Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

sábado, 19 de abril de 2014

PÁSCOA

RESSURREIÇÃO: o amanhecer de uma nova humanidade

“Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro...”

“Faz escuro, mas eu canto”(Thiago de Mello)
Ainda não é dia, mas amanhece um novo tempo; ressoam como ditas para nós as palavras do profeta Isaías: “Algo novo está nascendo; não o vês?” (43,19). É tempo de esperança e de saída de nossos escon-derijos. Páscoa é movimento: é ainda de madrugada mas podemos sentir o movimento das pessoas no evangelho de hoje: Maria Madalena corre, Pedro também, João se adianta... até a pedra do sepulcro se move. Não é pressa, nem ansiedade, tão próprios de nosso tempo. É outra coisa, algo que impulsiona a partir de dentro. É vida que quer tocar tudo e oferecer uma mudança, uma possibilidade nova; é vida que se abre para a luz, como no início da Criação. É a vida do Vivente que abre caminho.

“A pedra da entrada do túmulo é removida” e amanhece uma nova consciência planetária, uma nova espiritualidade, uma nova maneira de viver o mistério de Deus, uma concepção novidosa do ser humano, uma nova mentalidade, uma nova maneira de ser Igreja...
Amanheceum novo mundo, heterogêneo, descentralizado; um novo humanismo, um novomovimento cultural. Brota um novo despertar a partir de uma maior lucidez e consciência dos problemas mundiais e uma escuta afinada diante do clamor unânime de que outro mundo é possível.
Amanhece também uma fome de espiritualidade, entendida como fome de profundidade, interioridade, silêncio, experiência de unidade. Se é autêntica, essa experiência desperta a compaixão e a coragem na busca da justiça e no compromisso contra toda exclusão social, econômica, racial, sexual, religiosa...
Jesus de Nazaré ofereceu a seus contemporâneos uma novidade radical que poucos foram capazes de acolher. Seremos nós capazes de viver hoje essa radical novidade e transmiti-la ao nosso mundo?

A Páscoa desata ricas possibilidades no interior de cada um e no coração da realidade na qual estamos inseridos. Ela aponta para o novo humanismo que amanhece e que não será mais de submissão, nem de bloqueio de mudança, nem exclusões, mas de impulso à criação, à inovação, à criatividade...
Este novo humanismo exige o cultivo de uma nova disposição: flexível, capaz de acolher a novidade contínua e, ao mesmo tempo, lúcida para discernir e viver integradamente o amor a si mesmo, ao outro, à criação e a Deus.
Estamos todos fartos de palavras que nos soam vazias, repetitivas, estereotipadas..., que nos deixam frio o coração e indiferente nossa cabeça. Nosso tempo requer, não pregadores que convidam a crer, mas pes-soas que impulsionam a encontrar-se com o Mistério da Vida. Precisamos de mistagogos e testemunhas.
Mistagogos: homens e mulheres que, porque fizeram o caminho, podem convidar, orientar e ajudar a outras pessoas a buscar por si mesmas, a introduzir-se no umbral desse mistério amoroso que chamamos Deus: o mistério no qual vivemos, respiramos, somos.
Testemunhas: homens e mulheres que, através de suas vidas façam visível o Deus de Jesus.
- testemunhas da paixão de Deus pelo perdido, pelo pequeno, pobre e simples, pelo abaixo da história;
- testemunhas do Deus-relação sem exclusivismos nem dominações;
- testemunhas da entranhável misericórdia de nosso Deus;
- testemunhas do Deus da vida, de seu Ser-cuidado para com sua criação;
- testemunhas de sua presença discreta no coração da realidade;
- testemunhas do Deus festivo, boa notícia.

Como? Deixando-nos empapar pela Ressurreição de Cristo e permitindo o nosso corpo ser um corpo de ressuscitados.A Ressurreição “entra pelos sentidos”. Então:
- nossos olhos não só ficarão fascinados por perceber Sua presença, senão que, como os Seus olhos, olharão a dor do povo, se converterão em lugar de encontro. Serão olhos que ao olhar reconhecem e devolvem dignidade, perdoam, animam, levantam, amam;
- nossos ouvidos se farão sensíveis para descobrir a presença do Mistério na cotidianidade da vida; saberão distinguir, apesar dos ruídos, os gritos de dor e os cantos de alegria do povo; saberão escutar respeitosos e atentos;
- nossa boca saberá falar e calar como linguagem de amor; denunciará com valentia; cantará a boa notícia; compartilhará com satisfação o que dá sentido à própria vida, e se fechará à maledicência; aprenderá a degustar, na vida cotidiana, os sabores do reino e oferecerá aos outros essa sabedoria;
- nossas mãos serão capazes de colaborar no nascimento da vida nova que ilumina todos os rincões do mundo. Serão mãos que compartilham, acariciam, levantam, curam, ajudam a demolir os muros da separação e da exclusão;
- nossos pés se converterão em samaritanos e peregrinos, companheiros de viagem que não trilham os caminhos da violência mas abrem caminhos de paz. Serão pés dançantes, festivos, que sabem desfrutar da vida simples, do prazer compartilhado;
- nosso coração será cada dia mais amoroso, grande, sem mesquinhez, sem ressentimentos, casa aberta, misericordioso, compassivo, será um coração de carne, não de pedra;
- nossas entranhas saberão estremecer-se de dor e de prazer, não permanecerão indiferentes, serão entranhas sempre fecundas, geradoras de vida nova para as gerações futuras;
- nossa pele será lugar de toques curadores, lugar para o encontro, nunca para a “alergia” dos outros.

