Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Por que o Ano da Fé?
São muitas as razões que motivaram o Papa Bento XVI promulgar o Ano da Fé. Nosso Papa tem uma visão global da realidade da Igreja, no mundo, desde o Concílio Vaticano II até nossos dias. Seus trabalhos no coração da Santa Sé, sua experiência e colaboração no pontificado do Beato João Paulo II, suas viagens e encontros com as Conferencias Episcopais nos diversos Continentes, os encontros sinodais, as visitas dos Bispos do mundo inteiro a Roma, proporcionaram-lhe um real e vasto conhecimento da realidade da Igreja.
Vamos aqui focalizar algumas razões para a promoção do Ano da Fé, nos escritos e ensinamentos do Papa Bento.
1-A desertificação. Há um deserto interno e externo que assola a humanidade e a Igreja. O deserto interno se concretiza pela negação de Deus, pelo indiferentismo, pela secularização, pelo individualismo. Confusão doutrinal, ignorância religiosa, afastamento dos fiéis da Igreja, a “ditadura do relativismo” são expressões da desertificação interior. O Papa nos convida a uma peregrinação nestes desertos para transforma-los em jardins e oásis. Eis a necessidade da fé. Os desertos exteriores são as desigualdades sociais, a violência, as migrações, a depredação da natureza, entre outros.
2-A descristianização. Nossa sociedade e cultura não são mais religiosas, mas, secularizadas e indiferentes à dimensão religiosa. Vivemos numa realidade pluralista, tecnológica, antropocêntrica onde os valores religiosos contam muito pouco. Por outro lado, esta mesma sociedade é altamente destrutiva desde a cultura da morte até à desestruturação da família, o avanço do câncer, a corrupção generalizada, fome no mundo, o flagelo das drogas. É desde “caos globalizado” que emerge a saudade e o desejo de Deus, os valores do reino de Deus e a procura de respostas para o vazio existencial. A fé  quer ser resposta para estas e outras perguntas de homem moderno.
3-A mudanização dos ambientes cristãos. O consumismo, a vida urbana, o poder da mídia invadem os espaços e os corações dos cristãos e assim caímos na “mundanização da Igreja”, diz o Papa. No sínodo sobre a nova evangelização vários padres sinodais alertaram para a necessidade da purificação, conversão, santificação dos bispos, sacerdotes, religiosos(as), seminaristas. Há como que um “envenenamento do pensamento” afirma Bento XVI. É preciso redescobrir a fé no âmbito interno da Igreja.
4-A superação da pastoral da conservação e da manutenção, é outra razão para o Ano da Fé. Precisamos passar da sacramentalização, para uma consciência da missão, para uma pastoral missionária que venha desinstalar os católicos do comodismo, da mesmice, do cansaço, da rotina. É hora de implantar um catolicismo bíblico, uma opção fundamental pela Palavra de Deus, uma catequese de iniciação cristã, uma pedagogia das pequenas comunidades e a prática da visitação permanente. Todas estas urgências pastorais encontram inspiração, força, dinamismo a partir da fé. “Se não crerdes, não podereis subsistir” (Is. 7,9).
5-A desumanização. Crescemos economicamente e teologicamente, mas, involuimos ética e espiritualmente. Eutanásia, aborto, assaltos, mortes no trânsito, maus tratos e crianças, idosos, mulheres, assassinato de jovens, discriminação e exclusão de índios, negros e pobres, caracterizam a desumanização atual.
O Ano da fé quer ser uma resposta, uma luz e bússola para estes e outros problemas e crises da Igreja e da sociedade. A fé abre novos horizontes, aponta caminhos, oferece soluções para as pessoas, as comunidades e a sociedade.
Dom Orlando Brandes
Folha de Londrina, 9 de fevereiro de 2013

sábado, 23 de fevereiro de 2013

Homilia dominical - 24 de fevereiro de 2013

No monte Tabor

Estamos no 2º domingo da Quaresma.
A Liturgia nos convida a subir o Monte Tabor
para fortalecer a nossa fé em nossa caminhada quaresmal.

A Campanha da Fraternidade nos propõe a acolher e valorizar os jovens,
propiciando caminhos no seguimento de Jesus Cristo,
na vivência eclesial e na construção de uma sociedade fraterna,
fundamentada na cultura da vida, da justiça e da paz

As leituras apresentam pistas para a nossa "TRANSFIGURAÇÃO".

A 1ª Leitura nos fala da FÉ DE ABRAÃO. (Gn 15,5-12.17-18)

Abraão já está velho, sem filhos, sem a terra sonhada e
sua vida parece condenada ao fracasso.
Deus lhe garante a Posse de uma Terra e uma descendência numerosa...
Ele confia totalmente em Deus e se põe a serviço dos desígnios do Senhor.

* Abraão é um modelo de fé: confia totalmente em Deus,
aceita os planos de Deus e se põe a serviço deles.

Na 2a leitura, PAULO mostra sua FÉ na transfiguração,
apesar do que via e condenava na comunidade:
  "Ele transformará o nosso corpo humilhado e
   o tornará semelhante ao seu corpo glorificado". (Fl 3,17-4,1)

* A nossa transfiguração e a transformação do mundo atual
exigem um processo contínuo de conversão.

