação induzida e, portanto, não autêntica: a mãe o acompanha ao templo e o deixa ali, confiando-o aos cuidados do sacerdote Eli. Ana se comporta como aquelas mães que acompanham o filho ao seminário, esperando que se torne sacerdote. Uma noite, porém, o inesperado acontece: o Senhor chama, de verdade, o jovem Samuel.
A primeira leitura, portanto, nos diz que se trata de um chamado autêntico. É o próprio Senhor, e não outro, que o chama. O chamado é feito de modo claro: Samuel é chamado pelo nome; de modo insistente: o chamado se repete por três vezes; é fundamentado na presença de Deus, que está junto a Samuel: “o Senhor veio, pôs-se junto dele e chamou-o das outras vezes”. Samuel é chamado a tornar-se um grande profeta e deverá exercitar a sua vocação profética, pela primeira vez, paradoxalmente, contra o próprio sacerdote que o ajudou a responder ao seu chamado.
Compreendamos, portanto, que a vocação é um chamado que tem o próprio Deus como protagonista. A vocação é suscitada misteriosamente, isto é, por uma causa e de um modo pessoalíssimo. Necessita da ajuda de alguém, um pouco mais experiente, que seja mediador e apoio, exige generosidade para escutar o que Deus diz, que pode ser algo difícil ou desafiador.
Curiosamente, o sacerdote que faz a mediação e ajuda o jovem Samuel não é perfeito. Mas Deus se serve até mesmo dele para ajudar a Samuel no discernimento. A primeira leitura, substancialmente, nos oferece as linhas essenciais para compreender o que é, de fato, uma vocação.
A segunda leitura, por sua vez, explicita quais são as consequências de uma vocação. Avisa-nos que nós cristãos, somos “templo do Espírito Santo que recebemos de Deus, um Deus que habita em nós”. Aqui não se diz mais que Deus chega próximo de nós, como no caso de Samuel. É mais do que isso: “Deus está dentro de nós” de modo permanente e contínuo. Trata-se de um passo ulterior: a vinda de Cristo na carne, tornando-se semelhante a nós – exceto no pecado – conscientiza-nos de suas consequências: somos comprados a um preço muito caro: “não pertencemos mais a nós mesmos”. Segundo Santo Inácio Mártir, “o discípulo de Cristo já não se pertence mais”.
Este chamado é algo próprio de cada cristão: é a vocação batismal, em virtude da qual Deus habita em nós, fala em nós, quando abrimos os ouvidos e o coração para escutar a Sua voz, e nos orienta em direção às escolhas exigentes em direção ao bem, através da consciência iluminada pela Sua Graça.
A descoberta dessa vocação maravilhosa, isto é, saber que Deus fez em nós sua morada, acarreta consequências importantes e desafiadoras: o nosso corpo é “para o Senhor”, a nossa pessoa é “templo do Espírito Santo”, avisa-nos a segunda leitura. Ajuda-nos a descobrir o caráter de interiorização da vocação: primeiro Deus chamava “de fora”, agora chama “de dentro”, por meio do Seu Espírito que vive em nós e geme “com gemidos inefáveis” (cfr. Rm 8,26).
A vocação cristã é, portanto, um chamado à santidade, à pureza, a uma vida irrepreensível. Não se trata de qualquer coisa que acontece uma vez na vida, tampouco de um episódio marcado num terminado momento, por mais bonito que seja. É, ao contrário, um caminho que se faz quotidianamente, um compromisso ao qual somos chamados a responder todos os dias, até a vinda definitiva do Senhor. São Paulo sintetiza esta vocação cristã com palavras claras e fortes: “Irmãos, tudo aquilo que somos, espirito, alma e corpo seja conservado de modo irrepreensível para a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1Ts 5,23).
A vocação pertence a Deus, isto é, é Deus quem chama, por meio do Espírito Santo que habita em nós. Tem como objetivo, unir-nos a Cristo: “Quem se une ao Senhor, forma com Ele um só espírito”. Concluindo, não se trata de fazer qualquer coisa, mas de ser. Significa reproduzir em nós as atitudes do Mestre, na imitação constante da Sua pessoa, até o ponto de unir-nos completamente a Ele.
O Evangelho nos revela um aspecto ulterior, mas não menos importante, da vocação. A dimensão comunitária. Nenhuma vocação é um fato puramente individual. Nem mesmo aqueles que são chamados a viverem a vida de solidão na clausura, totalmente separados do mundo, estão fora da dimensão comunitária. Também esses e essas estão a serviço na Igreja, mediante a intercessão contínua e a comunhão fraterna na caridade.
A Igreja tem necessidade de cristãos que sejam como João Batista, capazes de apontar com os gestos, indicando Jesus e capazes de exclamar: “Eis o Cordeiro de Deus”!
Os dois discípulos de João Batista, diante da sua capacidade de testemunhar o amor por Cristo, ao ouvi-lo falar e apontar para Jesus, O seguiram. O testemunho convincente de quem já foi chamado e vive a beleza e a alegria de um encontro pessoal com Cristo torna-se sinal contundente, capaz de suscitar o desejo do seguimento também nos outros.
A vocação é graça que pulsa na Igreja, que passa através do testemunho coerente e generoso daqueles que já vivem a beleza de um encontro íntimo e real com o Senhor. A dimensão pessoal é também imprescindível: “foram, portanto, e viram onde Jesus morava, e naquele dia, ficaram com ele”. Trata-se de uma experiência tangível, única e inesquecível. O Evangelista João, que segundo uma antiga tradição teve uma vida muito longa, quando escrevia o seu Evangelho lembrava ainda a hora do seu primeiro encontro com Jesus: “era cerca de quatro horas da tarde”. Podem passar décadas, mas a lembrança viva de um encontro pessoal permanece impressa no coração, alimentando a esperança e a alegria, e suscitando também nos outros o desejo de partilhar essa mesma graça.
Nós todos somos chamados, mediante o Batismo, a viver a vida nova de cristãos. Para alimentar essa vocação temos necessidade da presença íntima do Senhor junto de nós, como Samuel. Devemos nos impregnar e transformar esse chamado em um estilo de vida coerente e generoso, como nos pediu o Apóstolo Paulo, na primeira carta aos Coríntios.
Que cada um de nós sinta no seu coração, o desejo de testemunhar aos outros a beleza deste chamado como João Batista e André, que envolveram a outros, enquanto testemunhas. Sobre estes três planos: a proximidade do Senhor, a vida do Evangelho e o testemunho corajoso na comunidade, baseia-se o futuro de nossa Congregação e de toda a Igreja e, por isso mesmo, todos somos chamados a fazer a nossa parte. Louvado seja nosso Senhor, Jesus Cristo! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos).
(E-mail: formador@inacianos.org.br /Web site: www.inacianos.org.br )
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