Quando tudo isto for verdade em nossos corpos, nos acontecerá o mesmo que aconteceu com Jesus; que aqueles que vivem ao nosso lado dirão: “o que vimos com nossos olhos, o que ouvimos com nossos ouvidos e tocamos com nossas mãos é que o Deus dos cristãos é amor e vale a pena crer n’Ele” (cf. 1Jo. 1,1). No meio da noite, apesar da tormenta, seremos como estrelas que iluminam, âncoras centradas em Jesus e em seu Reino, barcas com velas soltas ao vento do Ruah, vínculos que unem, pontes que se fazem lugar de encontro, testemunhas visíveis do Deus Invisível.Presença de Ressurreição.
É a aurora do novo dia que varre os espaços interiores para deixá-los limpos e novos diante da nova realidade que surge no horizonte. É Novo Tempo, Nova Criação.
Bênção da aurora que é sempre nova, sempre cheia de luz e de vida, sempre inédita, sempre diferente.
Cada aurora é uma “entrada” em um novo dia, e para “entrar” no dia que se inicia é preciso “sair” do dia que passou.Quando tudo“ocorre pela primeira vez”é quando“tudo é eterno”.
Texto bíblico:Jo 20,1-9

Na oração: Desfazer obscuridades e tecer liber-
dade, nutrir a vida de compaixão e amizade; celebrá-la e  oferecê-la de verdade, orar... Não é esse o movimento de Ressurreição? Não é isto que o evangelista João quer destacar quando escreve que Madalena “saiu correndo”, que Pedro e João “corriam juntos”?

O que está travado em mim que impede o movimento em direção à Vida?
SÁBADO SANTO: a presença ausente de Deus

O “Deus sempre maior” se desvela e ao mesmo tempo se vela(oculta) a nossos olhos.

Tanto na vida cotidiana dos cristãos como também na liturgia, o Sábado Santo é um dia triste, cinzento, desapercebido, quase esquecido. Seu centro é o sepulcro;é um dia sem liturgia, em silêncio, não acontece nada, recorda a solidão do sepulcro, a tristeza das mulheres e dos discípulos, a desilusão diante do fracasso.
Todos, em algum momento de nossa vida, temos atravessado ou atravessamos períodos de tristeza, luto, frustração ou fracasso de projetos ou expectativas. Momentos de sofrimentos físicos, morais ou espiri-tuais, situações de carência de sentido da vida e de injustiças flagrantes vão marcando nossa existência.
A experiência do “Sábado Santo” é uma experiência tipicamente humana e cristã e aqueles que passaram por ela são luz e consolo para os outros.

Como seguidores de Jesus, vivemos nossos Adventos, Natais, Quaresmas, Páscoas e Pentecostes; também vivemos nossas Sextas-feiras santas. É preciso também aprender a viver os Sábados Santos.
O Sábado santo é seguramente o tempo da Igreja e da liturgia que nos cabe viver mais largamente em nossa vida: há um silêncio angustiante de Deus diante das injustiças do mundo, diante da violência, da fome, da enfermidade, da destruição da natureza, da morte... Deus parece dormir, se cala, escuta-se o silêncio de Deus...Para muitos, não há nada além do sábado de sepultura; esse sábado não teria nada de “santo”, seria o sábado do fracasso e do sepultamento daquele que culpavelmente se viu privado de vida. O desconcerto diante da Sexta-feira santa pode chegar a tal ponto que não resta esperança, nem razão para a missão.

O Sábado Santo, no entanto, nos impulsiona a entrar em outra concepção do tempo e em outro modo de viver . Neste dia, toda a Igreja sente um peso profundo que não a deixa ainda desfrutar da vida.
Estar à espera ou em chave de sábado santo, é um estado difícil... em tensão. É o dia da paciência, o dia da esperança freada, o dia em que a esperança é acrisolada pelo fogo.
Nosso Sábado não é simplesmente um final. É um convite à fé. A atitude criativa e crente é confiar muito mais no Deus que, parece, se ausentou de nossas vidas.
Na verdade, toda a realidade está cheia da Presença ausente de Deus. A ausência é a linguagem do amor: dinamiza, impulsiona a progredir no conhecimento da pessoa amada e a esperar o encontro com ela.
Na relação com Deus acontece o mesmo. O movimento do encontrar-se-afastar-se, o lamento da separação e a dor da ausência gera um insaciável desejo de busca e espera vigilante d’Aquele que em qualquer momento pode fazer-se presente.
Com sua Presença e sua Ausência Deus mesmo nos vai educando o coração.Ovelar-se-desvelar-se de Deus fortalece a confiança e nos leva não colocar a segurança em nosso pobre amor, senão no d’Ele.
A Ausência ajuda a manter viva a sede de Deus, buscando-O por novos e obscuros canais. Podemos assim transitar por caminhos desconhecidos só com esta sede de Deus por luz.
Deus nos convida sempre a romper as fronteiras do lugar onde habitamos para poder crescer no Amor.

O Sábado Santo irrompe no itinerário do crescimento espiritual porque ir pelo caminho da configuração com Cristo supõe passar por ele.Grande parte de nossas vidas é constituída por longos “sábados santos”. É na vivência deles que se dá um aumento de percepção e compreensão da experiência de Deus. Apesar da dor e da provação, temos a certeza da “fonte que mana e escorre”. São momentos de aprendizagem em “deixar Deus ser Deus” na nossa própria vida, para que Ele continue sendo nosso verdadeiro Centro e assim todo nosso ser e agir possa ser para sua glória e louvor. Eles nos preparam para que possamos nos aproximar de Deus com todas as capacidades de comunhão abertas.
O ocultamento de Deus neste dia é só provisório. Em nós pulsa a “teopatia” (paixão por Deus). E nosso Deus não nos vai defraudar. E esperamos porque “cremos n’Ele”, esperamos o melhor de sua bondade. O Espírito ficou sem Palavra, mas já sussurra; Elepaira sobre nosso “caos” interior para ali estabelecer o “cosmos”, a harmonia e a beleza da vida. Algo grande está prestes a acontecer.