O Evangelho apresenta a FÉ DOS APÓSTOLOS,
fortalecida na MONTANHA pela Transfiguração de Jesus. (Lc 9,28b-36)

Jesus está a caminho de Jerusalém com os Apóstolos.
O 1o anúncio da PAIXÃO provoca neles uma crise profunda...
Desmoronam as esperanças messiânicas, impregnadas de triunfalismo...
Os Apóstolos, decepcionados, entram numa profunda crise.

Para reanimar a fé abalada deles, Jesus...
- recorre à oração, na MONTANHA, lugar sagrado por excelência,
  onde Deus se revela ao homem e lhe apresenta seus projetos.
- se transfigura: Todo encontro autêntico com Deus deixa marcas visíveis
  no rosto das pessoas, como em Moisés ao descer do Sinai;
- Uma Voz confirma: "Este é o meu filho amado, escutai-o".

  Ao descer do monte, uma nova energia inundaria a sua pessoa e o coração
dos apóstolos, para continuar a marcha para Jerusalém, onde seria crucificado...

+ PORMENORES significativos do evangelho de Lucas:
- O Motivo da ida à Montanha: "Ele vai lá para orar..."
- O rosto deixa transparecer a presença de Deus durante a Oração.
- Aparecem Moisés e Elias que falam sobre o que encontrará em Jerusalém.
  Representam a Lei e os Profetas: o Antigo Testamento...
- Os três discípulos dormem, quando Jesus fala de doação da própria vida...
- As três Tendas: Pedro deseja permanecer contemplando o transfigurado.
   Jesus convida a descer o monte e prosseguir a caminhada...
   Não podemos nos acomodar em nossa tenda;
   precisamos agir e enfrentar os conflitos da caminhada.
- Da nuvem sai uma VOZ: "Este é meu Filho, ESCUTAI-O".
- No fim, "Jesus ficou sozinho": Moisés e Elias desaparecem...
   O Antigo Testamento já cumpriu sua tarefa.

OS TRÊS DISCÍPULOS:
- partilham a experiência da transfiguração, mas recusam-se a aceitar
  que o triunfo de Cristo passe pelo sofrimento e pela cruz;
- testemunham a transfiguração, mas parecem não ter muita vontade
  de descer à terra e enfrentar o mundo e os problemas dos homens;
- representam os que vivem de olhos postos no céu, mas alheados
  da realidade do mundo, sem vontade de intervir para o renovar e transformar.

Agentes da transfiguração:
- Nós, como os apóstolos, deparamos com a cruz...
  E a primeira reação costuma ser a mesma: fugir dela.
  Aceitamos com alegria o Tabor... mas temos dificuldade em aceitar o Calvário.
- Nesses momentos, para reanimar a nossa fé,
  Deus continua "inventando" também para nós um Tabor,
  dando-nos uma pequena amostra de sua beleza e de sua glória.
- Contudo é bom lembrar que, o Tabor foi apenas uma parada
  que Jesus fez em seu caminho para o Calvário.
  Também para nós, o Tabor continua sendo uma situação transitória,
  para que sejamos testemunhas vivas do que nos espera...

+ O Nosso Tabor...
A transfiguração aconteceu oito dias após o anúncio da Paixão...
Para os cristãos, o 8º Dia é o "Dia do Senhor",
no qual a comunidade se reúne para escutar a Palavra e para partir o Pão.

Todos os domingos, devemos SUBIR a Montanha para CONTEMPLAR
o Cristo transfigurado (ressuscitado) e ESCUTAR a sua voz.
E depois, transfigurados, DESCER a Montanha (sair da igreja)
para prosseguir a nossa caminhada como agentes da transfiguração,
dispostos a enfrentar o mundo e os seus problemas...

* O que fazemos no DOMINGO?
SUBIMOS a Montanha... para contemplar esse Rosto... para escutar essa Voz?
e depois DESCEMOS reanimados para prosseguir a nossa caminhada?

Só assim nossa Comunidade será um poderoso instrumento
para que esse mundo desfigurado em que vivemos,
rejuvenesça cada dia no mundo maravilhoso que Deus criou...

                                      Pe. Antônio Geraldo Dalla Costa - 24.02.2013

Liturgia dominical - 24 de fevereiro de 2013

TRANSFIGURAÇÃO NO MONTE TABOR
LUZ SOBRE A DESFIGURAÇÃO NO MONTECALVÁRIO
(Liturgia do Segundo Domingo da Quaresma)

