Teológico Pastoral

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terça-feira, 24 de novembro de 2015

Homilia Dominical - Advento - 29 de novembro

ADVENTO, DEIXA-TE SURPREENDER

 “...levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima” (Lc 21,28)

Mais uma vez o Advento vem ao nosso encontro, e com ele o convite para continuar ampliando espaços para Deus em nossas vidas. Uma oportunidade para escutar de novo sua promessa: promessa de nova vida, de um novo ânimo, uma nova esperança.
Podemos acolher este tempo com a marca da rotina (mais um ano, repetir as mesmas palavras, a espera, o “vem, Senhor”...); ou mobilizando-nos e abrindo-nos à surpresa de Deus, que virá a nós como chamado, como possibilidade, como grito para despertar-nos... Que nos abramos ao novo!

O melhor do Deus que vem é que Ele se manifesta de maneiras inesperadas: desfaz certezas, rompe convenções, renova sonhos, não busca brilhos ou ornamentos, aplausos ou adesões forçadas. Sua chegada não exige cobranças nem condiciona com exigências desmedidas. A esperança abre passagem por onde menos esperamos. E Deus continua aparecendo onde e quando ninguém espera.
Para “conhecer” a realidade e a verdade do Advento precisamos de olhos novos e de um coração novo.
É necessário despertar aquela “sensibilidade” escondida e abafada pelo ativismo e pelo ritmo estressante de nossa vida. No Advento, toda a humanidade é atingida como que por um raio, é tomada de surpresa.
A sua noite, o seu silêncio, o seu sono, a sua rotina diária... é quebrada por uma novidade absoluta.
O Advento é, por sua própria natureza, uma surpresa que quebra a solidão das pessoas abandonadas a si mesmas, que irrompe no meio de uma vida sem sentido e sem direção, que traz luz para os ambientes fechados e frios.

A “sensibilidade” despertada pelo Advento recupera em nós o sentido da surpresa,  recobra a atitude da expectativa, da novidade, do assombro... diante da vida. Porque é no traçado das horas e dos dias que Deus prepara sempre a sua novidade, a sua surpresa, o seu dom natalício. Tal surpresa faz brotar o entusiasmo para enfrentarmos os desafios da vida, despertando projetos arquivados, suscitando dinamis-mo novo no cotidiano pesado, fazendo-nos levantar de novo e retomar o caminho...
Precisamos conservar límpidos os olhos do espírito, prontos para perceber a maravilha que está ger-minando na nossa vida. O Advento quer reafirmar a possibilidade de uma alternativa, da chegada de um hóspede inesperado, porque é “boa nova”, é evangelho.
Por isso, o cristão não deve jamais cair na resignação, mas permanecer em vigília, na expectativa; ele deve ser também uma surpresa para os outros, com seu gesto de amor imprevisto, com sua palavra que reanima, com sua visita que consola, com sua atenção para com todos os que levam uma vida obscura e monótona. Ele olha o mundo com inteligência, sim, mas também com a simplicidade das pombas; sabe intuir o bem secreto, também sabe apreciar a poesia da vida e da natureza.

No evangelho de hoje, Jesus dá por suposto a existência de situações desastrosas que nos sacodem, enchendo-nos de ansiedade e preocupação; mas, onde nós só vemos catástrofes, Jesus vê “sinais”. E a condição para descobri-los é erguer a cabeça, levantar os olhos, ir mais além do imediato que nos cega e nos prende em redes de desejos insatisfeitos, em obsessões por conservar modos de vida que considerá-vamos definitivos, em temores que embotam nosso coração impedindo o fluir da vida.
Curvados sobre nós mesmos, sem horizonte, sem poder olhar de frente, nem entrar em relação de reciprocidade, carregando durante longo tempo um peso excessivamente grande (culpa, ressentimento, vergonha), bloqueados, privados de nosso próprio potencial: este é o drama que nos desumaniza. Nossos corpos encurvados se fazem texto, linguagem, grito, petição... para serem endireitados.
Nesse contexto ressoa com força o apelo de Jesus: “levantai-vos e erguei a cabeça, porque a vossa libertação está próxima”.

Nosso corpo fala mais e com mais veracidade que nossas palavras, o que irradiamos revela algo sobre nós. E há corpos que em silêncio clamam por cura e cuidado. É preciso interrogar nossos corpos para que eles nos contem suas histórias guardadas: seus segredos, suas dores, suas vivências. Devemos ser capazes de lê-los e respeitá-los, para poder devolver-lhes sua harmonia e sua beleza originais.
É nosso próprio corpo posto de pé, é nossa própria vida circulando sem  ataduras, é a libertação de nossas forças afetivas, a possibilidade de olhar outros olhos sem temor e de entrar em comunicação... que nos faz experimentar uma relação nova com a vida.
Aspiração, sede, ansiedade, expectativa, estar de pé: isso é o que nos invade quando sentimos que se aproxima algo que desejamos de verdade. Pois isso é o Advento: tempo para os grandes sonhos.