O Sábado Santo, na realidade, constitui um momento de purificação no qual nos é oferecida a oportu-nidade de desprender-nos de tudo aquilo que em nossa mente e em nosso coração confundimos com Deus. Nele, Deus nos transforma em seu Amor.
É no Sábado onde podemos concentrar toda nossa atenção em Deus como nosso Tudo, sem que outra coisa possa dispersar-nos. A fidelidade a Deus é a condição da união com Ele.
No Sábado da espera somos convidados a exercitar-nos na fé, na esperança e no amor.
O Sábado, sem a certeza de que é a antessala do Domingo da Ressurreição, é só morte e convoca à morte.
No Sábado Santo somos todos terra de penumbra. Nela se antecipa a esperança do dia de Páscoa. Como as mulheres, vamos ao sepulcro, levando aromas.
Aberto à expectativa diante do amanhecer que traz notícias, o Sábado se converte em um tempo fecundo. Cheio de sombra, é verdade, mas fecundo porque refaz nossas forças, nos convoca ao essencial e nos confirma no que queremos ser: homens e mulheres de fé.
Como seguidores de Jesus somos testemunhas não do fracasso, mas de ricas e surpreendentes possibilidades. Com tudo, apesar de tudo e com o peso de tudo, sabemos que o Sábado não é uma espera inútil, é uma espera fecunda.  Sábado Santo é tempo não só de espera senão de esperança, é deixar que o grão de trigo morto comece a dar fruto, é tempo de um inverno que fará possível as flores da primavera, é tempo de imaginar, de criar, de abrir-se a algo novo e inesperado, de sonhar um mundo melhor e uma igreja nazarena. O Sábado Santo é, ao mesmo tempo, sepulcro e mãe, como diziam os antigos Padres da igreja ao falar do batismo.
Este espaço de silêncio não é de morte mas de vida germinal, é noite que aponta para a aurora, é momento de semear, é tempo de crer que o Espírito do Senhor, criador e doador de vida, está fecundando a história e a terra para sua maturação pascal, para a nova terra e o novo céu.
Ainda mais, este tempo é necessário, imprescindível para que deixemos de nos olhar para nós mesmos e nos abramos aos primeiros reflexos de Ressurreição que estão chegando, inclusive de lugares que não costumamos olhar.

Texto bíblico:Lc 23,50-56

Na oração: fazer memória dos Sábados Santos(perdas, fracassos, lutos...) como tempo de maturação da
própria vida e como possibilidade de surgimento do novo.



QUÊ VEMOS AO OLHAR A CRUZ?

“Os homens nunca fazem o mal tão completamente e com tanto entusiasmo como quando o fazem por convicção religiosa” (Blaise Pascal)

“Sou Padre católico e concordo plenamente com o Ministério Público de São Paulo, em querer retirar os símbolos religiosos das repartições públicas… Nosso Estado é laico e não deve favorecer esta ou aquela religião. A Cruz deve ser retirada! Aliás, nunca gostei de ver a Cruz em Tribunais, onde os pobres têm menos direitos que os ricos e onde sentenças são barganhadas, vendidas e compradas. Não quero mais ver a Cruz nas Câmaras legislativas, onde a corrupção é a moeda mais forte. Não quero ver também a Cruz em delegacias, cadeias e quartéis, onde os pequenos são constrangidos e torturados. Não quero ver, muito menos, a Cruz em prontos-socorros e hospitais, onde pessoas pobres morrem sem atendimento. É preciso retirar a Cruz das repartições públicas, porque Cristo não abençoa a sórdida política brasileira, causa das desgraças, das misérias e sofrimen-tos dos pequenos, dos pobres e dos menos favorecidos”. (Frade Demetrius dos Santos Silva)

“Essa é a única morte que nos pode dar força diante das outras mortes” (Libânio)
Todas as mortes são para nós um absurdo, porque a morte é o nada que entra na nossa história, e seria nada mesmo, se não houvesse essa morte de Jesus que deu sentido a todas as outras mortes. Só por isso valeu a morte de Jesus. Diante dos sofrimentos e da morte somos convidados a olhar para este Homem que assumiu a morte para estar conosco, para estar ao nosso lado; é nessas horas que vamos encontrá-Lo.
Sexta-feira Santa é convite a entrar e mergulhar no mistério desse Homem que, ao mesmo tempo, assumiu nossa humanidade ao extremo e nos mostrou a face misericordiosa de Deus Pai.
Jesus não escapou de nenhuma experiência nossa, Ele não fugiu das experiências que tecem o nosso cotidiano, Ele as viveu a cada dia de modo humano. E de repente essa experiência humana chega a seu extremo, ao extremo da dor e do sofrimento.
Carregar a cruz não é um ato dolorista nem um ato suicida, é um ato de entrega da própria existência.