A belíssima narração do livro do Gênesis na primeira leitura da liturgia deste Segundo Domingo da Quaresma (Gn 15,5-12.17-18) apresenta um encontro entre Deus e Abrão: Olha para o céu e conta as estrelas, se fores capaz!... assim será a tua descendência”. Trata-se de uma promessa que responde ao desejo mais profundo de toda a vida de Abrão.
A dúvida de uma promessa muito bonita e desafiadora toca o coração do patriarca e, por isso, Abrão pede a Deus um sinal: “Senhor meu Deus, como poderei saber que vou possuí-la?”.
O Senhor aceita dar-lhe um sinal e o guia para que repita um ritual que, para nós é muito estranho, mas que no tempo dos patriarcas era muito comum.
Quando dois reis ou dois chefes tribais se uniam através de um pacto de aliança, realizavam os mesmos gestos rituais. O pacto consistia em passar pelo meio de animais divididos ao meio. Expressava um juramento solene mais ou menos nos seguintes termos: “que eu também perca a minha vida, como estes animais, se não cumprir este pacto, se não vir em tua ajuda todas as vezes que de mim precisares”.
Deus realiza esse rito passando como uma tocha de fogo ardente no meio de animais divididos, a fim de fazer Abrão compreender o quanto pode confiar e ter segurança no Seu amor e na Sua inabalável promessa de amizade.
O Deus de Abrão, no entanto, muda o antigo ritual de aliança. No rito realizado entre dois chefes tribais ou entre dois reis, ambas as partes juravam, passando pelo meio dos animais divididos. Era um pacto de amizade que esperava um retorno, isto é, uma aliança com base no interesse mútuo. Contudo, o Deus de Abraão é fonte perene de um amor gratuito. Só Ele passa pelo meio dos animais cortados ao meio, queimando-os com o Seu fogo abrasador.
A maneira como Deus realiza o pacto nos avisa que Ele nos ama, mesmo quando não podemos dar-Lhe nada em troca, e mesmo que não acolhamos o seu amor e não respeitemos a Sua vontade. A visão de Abrão é, portanto, o sinal de um amor divino que se inclina sobre nós totalmente de graça.
Na segunda leitura (Fl 3,17-4,1) vemos o Apóstolo Paulo durante a sua prisão. Ele escreve a uma comunidade que lhe é muito cara, expressando a sua tristeza ao ver que alguns desistem facilmente do seu compromisso cristão. Não estão, de fato, voltados para Deus, pois são movidos por seus instintos mais imediatos.
Ao mesmo tempo nos conscientiza que só é possível ser fiel, quando contemplamos o grande amor com o qual Deus nos amou em Cristo. O próprio Paulo é exemplo desse amor que precisa lembrar os filipenses que Jesus não morreu na Cruz por nós quando éramos justos e bons, mas, justamente, quando éramos pecadores, e Ele sabia que não tínhamos nada de bom para Lhe dar em troca.
Assim como vários personagens do Antigo Testamento, os discípulos também, no Monte Tabor, cenário da transfiguração, tiveram uma visão. Trata-se de um sinal de Deus no qual Jesus é o personagem central.
Na grandiosa visão o branco luminoso das Suas vestes, a nuvem que os cobre, bem como a luz do Seu rosto eram sinais inconfundíveis da presença de Deus, de acordo com o Antigo Testamento.
A visão é o anúncio de um amor totalmente gratuito e generoso que expressa um movimento unilateral de Deus, na direção do ser humano, em vista da nossa salvação. Esse amor de Deus por nós tem o seu ponto mais alto e se revela, sobremaneira, na morte de Cristo.
Moisés e Elias, testemunhas da grande tradição do Antigo Testamento, provavelmente, falavam com Jesus sobre a Sua paixão, que estava para acontecer em Jerusalém.
A transfiguração, portanto, enquadra a Paixão na grande tradição do amor de Deus no Antigo Testamento, como o seu ponto mais alto.
Estamos no ápice da história da salvação como história do amor generoso e gratuito de Deus pela humanidade. A oferta que Jesus fará de Si na cruz é o sinal de Deus para testemunhar à humanidade a grandeza do Seu amor. Aliás, um amor que não reivindica nada em troca, mas pede humildemente, como um mendigo.
Como qualquer apaixonado Deus concorda em fazer-Se “frágil” e depender sim, da humanidade que, somente na liberdade, poderá amá-lo.
Este é o mistério de um Deus “frágil” _ porque apaixonado _ que os discípulos não conseguiram compreender, quando viram Jesus na cruz e ficaram escandalizados.
A transfiguração antecipa a Paixão num contexto de glória e de luz. As imagens clássicas da presença de Deus se explicam, porque os nossos olhos debilitados de discípulos, talvez não reconhecessem Deus no rosto desfigurado e torturado de Jesus. É difícil reconhecer Deus morrendo por nós, banhado pelo sangue que escorre pelo corpo de Jesus na cruz.
Assim, a transfiguração lança uma luz sobre a paixão. Não, porém, a luz consoladora de quem quer esconder a humilhação e o escândalo atrás da glória, mas a luz que possibilita enxergar em profundidade a grandeza de tudo o que está para acontecer no Calvário e no sepulcro vazio, três dias depois.
No Monte das Oliveiras e no Monte Calvário, os mesmos discípulos, desta vez, não verão nenhuma luz, nem brilho e muito menos beleza, glória ou esplendor para deixá-los extasiados. Pelo contrário, perceberão apenas as sombras que indicarão a situação oposta e que tomará também o coração de cada um deles e os levará a pensar não em construir três tendas para permanecer ao Seu lado, mas a pensar  em “como é possível que este homem, tomado pela angústia e suando sangue, não mais “trans-figurado”, mas “des-figurado”, seja o Filho de Deus”?
Pedro e os outros O abandonam. Há pouco tempo, quando Jesus mostrou-lhes a Sua glória, trans-figurando-Se, tinham presenciado o testemunho dos patriarcas e dos profetas a Seu respeito. A presença de Moisés e de Elias pedia: creiam n’Ele! Mas ali tinha sido tão fácil crer n’Ele, que toda aquela manifestação divina parecia supérflua. Mas, na verdade, elas se destinavam a outro momento. Serviriam para a experiência em outro monte, o das Oliveiras, durante a Sua “desfiguração”. Destinavam-se ao momento da provação.
É por isso que o Monte Tabor nos convida a olhar para outros montes como o Monte das Oliveiras e o Monte Calvário. Na luz da transfiguração o Calvário aparece em toda a sua clareza como aquilo que, de fato, é. Ou seja, a morte de Deus por nós.
Deus que não só tem a vida, mas que é a própria vida, renuncia ao que é por nós! Existe maior sinal de amor do que este?
A transfiguração anuncia, portanto, o amor como sacrifício e como oferta. Este é o amor mais puro, mas também o mais difícil.  Sem este amor capaz sacrificar-se e doar-se sem reclamar ou reivindicar nada em troca, não é possível construir nem a família, nem a sociedade, muito menos relações verdadeiras.
Diante desse amor não tem como não parar, maravilhar-se e agradecer ao Pai. Quem ama assim, até o sacrifício de si, faz resplandecer no seu rosto a glória de ser um verdadeiro filho de Deus, verdadeiro irmão de Jesus, mesmo que este amor pobre, humilde, humilhado, seja desprezado pelo mundo como fútil e louco. Contudo, a Cruz de Cristo também foi definida como loucura para os sábios deste mundo... Rezemos pelo Papa Bento XVI e pela Igreja. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.brwww.inacianos.org.br).