Ao contemplar o Crucificado, muitos questionamentos vão surgindo: 
* a Cruz é sinal de solidariedade ou sinal de poder, sinal de libertação ou sinal de opressão, sinal de rebeldia ou sinal de submissão, sinal dos vencidos ou sinal dos vencedores...?
* Perguntamo-nos se é a Cruz dos condenados deste mundo ou a cruz dos que condenam, a Cruz dos crucificados da terra ou a cruz dos que continuam crucificando como em outro tempo crucificaram a Jesus?
A primeira coisa que descobrimos ao contemplar o Crucificado do Gólgota, torturado injustamente até à morte pelo poder político-religioso, é a força destruidora do mal, a crueldade do ódio e o fanatismo da mentira. Precisamente aí, nessa vítima inocente, nós seguidores de Jesus, vemos o Deus identificado com todas as vítimas de todos os tempos. Está na Cruz do Calvário e está em todas as cruzes onde sofrem e morrem os mais inocentes. A partir da Cruz, Deus não responde o mal com o mal; Ele não é o Deus justiceiro, ressentido e vingativo, pois prefere ser vítima de suas criaturas antes que verdugo.
O Crucificado nos revela que não existe, nem existirá nunca um Deus frio, insensível e indiferente, mas um Deus que padece conosco, sofre nossos sofrimentos e morre nossa morte.
Despojado de todo poder dominador, de toda beleza estética, de todo êxito político e de toda auréola religiosa, Deus se revela a nós, no mais puro e insondável de seu mistério, como amor e somente amor.
Nós cristãos contemplamos o Crucificado para não esquecer nunca o “amor louco” de Deus para com a humanidade e para manter viva a recordação de todos os crucificados da história.

Jesus não morreu por vontade divina nem para expiar nossos pecados, senão que foi condenado como herege e subversivo, por elevar a voz contra os abusos do templo e do palácio, por colocar-se do lado dos perdedores, por ser amigo dos últimos, de todos os caídos.
Na contemplação da Paixão fazemos memória comovida de Jesus, e ao “fazer memória” confessamos que Ele está vivo, revivemos Sua vida, O ressuscitamos na vida. Não buscamos argumentos lógicos e dog-máticos, mas sinais de vida em toda Sua vida e também em Sua morte. Descobrimos, como afirma a teóloga Mercedes Navarro, que “Jesus morreu de vida”: de bondade e de esperança lúcida, de solidariedade alegre, de compaixão ousada, de liberdade arriscada, de proximidade curadora...
“Morreu de vida”: isso foi a Cruz, e isso é a Páscoa. E é por isso que tem sentido recordar Jesus, olhando nas chagas de sua Cruz as pegadas de sua vida.
Os relatos dos evangelistas nos recordam que nós cristãos somos seguidores de um Crucificado.
A leitura orante do relato da Cruz de Jesus nos faz abrir os olhos para  ler também nossa própria vida e a vida de toda a humanidade. Não se trata meramente de uma referência externa, presa ao passado, mas de uma mensagem de sabedoria permanente, que transcende o tempo e o espaço.
“Porque os judeus pedem sinais, os gregos procuram sabedoria, ao passo que nós anunciamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os pagãos, mas para aqueles que são chamados é Cristo, força de Deus e sabedoria de Deus” (1Cor. 1,22-24)

Situar-se, pois, diante do Crucificado, acarreta diversas conseqüências para nossa vida; podemos destacar as seguintes:
Denúncia: a Cruz nos fala de uma aliança de poderes, religioso e político, que acabaram cruelmente com a vida de um inocente. Isso ocorreu com Jesus e, por desgraça, ocorre ao longo de toda a história humana. Crer no Crucificado implica denunciar ativamente todo tipo de opressão contra os inocentes.

Compromisso: para nós que cremos em Jesus, todo e qualquer “crucificado” – seja qual for o motivo de sua cruz – é alguém sagrado, que suplica nossa compaixão ativa e nossa solidariedade eficaz.
Como diz Jon Sobrino, não podemos crer no Crucificado de um modo coerente se não estamos dispostos a fazer descer da cruz aqueles que estão nela.

Esperança de vida: a Cruz – que se completa com a mensagem da ressurreição, com a qual forma um único acontecimento – proclama que a Vida não morre; que, inclusive naquelas circunstâncias nas quais parece que tudo é fracasso, a Vida abre caminho; nenhuma morte é o final.

Ensinamento: como viver a própria cruz? Para começar, sabemos que, a rigor, não podemos chamar “cruz” a todo sofrimento. Há sofrimentos evitáveis, em nós e nos outros, contra os quais teremos que lu-tar; há outros inevitáveis, que precisamos acolhê-los e dar-lhes sentido; e há outros, que são consequência de uma opção de amor fiel: estes são a “cruz”, pois são a opção construtiva que admiramos em Jesus: aqui é importante assumi-los lúcida, paciente e confiadamente. Assim vivida, a Cruz é fonte de vida; tal é a mensagem do Crucificado: “viver como Deus quer o que Deus não quer”.

Textos bíblicosMc 15,21-41 1Cor. 1,18-25



terça-feira, 15 de abril de 2014

5a. FEIRA SANTA - DIA DO AMOR

LAVA-PÉS: para uma “Igreja da toalha

“Cristo monumentou a Humildade quando beijou os pés dos seus discípulos”(Manoel deBarros)

O gesto do “lava-pés” é paradigmático para todo seguidor de Jesus Cristo; constitui um dos gestos mais expressivos da missão e da identidade para aqueles que exercem algum serviço em sua comunidade.
É revelação e ensinamento. É amor e mandamento. É gesto-vida, gesto-horizonte, gesto-luz...
Não podemos amar o outro e olhá-lo de cima. Não se trata também de se “humilhar”, de se colocar “abaixo” de seus pés, mas de cuidarde seus pés para que esse outro possa se manter de pé, para que ambos possam estar face a face e caminhar juntos.
Jesus sabia que seus discípulos tinham pés frágeis, pés de argila. Amar alguém não é querer que ele fique deitado a seus pés, mas é querer que ele se mantenha de pé, na plenitude de sua grandeza. Amar alguém é querê-lo com os pés “livres, leves e soltos”. Lavar os pés é gesto de humanização e gesto humanizante. É devolver ao outro a dignidade e capacidade de dar destino à sua vida.
A cena do lava-pés revela profundidade e delicadeza, mútuo dom e acolhimento, comunhão e cuidado. É um gesto profético, repleto de generosidade e de humildade.

O Evangelho de S. João substitui a instituição da Eucaristia pelo Lava-pés.O gesto escandaloso de Jesus revela um enfoque nem sempre percebido em seu sentido profundo. Ele revela aos apóstolos um “novo ângulo”ou um novo modo de ver as coisas: não a partir do lugar dos comensais, mas a partir da pers-pectiva de quem não está sentado à mesa.O gesto de Jesus nos convida a deslocar-nos, ou seja, ocupar o lugar da pessoa que não participa da mesa. Quê novidadepercebemos a partir deste lugar?
Jesus deixa transbordar os segredos de seu coração. Ele revela o rosto de Deus, que é Amor.
Ninguém serve a Deus, a não ser do jeito de Jesus, isto é, lavando os pés, amando até o fim.
Mistério da Encarnação: Deus abraçando e sendo encontrado junto aos pés dos seus filhos(as).
“Levanta-se da mesa” – “senta-se à mesa”: movimento de partida e de chegada; mesa que se projeta no serviço, mesa que faz memória festiva, mesa do encontro...

O “descendimento” do Senhor aos pés dos discípulos, fazendo-se servidor, transforma o status da servidão (“o servo não sabe o que faz seu senhor”) em fraternidade (“não vos chamo servos, mas amigos).
Deste modo se mostra o verdadeiro senhorio de Jesus: a possibilidade de resta-belecer a igualdade entre as pessoas através da superabundância de um amor que se derrama, sem reservas, para todos. Este gesto provocativo de serviço e despo-jamento d’Aquele que é “Senhor” desperta em cada seguidor o desejo de consi-derar suas qualidades e capacidades como veículos de doação, não de poder ou de manipulação. A partir deste “ousado gesto” já não se justifica nenhum tipo de superioridade, mas somente a relação pessoal de irmãos e amigos.

A reação de Pedro expressa bem o escândalo que este gesto produz, porque Jesus revela que a autoridade -ser Senhor – é um serviço, não uma dominação.
Pedro fica desconcertado e em dilema. Sua imagem do Messias seguro e vence-dor não combina com a vulnerabilidade de um servo.
O gesto do lava-pés é repleto da “espiritualidade do cuidado”.
O cuidado é um diálogo de presenças, não só de palavras. São seres“vulneráveis” que dialogam.
O cuidado é expressão de ternura e delicadeza. É atenção às pessoas; é gesto de inclusão.
O cuidado é gesto amoroso para com o outro, gesto que protege e traz serenidade e paz.
O amor é a expressão mais alta do cuidado, porque tudo o que amamos cuidamos. E tudo o que cuidamos  é um sinal de que também amamos. Cuidar é envolver-se com o outro ou com a comunidade de vida, mostrando zelo e preocupação. Mas é sempre uma atitude de benevolência que quer estar junto, acompanhar e proteger; é ter espírito de gentileza e ternura para captar e sentir o outro como outro, como original, e acolhê-lo na sua diferença. O Lava-pés nos pede vestir a toalha da simplicidade, da ternura acolhedora, da escuta comprometida, do serviço desinteressado...
Lava-pés não é teatro, mas modo habitual de proceder e de estar no mundo.

Texto bíblico:Jo. 13,1-17


Na oração: Como posso vivenciar, no cotidiano, a beleza e o cuidado revelados no gesto do lava-pés? 

quarta-feira, 9 de abril de 2014

DOMINGO DE RAMOS

SE O TRIUNFO E O ÊXITO “SOBEM” À CABEÇA”...

“Trouxeram o jumentinho e puseram sobre ele suas vestes, e Jesus montou” (Mt 21,7)

No Domingo de Ramos, ao fazer memória da entrada de Jesus em Jerusalém, costumamos realizar procissões triunfais, com palmas e cânticos, com os sacerdotes revestidos de preciosos ornamentos...
No entanto, convém recordar como Jesus se situou frente a isso que chamamos triunfo.
Um triunfo e um êxito retumbante é o que esperavam todos aqueles que o seguiam desde a Galiléia; esperavam um novo Davi poderoso, o rei por excelência, o ungido, o conquistador, o unificador, o que iria devolver a Israel  a soberania, a paz, a abundância, o predomínio sobre as demais nações... Aquele que faria com que todas as nações viessem adorar a Deus em seu santo Templo de Jerusalém, o Messias, luz das nações e glória de seu povo Israel.

Mas Jesus frustra esta expectativa: durante toda sua vida pública Ele se empenhou em afastar-se dessa imagem triunfal, evitou a propaganda e a fama de curador poderoso, pediu para manter oculto seus milagres, fugiu daqueles que queriam fazê-lo rei, anunciou repetidas vezes que seu fim era a rejeição, a perseguição, a condenação por parte dos poderosos e a morte na cruz. 
A subida a Jerusalém é penosa, marcada por conflitos e os discípulos cada vez mais distantes do pensamento do Mestre pois disputavam entre eles quem ficaria à direita ou à esquerda no Reino. Jesus passou a vida inteira desmontando a idéia de triunfo e êxito que imperava no povo e em seus amigos.
Com sua “entrada em Jerusalém”, Jesus desconcerta a todos. Seu gesto provocativo revela que não podemos compreender sua missão com base no poder e na força que se impõem, pois onde há poder não há amor e nem misericórdia.
Os poderosos tem pavor daquele que vem sem nada, despojado de tudo, sem poder, anunciando a chegada do Reino, ou seja, de uma humanidade diferente, fundada na verdade e na solidariedade verdadeira.
Ele queria entrar na cidade oferecendo uma mensagem de pacificação e um programa de libertação, como fizera durante sua estadia na Galiléia. Deixa transparecer que a salvação de Deus não vem do triunfo político, da aclamação social, da imposição dos de cima, da opressão por parte da religião...