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Papa Bento XVI

OBRIGADO, SANTO PADRE, BENTO XVI
O Papa Bento XVI renunciou ao seu cargo conforme as leis canônicas. Fez isso para o bem da Igreja. Todavia, um sentimento de orfandade paira no ar. O Papa se despede como fez o velho Simeão no Templo. Lembramos também do Jesus diz a Pedro: “Quando fores velho, estenderás as tuas mãos e outro te cingirá e te levará para onde não queres” (Jo 21,18).
Já em 2010, no livro “Luz do Mundo” o Papa escreveu: “quando um Papa tenha a clara percepção de que física, psíquica e espiritualmente, já não consegue levar a cabo a missão do seu cargo, tem o direito, e em determinadas circunstancias também o dever de se retirar”. (cf pg 39). Saber sair de cena depois de ter servido a Deus, à Igreja e ao mundo, é um gesto de humildade e coragem. Saber descentralizar-se, relativizar-se e dar o lugar para o outro, é uma preclara confissão de conhecimento de si, de simplicidade, de realismo, de lucidez e de gratuidade.
O Papa Bento não olhou para si, mas, para a Igreja e a nobreza de abrir as portas do coração e dizer: “Tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado”. Fazer tal declaração é testemunhar transparência, coerência, responsabilidade. Este gesto foi um grande e inaudito, audaz e profético, ato de amor à Igreja.
Creio que a cruz mais pesada foi a de abdicar do que a de permanecer no cargo. Exatamente no dia mundial dos doentes o Papa Bento XVI nos surpreendeu o mundo falando que seu vigor “quer do corpo, quer de ânimo” está diminuindo. Portanto, o Papa não está fugindo, pelo contrário, está assumindo sua real situação. Diz a moral católica: “ao impossível ninguém é obrigado”.
Além de profundamente humano, o Santo Padre declara ter fé na Divina Providência que conduz a Igreja. É bom lembrar o que diz Paulo Apóstolo: “na fraqueza se manifesta a força de Deus”. O Bento XVI mostrou-se um homem livre, pois, a verdade está acima da aprovação pública, da simpatia, do sucesso pessoal. Deu um testemunho da verdade e da liberdade. Ele que escreveu tanto sobre a “teologia do pequeno”, do Deus que se abreviou, se compendiou, se fez pequeno, se fez criança e experimentou a impotência na estrebaria de Belém e no Gólgata. Vemos no Papa a espiritualidade dos “pobres de Javé”.
Sua atitude nos leva a refletir sobre nossos apegos, nossa dificuldade em deixar o poder, nossa mania de não darmos lugar para os outros, nossa permanência nos cargos, a centralização de nós mesmos. É louvável  ser sincero e verdadeiro,  nada esconder,  não viver de aparências. Como seria bom acabar o carreirismo na sociedade e na Igreja.
Confessar nossas limitações, fragilidades, incapacidades é sinal de maturidade interior, de sensibilidade humana e de tremenda humildade. Falar nossos sentimentos não é nada fácil. Corremos o risco de ser mal interpretados e até explorados. Ele escreveu que o primado de Roma é também “o primado do martírio”, mas que sentia uma “sinfonia de confortos” através das cartas, orações, presentes, visitas e palavras consoladoras de milhares de pessoas.
O martírio do amor dura mais longamente que o do derramamento de sangue. Bento XVI escreveu sobre o “martírio da ridicularização” pelo qual passa hoje a Igreja. Ele que passou por tantas oposições, críticas, incompreensões, foi sempre seguro e gentil, forte e cordial, fiel e bondoso, sábio e santo, mestre e amigo, orante e trabalhador, ilustre e simples, teólogo e missionário, importante e simples.
Obrigado Santo Padre pelo Ano Paulino, Ano Sacerdotal, Ano da Fé, pelo Sínodo sobre a Palavra de Deus, a África, o Médio Oriente e a Nova Evangelização. Obrigado por suas homilias que atraíram os fieis do mundo inteiro. Obrigado por tanta sabedoria e tanta ternura. Obrigado por tudo e perdão pelos sofrimentos que lhe causamos. Abençoai-nos e rezai por nós.
Dom Orlando Brandes
Arcebispo de Londrina
Folha de Londrina, 16 de fevereiro de 2013