Por isso, como mensageiro de paz, chegou Jesus a Jerusalém montado num jumentinho. Não precisava de soldados e nem de instituições de violência para se defender. Sem armas de guerra, sem um possante cavalo, sem poderes e nem ambições..., mas montado num jumentinho de paz, um jumentinho empresta-do e novo, não domado, pois Jesus não possuia nem um jumentinho.
O “êxito” de Jesus consiste no fato de ser capaz de ir até o final, de ser coerente com a proposta de vida, de ser fiel à vontade do Pai; seu êxito  consiste em não querer triunfar e dominar como todos esperavam.
Este gesto escandaloso de Jesus, ao entrar em Jerusalém, também desmonta toda pretensão de triunfo e êxito presente tanto no mais profundo de nosso ser como na estrutura eclesial. Nada mais contrário ao seu seguimento do que querer triunfar sobre os outros, lutando por poder, prestígio, influência social, espetáculo, carreirismo...

Este é o “vírus” que a todos infecta; todos perseguimos o triunfo,todos buscamos o êxito frente às aspirações e propósitos que vamos assumindo ao longo de nossa existência. Todos, em um grau maior ou menor, de uma maneira ou de outra, buscamos o êxito e lutamos, às vezes com muito custo, para evitar o pólo oposto: o fracasso.E na luta por obter triunfo e êxito nos esforçamos, nos identificamos com deter-minados modelos, elaboramos estratégias, passamos por cima dos outros... Em resumo, todos gastamos importantes quantidades de energia para não nos esbarrarmos em possíveis fracassos.
Brilhar diante dos outros, levar vantagem em tudo, alcançar a fama e o reconhecimento público, aparecer nos meios de comunicação social, ser relevante ou influente no próprio grupo social ou institucional,conquistar uma posição de poder e prestígio..., aparecem em nossas sociedades como uma das metas mais importantes a alcançar na vida. Daí a proliferação de recursos que são oferecidos no mercado para a conquista de tal propósito e as ansiedades que essa mesma busca provoca.

Contudo, no horizonte da Paixão de Jesus, o fracassotambém tem seu lugar.
O fracasso constitui a outra face do êxito, sua contrapartida. Não é possível, por isso, tratar sobre o êxito sem estar fazendo continua referência ao fracasso.
O que é único e original na tradição cristã é isso:“O que é a Cruz, senão a história de um fracasso?”
Fracasso de um ensinamento, fracasso de uma pregação, fracasso do amor a todos os seres, amor esse que não foi reconhecido. Jesus transformou este fracasso em um caminho para a ressurreição.
Quando pensamos em nossas vidas, quando as vemos pelo seu exterior, percebemos inúmeros fracassos. Mas, em segredo, podemos pressentir que estes fracassos, estas dificuldades são, talvez, a nossa maior sorte. Porque através deles nos libertamos de nossas ilusões sobre nós mesmos. Eles tendem a nos deprimir, mas também podem ser uma ocasião para nos fazer mais humanos e humildes.
Através dos fracassos nos aproximamos de nosso ser essencial e original, onde estão os dinamismos capazes de transformar estes mesmos fracassos em caminhos de realização e crescimento.

O fracasso pode ser percebido como chance para crescimento ou amadurecimento, ou pode ser integrado à luz de outras experiências positivas. Aprendemos mais pelos nossos fracassos do que pelos nossos êxitos.Nossa existência é constituída de momentos de luta e de coragem, de sonhos e de esperança, de vitória e de derrota. Este é o material com o qual são construídas as histórias e as vidas.
O fracasso, que em muitas ocasiões nos provoca medo, insegurança, mal-estar... é um espaço perfeitamente adequado para iniciar o movimento para uma maior expansão de si.
Mais ainda, muitas vezes são os fracassos que nos levam a iniciar uma mudança em nossas vidas, para uma maior realização pessoal e, portanto, para uma maior satisfação interior.
Para muitos, os fracassos os afundam num abismo de impotência e agressividade; para outros, ao contrário, os fracassos os convertem em seres incrivelmente sensíveis, compassivos, humildes...
Os fracassos nos revelam aspectos novos de nós mesmos e nos ajudam a conhecer-nos mais.
“Há coisas que não se compreendem enquanto não se esteja definitivamente derrotado” (Péguy)
Os fracassos tem poder de revelação: ser o que a pessoa é e nada mais que aquilo que é. A experiência dos fracassos nos une a todos, nos iguala, é fonte de comunhão... Graças aos fracassos, a pessoa vai quebrando, pouco a pouco, seu instinto de posse, a auto-afirmação de si, a prepotência, a soberba...

Texto bíblicoMt 21,1-11

Na oração: Fazer memória da entrada de Jesusem
Jerusalém implica descer com Ele à nossa cidade interior e ali esvaziar toda busca de poder e prestígio, desalojar tudo aquilo que se ali-menta de êxito e triunfo, e assim destravar a vida verdadeira que quer se expandir.
“Descer” com Jesus nos humaniza interiormente e nos move a viver uma relação mais humanizadora com os outros, fundada na compaixão, na acolhida e no compromisso solidário.




quinta-feira, 3 de abril de 2014

HOMILIA DOMINICAL - 9 DE ABRIL

A vida sempre tem razão (Rilke)

“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, mesmo que morra, viverá”(Jo 11,25)

Há em todos nós um desejo insaciável de vida. Passamos os dias e os anos lutando por viver, nos agarrando à ciência e, sobretudo, à medicina, para prolongar esta vida biológica. Sabemos que a morte é a realidade mais universal: todos morrem; mas nem todos sabem viver.
E o que é a vida? Como viver? Tem sentido viver? Há “vida antes da morte”?
A vida humana, antes que saberes e idéias, éprazer e sofrimento, alegria e tristeza, companhia e solidão, tato e contato com alguém a quem queremos, entrega e generosidade, liberdade e esperança... Por isso, na vida humana, é tão determinante a sensibilidade, o afeto, a ternura, a bondade, a compaixão, tudo o que gera amor, carinho e doação de uns para com outros.
Em todas estas situações o que está em jogo é a vida. Não “outra” vida, mas a “vida”.

Para o evangelista João, a “vida” é uma totalidade, que é já a vida presente, a vida atual, uma vida que tem tal plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”, porque transcende os limites deste mundo;uma vida com tal força e tão sem limites que nem a morte mesma poderá com ela.
Quem não encontra a Deus “nesta” vida, não O encontrará jamais.
Mais ainda, se é certo que o Deus que Jesus nos revela nós O encontramos na vida, disso se segue que Elese “fundiu com a nossa vida”, essa vida que nos entra pelos sentidos, divinizando-a, fazendo-a eterna. Ou seja, encontramos Deus, antes de tudo, pelo que vemos e sentimos, pelo que apalpamos com nossas próprias mãos, por tudo aquilo que, ao senti-Lo, se faz vida em nós. “Deus entra pelos sentidos”.
Por isso, o sinal decisivo de que alguém crê no Deus de Jesus está na vida que leva. Ou seja, está em se viver ou não viver como viveu aquele Jesus de Nazaré. Isso quer dizer que o sinal de que uma pessoa encontrou o Deus de verdade é que ela se relaciona com os outros como se relacionou Jesus, que sente o que Jesus sentiu, que vive o que Jesus viveu.
Quando alguém se deixa invadir pelo humano, quando uma pessoa se humaniza de verdade e é sensível à dor do mundo,significa, então,que Deus entrou pelos seus sentidos. E é justamente quando, de verdade, se encontra com o “Deus desconcertante”, o Deus que Jesus de Nazaré nos revelou.

Nos Evangelhos há uma constante: Jesus é apresentado como Aquele que é a Vida, o único que pode dar

aVida definitiva. Jesus é um bió-filo– amigo da vida.
A insaciável sede de vida eterna enraizada no mais profundo do coração de todos os seres humanos só pode ser saciada por Aquele que é a “Ressurreição e a Vida”.
Os diversos relatos de “retôrno à vida” vão mostrar a vitória de Jesus sobre a morte, vitória que se reali-zará plenamente na Sua Ressurreição, à qual está indissoluvelmente vinculada a ressurreição de todos.
No texto evangélico de hoje, Jesus, na força do Espírito, comanda a ação: pede às pessoas que afastem a pedrae que soltem as amarras de Lázaro, para que ele possa andar. A ação de Jesus é expansiva pois mobiliza as pessoas para que, por meio de sua cooperação, avida seja destravada.
A vida com as amarras da fome, da exclusão, da violência... não pode ser chamada de vida.
Diante de uma sociedade que se especializa em impor pesadas pedras e faixas imobilizadoras, defender a vida é caminhar na contramão de tudo que nos diminui como seres humanos.
Há ainda aqueles que vivem a resignação do “quarto dia”, o dia da morte da esperança (para o judeu, o 4o. dia representava o começo da decomposição do corpo). Essas pessoas também precisam ser desamarradas da falta de perspectivas, da falta de esperança, da descrença na vida, da falta de fé n’Aquele que venceu para sempre a morte com todas as suas amarras.

Com uma autoridade, soberana e amiga, a ordem de Jesus é dada com voz forte, com um grito...
Esta é a mensagem central que o evangelista João quer transmitir:
a verdadeira vida consiste em ouvir a Voz do Enviado pelo Pai para dar a vida ao mundo; o importante não é o maravilhoso, mas mostrar e compreender que Jesus tem a autoridade de dar a Vida. Jesus desata as ataduras, as amarras da morte; elasmantém os homens cegos, mudos e surdos, atados e asfixiados. Seu lugar não é entre os mortos, mas entre os vivos.Eles precisam ser libertados e soltos por ordem de Jesus para que possam seguir seus caminhos, viver suas vidas livremente, voltar à comunhão com os outros.Não foi só Lázaro que saiu das suas faixas.
Todos os que estavam enclausurados em seus hábitos, presos em suas memórias, sufocados e conformados pela mediocridade, todos os que preparavam túmulos antes da hora de seu último suspiro... todos ouviram esta voz: “Saia!... Saia daí, vão além de vocês mesmos, a caminho!”

Para fazer-se presente neste mundo, Deus não se impôs a dar-nos doutrinas e a ensinar-nos verdades, mas se fez presente na vida de um Homem que nasceu pobre, que viveu entre os pobres e que morreu de tanto viver.Só nele encontramos uma esperança de vida mais além da vida. Só nele buscamos luz e força para viver uma vida diferente, ditosa, com sentido...
“Retirai a pedra”,disse Jesus diante do sepulcro de Lázaro.Retirai o que impede o sopro de Deus deentrar em vossos túmulos. Abri o que está fechado em vós”.
Quando Jesus pede que se retire a pedra do sepulcro de Lázaro, Marta aflige-se:“Senhor, cheira mal; já é o quarto dia...”Jesus faz pouco caso disso; Ele veio para entrar onde cheira mal, para abrir o que estátrancado, para fazer retornar à vida o que está morto.
Viver humanamente consistirá em deixar o Espírito circular livremente em todos os cômodos de nossa morada, arejando-os, ventilando-os, religando-os, dando-lhes vida, reorientando-os. A missão do Espírito é ajudar-nos a fazer a travessia, o mergulho interior, tanto nas sombras como nas zonas de luz, até ao centro de nós mesmos.O Espírito procura entrar para fecundar, recolocar em ordem, restaurar, unificar.