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Homilia dominical - 17 de fevereiro de 2013

As tentações

Estamos no primeiro domingo da QUARESMA,
tempo sagrado para uma renovação interior
em preparação à grande festa da Páscoa.

A Palavra de Deus nos lembra que as "TENTAÇÕES"
podem impedir esse renascer para a vida nova e nos convoca a seguir
o caminho de Jesus, renovando nossa fidelidade ao Deus vivo e verdadeiro.

A 1ª Leitura fala da Tentação do Povo de Israel:
A IDOLATRIA existente nas religiões fáceis da região. (Dt 26,4-10)

Por isso, antes de entrar na Terra Prometida,
Moisés convida o Povo a renovar os compromissos da Aliança
e a oferecer ao Senhor os primeiros frutos da terra:
- Era um gesto de gratidão pelos favores passados e pela colheita presente;
- Era uma "profissão de fé" no Deus  libertador,
  que o livrou do Egito e o introduziu na Terra Prometida.
  Reconhecia assim quem era o seu "Senhor".

* Ainda hoje somos tentados em deixar que outros "deuses"
   ocupam em nós o lugar de Deus: o dinheiro, o poder, o êxito social...

A 2ª Leitura nos fala da tentação dos que pensam que a Salvação
é conquista nossa, não um dom gratuito de Deus.  (Rm 10,8-13)

* Precisa "converter-se" a Jesus, isto é, reconhecê-lo como o "Senhor"
e acolher no coração a salvação que, em Jesus, Deus nos propõe.

O Evangelho nos apresenta as Tentações de Jesus. (Lc 4,1-13)

Após o Batismo, Jesus passa 40 dias no DESERTO, em oração e jejum.
Revive em sua experiência pessoal, o caminho do Povo no deserto.
E no final, é tentado...

Lucas fala de TRÊS TENTAÇÕES,
que são um resumo de tudo o que poderia desviá-lo de sua missão.
São também um retrato das tentações que devemos vencer
para não nos desviar do projeto de Deus.
Jesus recusa o caminho do materialismo, do poder e do prestígio.

1. O PÃO: "Manda que esta pedra se mude em pão..."
- Jesus: "Não só de pão vive o homem..."

* Quantos são tentados a buscar apenas o pão material... ter coisas...
   É o materialismo, que leva a perder a sensibilidade humana e espiritual.
   - Não só de lucro deve viver o progresso,
      mas de tudo aquilo que respeita a dignidade dos filhos de Deus.

2. O PODER: "Eu te darei todo esse poder e riqueza...
     se te ajoelhares diante de mim..."
    - Jesus: "Adorarás o Senhor teu Deus e só a ele servirás..."

* TODOS NÓS temos sede de domínio sobre os outros e
    freqüentemente somos tentados a nos tornar "DONOS":
    - Na família: como pai, mãe... donos dos filhos... da esposa ou esposo...
    - Na comunidade: ser dono de um movimento... de uma pastoral...
    - Na sociedade, como chefes de alguma coisa: com atitudes arrogantes...
    - Nas entidades: com atitudes centralizadoras...

3. O MILAGRE: "Joga-te daqui para baixo...
     Deus dará ordem aos anjos para que te guardem..."
    - Jesus: "Não tentarás o Senhor teu Deus..."

* Ainda hoje somos levados a tentar Deus
   - com uma religião mais fácil... sem compromisso,
     que promete milagres, salvação, dinheiro, emprego, saúde...
   - com "orações milagrosas"... "Orações de poder"... "correntes"...
     exigindo que Deus faça a nossa vontade
     e nos mande um santo milagreiro para nos atender.
     Queremos milagres!...

+ Detalhe final: "Depois de tê-lo tentado de todos os modos...
    o Diabo afastou-se dele até outra ocasião..."

Ao longo do seu ministério, Jesus continuou a se defrontar com os poderes
de Satanás, mas o derrotou com a oração e confiança em Deus.

+ As tentações  não acabaram...
   e elas continuam ainda hoje e bem sedutoras...
Geralmente costumamos pintar o diabo com cara de mau, rabo, chifres...
mas eu acho que não está certo, pois se assim fosse, ele espantaria as pessoas...
Na tentação, ele vem bem "bonitinho" e com propostas bem atraentes...
É por isso, que as tentações sempre vêm disfarçadas de nomes simpáticos:
   - A Ambição       à é responsabilidade, competência...
   - Fome de poder à é exercício de liderança para ao bem de todos...
   - Desonestidade  à é esperteza...
   - Libertinagem    à é liberdade... Somos donos de nós mesmos...

* As tentações são uma realidade, que o próprio Cristo enfrentou...
   Ele venceu a provação e nos fez herdeiros de tal vitória...

+ Quais são as nossas tentações mais freqüentes?
    - Do TER? Do PODER? Do PRAZER?
       Uma religião sem compromisso?     

- Deus tem um Plano sobre cada um de nós...
  As tentações procuram nos desviar dele... 

Qual a nossa atitude diante delas?

Canto: "Não só de pão..."

                                           Pe. Antônio Geraldo Dalla Costa - 17.02.2013

Liturgia Dominical - 17 de fevereiro de 2013

TENTAÇÕES:
FIDELIDADE X CONSUMO-PODER-PRESTÍGIO
(Liturgia do Primeiro Domingo da Quaresma)