Afastar a pedra da entrada do túmulo é colocar Deus em seu devido lugar em nossa vida. É retornar a Ele, vivendo plenamente nossa humanidade e deixando-a vivifi-car pelo Espírito. Trata-se, dessa maneira, de experimentar a salvação em todas as zonas de nosso ser, de recompor-nos, reajustando-nos às leis fundamentais da vida.

Texto bíblico:Jo 11,1-45

Na oração:deter-se para contemplar o coração de Jesus comovido, sacudido, diante da dor e da morte.
                      Jesus foi “traído” pelo seu afeto. Aquele que é o Senhor da Vida, o vencedor da morte, tem um coração queama como o coração do irmão mais fiel; assim é o coração de Jesus: feito com asfibras da fortaleza e da coragem entrelaçadas com as fibras dacompaixão e da ternura.
Chamado para consolar uma família desolada, toma uma decisão difícil, pondo em risco a própria vida e se faz presente em meio à tragicidade da morte para comunicar vida a umamigo morto.
Com esse coração,Jesus nos ama a todos e a cada um; com um amor singular, pessoal, único, eterno.

- O que ainda existe para ser descoberto em sua vida? Há espaço para o novo?
- Ou está tudo amarrado, costurado nas bordas, selado contra qualquer surpresa?



ANCHIETA: admirável peregrino, todos seguem teu caminho

“Se você não mover os pés, não reconhecerá o ritmo da vida”

O peregrino é alguém que “entra” numa terra estranha, que se afasta dos apoios comuns da existência;
                      é alguém livre, que “saboreia” cada passo em cada momento, que não se acomoda num de-
                      terminado lugar, que está sempre na expetativa do novo, do diferente, do inesperado...
A estrada, são os caminhos do mundo... de Portugal, da Espanha, do Brasil... Mas é muito mais a senda de mistério e luz que o Senhor o faz seguir no decorrer de suas longas caminhadas.
Na estrada do peregrino há o despojamento, a pobreza, por vezes a fome e a sede, os caprichos das estações, a incerteza dos dias de amanhã. Há a liberdade do espírito, horizontes infinitos, desafios que despertam a criatividade, ousadia que ultrapassa o momento histórico...
Há o imprevisto, o acontecimento inesperado, que comanda o ritmo da marcha, as paradas, as estadias, as mudanças de rumo... Há o encontro com “fiéis e infiéis”, companheiros que se agregam, amigos que ajudam, inimigos que espreitam, pobres que compartilham o mesmo pão...
Finalmente, a estrada aproxima o peregrino, a cada instante, da meta ainda escondida, mas certa. Ao voltar-se para trás, ele se dá conta que o itinerário foi realmente maravilhoso, que a experiência o transformou, que está mais livre, mais autêntico, mais rejuvenescido...

Anchieta é o homem “peregrino”: vai contemplar a outra face da fronteira geográfica e cultural, até então inédita para ele e para todos; busca viver em profundidade esta “experiência de travessia”, até os limites extremos do despojamento e de tudo. Percorre, a pé e de barco, todo o litoral brasileiro. Seu caminho ti-nha de ser desbravado com criatividade, ousadia e destemor. “Tinha o coração maior que o mundo...”

Anchieta é o homem de “fronteira”; há nele uma força interior que o arranca da acomodação, o coloca em contínuo movimento e o transforma em cidadão do mundo.
Mais que um simples deslocar-se, trata-se de um modo de viver e de situar-se no mundo.
Invadido por uma paixão que não lhe dá repouso, Anchieta está presente em tudo, sem extraviar-se nunca na confusão das coisas. Tudo lhe interessa e em tudo deixa o seu “toque”: literatura, educação, medicina, teatro, catequese, botânica... Sempre em marcha, sem encurtar os passos, o peregrino Anchieta avança como homem livre, sem deixar-se aprisionar por nada nem por ninguém, aberto aos acontecimentos, pronto a servir a Deus e seus pobres preferidos.

O “seguidor de Jesus” é, em sua essência, mudança, movimento, dinamismo, energia... pois Deus não nos deu um espírito de timidez, de medo, de fuga, de acomodação... mas de audácia, de criatividade, de luta, de participação.... A “fidelidade criativa” no mundo de hoje nos impulsiona a “inventar” constantemente, a “ousar” sem medo, a “deslocar-nos” sem parar, a “sair” de nossos esquemas fechados, mentalidades ultrapassadas, formalismos frios, modos de agir arcaicos...
Fidelidade criativa significa uma “leitura” atenta dos sinais dos tempos e abertura dócil a uma realidade em contínua mudança que define o campo de nossa criatividade.
É a ousadia, motivada e sustentada pelo amor de Deus, mas também pelo zelo apostólico e por uma sensibilidade para perceber as novas “necessidades” do nosso tempo.
Para isso é importante reconhecer o momento atual, espreitar possibilidades de mudança... que os horizontes sejam ampliados, que a imaginação seja desempoeirada, que os sentidos sejam ativados, que se renovem os tecidos da alma e sejam removidos os véus do espírito... para que avancemos, como Anchieta, em direção às novas fronteiras do espaço sem limites, que nos espera aberto e acolhedor.
Isto consiste em colocar-nos nos “passos” de Deus, com suficiente visão da realidade para ir adiante, e com bastante disponibilidade para mudar de caminho quando o sopro do Espírito assim nos sugerir.  

Textos bíblicos:   Mt. 4,18-25   Mc. 4,1-9   Mt. 9, 9-13


Nas nossas vidas acontece algo de verdadeiro e belo quando nos dispomos a viver em “estado de êxodo”: existem ainda céus por explorar, aventuras por empreender, experiências por aceitar, idéias por experimentar... Ainda existe uma “terra desconhecida” que nos desafia, que suscita curiosidade, nos põe a caminho...
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