Muitas vezes temos uma idéia sombria e triste da Quaresma. Na verdade, deveríamos nos ater à finalidade desses quarenta dias e nos preparar para a alegria da Páscoa, a festa da vida, através da qual Jesus, com Sua Paixão e Ressurreição, anuncia a Boa Notícia da vitória sobre a morte.
Vista dessa maneira, a Quaresma como preparação para essa celebração não poderia jamais ser motivo de tristeza!  É preciso lembrar que viver, de fato, significa, antes de tudo, lembrar-se do essencial que nos dá a vida.
A Quaresma nos oferece justamente essa oportunidade para que não nos acomodemos no desânimo. Mesmo que nos leve a descobrir nossas fraquezas e a difícil caminhada rumo à conversão. Pelo contrário, ela nos motiva a colocar-nos em movimento, em “travessia”, sempre.
Trata-se de compreender que esse movimento tem o objetivo de nos fazer sair de tudo aquilo que nos prende e imobiliza e de tudo o que nos torna escravos.
Na primeira leitura (Dt 26,4-10), a experiência de fé do povo de Israel no Antigo testamento é marcada por duas experiências extraordinárias.
A primeira experiência traz à sua memória o fato de que “O Senhor nos tirou do Egito com mão poderosa e braço estendido, no meio de grande pavor, com sinais e prodígios”.
A segunda experiência lembra como o Senhor fez isso, levando-os a reconhecer: “Conduziu-nos a este lugar e nos deu esta terra, onde corre leite e mel”.
 Trazer à memória e lembrar-nos dessa vida hoje então, neste tempo significa, primeiramente, fazer um movimento para fora, isto é, um sair de tudo aquilo que nos mantém escravos. Significa retornar ao essencial para redescobrir a beleza e a verdade da nossa própria vida.
Este tempo, portanto, é o momento propício para que nos perguntemos o que, de fato, é essencial, o que dever ter mais importância e relevância, como também o que é secundário em nossa vida. Isso nos levará a redescobrir o que e/ou quem buscar e adorar e a quem, a que não prestar culto nesta vida!
 Os quarenta anos no deserto, a saída da escravidão das mãos do Faraó, certamente permaneceram no coração dos judeus. O deserto era um caminho, uma jornada capaz de levá-los à exaustão, mas igualmente intenso quanto à liberdade para a qual os conduzia.
Os judeus sabiam disso, mas nós também sabemos que com o passar dos anos podemos passar de caminheiros, aventureiros e estrangeiros, a pessoas sedentárias, acomodadas.
Corremos o risco de ceder aos condicionamentos e circunstâncias, de ser seduzidos pelas coisas, pelo sucesso e pelo poder, ao ponto de nos tornarmos escravos de novos “faraós”. 
Com isso, fica claro que o primeiro passo no caminho do deserto quaresmal proposto pelo Evangelho deste primeiro domingo da quaresma é, sem dúvida, assumir a caminhada conscientes de que também somos expostos às tentações.
São Lucas (Lc 4,1-13) narra as tentações de Jesus que, no início da sua vida pública, isto é, da Sua missão, é colocado à prova no deserto, tendo sido para lá conduzido pelo Espírito.
A tentação, em si, não é algo que tem, necessariamente, a ver com o pecado. Toda a nossa vida é marcada por provas e tentações. São situações em que temos que agir nas tensões e que exigem de nós uma força e energia que, na maioria das vezes, parecem exceder as nossas forças.
Contudo, são situações necessárias ao nosso crescimento, nas quais, através da liberdade, podemos pôr na balança o valor das escolhas que fazemos e das relações que vivemos. Aliás, é no esforço e na luta mesmo que é possível experimentar o valor de um amor, de uma amizade, da palavra dada.
Portanto, uma tentação pode se tornar oportunidade para trazer verdade à nossa vida, ensinando-nos a compreender o que, de fato, é importante e tem valor. Mas pode também ser apenas o momento e a situação na qual a nossa liberdade será enganada. Não passará de ocasião para fazer escolhas erradas. 
Mas, qual é a tentação de Jesus no deserto e que acompanha toda a sua missão? Não é demais fazer uma ligação entre o texto das tentações e o Batismo que Jesus, no Rio Jordão, que celebramos há pouco tempo.
No Batismo Jesus é proclamado Filho de Deus: “Este é o meu filho amado, escutai-O”! Jesus recebe do Pai a grandeza e o fim da Sua missão: é Filho de Deus!
Porém, o Pai não lhe diz como deverá realizá-la, porque este dom precisa ser realizado na Sua liberdade. Deve passar pela prova da liberdade. Portanto, a prova pela qual Jesus passa é ter que decidir como realizar a Sua missão de Filho de Deus!
Muitas vezes pensamos que Jesus, pelo fato de ser Deus, não teve que esforçar-se para ser fiel ao projeto do Pai que O levou a morrer pregado numa cruz. Mas não é verdade!  Jesus é verdadeiro Deus é verdadeiro homem. Por isso dizemos na liturgia eucarística “Estando para ser entregue e abraçando livremente a paixão...”.
Jesus, então, vai ao deserto para “aprender” a ser Filho; deve aprender, como homem, a confiar e a dizer sim ao projeto do Pai!
Nós também recebemos um grande dom de Deus que é a vida, a nossa vocação. No batismo nos tornamos filhos de Deus, mas tudo isso precisa se realizar através da nossa liberdade, do nosso sim à vontade do Pai, da confiança absoluta no Pai!
Podemos dizer que a prova, a tentação maior a que a nossa vida de fé é exposta, isto é, a tensão que nos acompanhará pelo resto de nossas vidas, assim como aconteceu com Jesus, será crer, confiar e decidir-se continuamente por Ele, porque acreditamos que é justamente isto que constitui a nossa humanidade e a nossa vocação!
Meditando o Evangelho das tentações podemos captar mais profundamente alguns detalhes.  Primeiramente, a maneira como o diabo se apresenta. O texto deixa claro que ele não se apresenta como um monstro feio com chifres e com um tridente na mão. Não! O diabo nunca se apresenta como adversário, mas, como um colaborador.
Foi assim que se apresentou a Jesus. Isto é, chega como um conselheiro, um fiel colaborador, alguém confiável e que quer ajudar.
Como é que começa mesmo a primeira tentação? “Se és o Filho de Deus...”. O diabo não duvida da filiação divina de Jesus. Pelo contrário. É como se dissesse a Jesus “já que tu és o Filho de Deus, demonstra as tuas habilidades, mostra do que és capaz, escolhe o teu próprio projeto...”. É como se dissesse a cada um de nós, “você deseja realizar-se como homem... como mulher? Eu te dou uma mão... você está programando abraçar a vida matrimonial, a vida consagrada, sacerdotal? eu posso te dar uma mão, posso ajudar a fazer um projeto melhor...”. Os objetivos, aparentemente, são sempre nobres, mas é um jogo que se joga com os “seus meios”, nada nobres.
É na elaboração das imagens, dos ideais e dos projetos das nossas vidas que o diabo gosta de interferir com propostas coloridas que nos desviam do projeto, do desenho e do estilo de Deus.
Aliás, um dos maiores perigos de hoje com relação à nossa vida e à nossa vocação, é o perigo de pintá-los com tons apenas humanos, mundanos, com base na exclusiva satisfação das nossas necessidades de consumo, de posse e de reconhecimento. As três tentações às quais Jesus foi exposto no texto de hoje. 
A grande artimanha do diabo é, então, exatamente fazer-nos acreditar que toda a nossa vida se resume a um pouco de pão (consumo), ao poder (posse) e ao prestígio (reconhecimento), fazendo-nos esquecer da nossa fome do Alto, do Céu, da necessidade que o ser humano tem do infinito de Deus, e de que o que nos realiza é a verdade e a beleza!
Jesus no deserto vence as tentações por cada um de nós também, indicando-nos o caminho para que também as nossas provações e tentações se transformem em ocasiões oportunidades, mesmo que duras e dolorosas, para fazer com a vida e a vocação de cada um de nós seja de acordo com a Sua Palavra e a Sua vontade.
Que neste tempo o Senhor nos conceda a graça de “sair” das nossas tentações e provações com a força libertadora da Sua Palavra. Que esta Quaresma seja uma excelente e oportuna ocasião para uma nova, rica e feliz caminhada. Afinal, não só de pão, de poder e de fama vive o homem! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.brwww.inacianos.org.br).

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Quaresma

Jejum, caridade, oração: armas no combate espiritual
(Reflexão da Palavra de Deus na Liturgia da Quarta Feira de Cinzas)


Com a quarta-feira de cinzas iniciamos o tempo da Quaresma. Trata-se de quarenta dias de reflexão, de escuta atenta à Palavra de Deus, de olhar para a própria vida e atitudes e, como gente que tem fé, confrontá-las com o projeto de Deus.
A Palavra de Deus no início desta Quaresma, mais uma vez, nos propõe a prática da caridade, do jejum e da oração (Mt 6,1-6.6.16-18) que são de um lado, o sinal concreto do desejo renovado dos fieis voltarem-se para o Senhor (Jl 2,12-18) e de outro lado, o fruto da salvação realizada pelo Senhor a todos, sem exceção (2Cor 5, 20-6, 2).
O tempo quaresmal é, portanto, um tempo especialmente favorável para viver a reconciliação que Deus quer oferecer aos fieis através da missão do Filho.
As obras da quaresma apresentadas no Evangelho, isto é, a caridade, o jejum e a oração são sinais de um combate espiritual. Conscientes da necessidade da Graça divina somos chamados, neste tempo quaresmal, ao combate espiritual como plena disposição à Graça que age na vida dos fieis. Somos, portanto, chamados a aceitar o desafio dessa luta e a nela colaborar, com o nosso esforço pessoal.
Atualmente, o combate espiritual assume um significado especial, principalmente porque, de modo geral, perdeu-se o sentido do pecado e do mal. Com isso, o que se perdeu, de fato, foi o sentido do pecado como desvio da trajetória do projeto de Deus em nossas vidas.
Vivemos em meio a uma sociedade que se sente no direito de fazer tudo o que quer para atender os seus desejos. Logo, tudo o que se deseja torna-se lícito, apenas pelo simples fato de que seja um desejo. O relativismo ético gerou a incapacidade de escolher. Não é mais necessário ter que escolher entre uma e outra coisa, porque nos damos, automaticamente, a permissão para fazer as duas coisas.
Nessa conjuntura, o combate espiritual parece fora de lugar, parece não ter sentido. Principalmente quando se sabe que a edificação e o crescimento de uma personalidade saudável e madura, verdadeiramente humana, mesmo antes de ser cristã, passa justamente pelo desenvolvimento da capacidade de escolha, pela compreensão do que seja verdadeiramente a liberdade, a fim de exercê-la plenamente.
Percebemos então que se faz necessário tomar distância das coisas que nos rodeiam, separar-nos um pouco de nós mesmos para, com um olhar mais legítimo e abrangente, ter certeza de que nada está sendo colocado no lugar de Deus. Porque se isso acontecer, teremos fabricado um ídolo.
A abstinência dos alimentos que o exercício quaresmal sugere como importante “arma” para essa luta nos ajuda a recuperar a dimensão de comunhão que a refeição possui. Aliás, o ato de alimentar-se deveria servir para partilhar a vida, para compartilhar a festa e não para satisfazer com ganância a própria necessidade e devorar e possuir, individualmente, tudo o que se torna objeto do desejo através dos olhos.
Comer é um ato de fazer-se junto aos outros e, por conseguinte, com Deus, para render graças a Ele, justamente como fazemos quando nos alimentamos na mesa da celebração da Eucaristia.
A esmola, melhor traduzida por caridade, também é um gesto que nos leva a viver os bens juntos aos outros. Quem compreendeu bem essa dimensão dos bens, saberá viver na liberdade porque terá compreendido que o dinheiro não foi feito para ser acumulado com avareza, mas pelo contrário, para ser partilhado, especialmente com os que foram privados de uma vida digna por causa do empobrecimento e da injustiça. Nesse sentido, nos ajudará a não esquecer que os bens que temos pertencem a Deus e, para se fazer justiça, entender e trabalhar para que o seu destino seja universal.
Finalmente, a oração é um exercício que nos ajuda não só a ouvir a Palavra de Deus e a dialogar com Ele, mas também ajuda-nos a prevenir-nos do uso individualista do tempo. A maneira com que se utiliza o tempo numa sociedade agitada e frenética nos leva a pensar que o tempo dedicado à festa e ao descanso é desperdiçado com tantas coisas, haja vista que o domingo, por exemplo, corre o risco de se tornar um dia como outro qualquer, ainda mais quando o tempo dedicado à oração, ao louvor a Deus e ao repouso é visto como uma perda de tempo porque, afinal, há outras e tantas coisas mais importantes a fazer.
No Ano da Fé, de modo todo especial, é necessário redescobrir como através das obras da Quaresma, isto é, do jejum, da caridade e da oração, somos levados a re-qualificar radicalmente o sentido de tudo aquilo que fazemos para voltar ao fundamento da nossa fé e empregar as energias pessoais no relacionamento com Deus.
Um exercício recomendável é confrontar a vida e as atitudes com o que diz a própria Palavra de Deus: “Amarás o Senhor, o teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e com todas as tuas forças (Dt 6,5). Contudo, como o verdadeiro e saudável relacionamento com Deus passa também pelo relacionamento com o próximo, exercitemo-nos também a partir da advertência que a mesma Palavra de Deus nos faz: "Não procure vingança, nem guarde rancor contra alguém do seu povo, mas ame cada um o seu próximo como a si mesmo. Eu sou o Senhor” (Lv 19,18), justamente como Jesus nos ensinou: "Ame o Senhor, o seu Deus de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todo o seu entendimento. Este é o primeiro e maior mandamento. E o segundo é semelhante a este: Ame o seu próximo como a si mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas" (Mt 22,37-40).

Frei Alfredo Francisco de Souza, SAI
Missionário Inaciano – formador@inacianos.org.brwww.inacianos.org.br).
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...