Só os medíocres ou os desesperados renunciam a sonhar.
Pois bem, se o desânimo nos assalta, é tempo novo para levantar a cabeça, olhar ao longe, bem para fora, bem para dentro. Deixar que ressoe como uma promessa a Voz de um Deus que atravessa o tempo para dizer-nos: “aproxima-se vossa libertação”.
Mergulhados naquilo que é margem, passageiro, na superfície das coisas, perdemos de vista o essencial e caímos na resignação. Perdida a capacidade de maravilhar-nos, o Advento esvazia-se e torna-se mais um tempo litúrgico rotineiro.

Poderíamos dizer que o Advento nos apresenta uma “espiritualidade do despertar”. Se estamos ador-mecidos ou anestesiados, sem nos encantar com a maravilha e o desafio de estarmos vivos, precisamos despertar. Despertar para a gratuidade da vida, para o chamado à convivência e comunhão, despertar para uma presença misericordiosa. Jesus vem despertar-nos e ativar nossa esperança.
É preciso saber olhar, abrir os olhos, ler a vida e despertar-nos para aquilo que acontece à nossa volta.
Se há uma palavra que perpassa todas as tradições religiosas, essa palavra é “despertar”, não no sentido individualista e moralizante, ou seja, manter um adequado comportamento moral para, desse modo, alcançar a salvação.
O chamado original a “despertar” reveste-se de uma profundidade muito maior, que conecta com aquela palavra com a qual Jesus inicia sua atividade pública: “convertei-vos”. Na realidade, trata-se de um novo modo de olhar ou de conhecer, de um “conhecer mais além da aparência”.
Quê significa “despertar”? Em quê sonhos estamos mergulhados? Como dar-nos conta de que estamos “adormecidos”? Há algo que possamos fazer?... Todas estas questões são evocadas pelo convite que aparece na boca da Jesus: “Estai sempre despertos”.
A pessoa desperta é aquela que experimentou intensamente a vida e, graças a isso, vive ancorada, enraizada e conectada com a sua verdadeira identidade, ao seu eu original e universal.

Texto bíblicoLc 21,25-28.34-36

Na oração: Quando foi Deus, para você, o Deus inesperado?”
                     Em quê se concretiza para você a promessa de Deus? Quê espera ou deseja de verdade? Qual é a boa notícia na qual você acredita? Como vive você este Advento? Quê há, em sua vida, de busca, sonho, aspiração, desejo... em sintonia com Deus?



sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Homilia Dominical - 15 de novembro

A ESPERANÇA DE VIVER O PRESENTE DE MANEIRA CRIATIVA


“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão” (Mc 13,31)

Estamos chegando ao final de mais um “ano litúrgico” (este é penúltimo domingo), e a liturgia nos propõe leituras que, fazendo referência aos “últimos tempos”, querem nos convidar à “vigilância” e a atenção ao tempo presente.
O Evangelho de hoje é parte do cap. 13 do Evangelho de Marcos, que contém um breve “apocalipse”, ou seja uma revelação, um des-velamento, um des-nudamento dos múltiplos véus que revestem o palco, lúdi-co e trágico, da encenação do drama humano, com suas contradições, incertezas, promessas e esperanças.
Devido às imagens que este gênero literário utiliza, com frequência atribui-se ao termo “apocalipse” um significado de “catástrofe” ou “destruição”. A realidade, no entanto, é diferente. Etimologicamente “apo-kalypsis” significa “destapar o que está escondido”, “tirar o véu”, “des-velar”, ou seja, “re-velação”.
À mesma raiz pertence a palavra “eucalipto”, cujo significa etimológico é: “eu-bem”; “kalypsis- escondido”, fazendo referência ao fato de que tem perfeitamente escondidas suas minúsculas sementes.

Assim pois, etimologicamente, “apocalipse” equivale a “verdade” (“aletheia”=sem véu). E, como consequência, o escrito apocalíptico pretende “retirar o véu” que nos impede reconhecer as coisas como são, ou seja, revelar-nos o que se encontra por debaixo da superfície, em um nível mais profundo. É como se o autor quisesse nos dizer: “as coisas não são o que parecem ser”.
Em cada momento histórico o texto do Apocalipse é lido e interpretado em função dos acontecimentos. Este gênero literário é uma luz que nos ajuda a “ler” a realidade (interior e exterior), desvelando tudo o que acontece nela e assim poder assumir uma atitude mais coerente com a proposta do Evangelho.
Assim, pode-se “ler” esse texto como se escutasse um sonho revelador.
O Apocalipse, portanto, é um empenho da comunidade cristã em dar sentido a tudo o que está aconte-cendo e assim reencontrar sua dignidade no coração das situações mais difíceis.

A revelação que ocorre no interior de cada um e na realidade que nos envolve é o des-velar (tirar o véu) de uma Presença. No centro de nossa solidão e de nosso exílio  não estamos sozinhos, mas temos a visão de Alguém, que vem ao nosso encontro.
No texto evangélico de hoje nos é revelado, através de sinais (abalos celestes e terrestres, tribulações...), que esta ordem das coisas (o “mundo”) vai ser renovado em profundidade. Tudo desmorona à nossa vol-ta, tudo vai desaparecer; mas o que o texto parece resgatar é a contundente confiança na afirmação e na promessa de Jesus: “O céu e a terra passarão, mas minhas palavras não passarão”. As Palavras do Fi-lho do Homem constituem o nosso rochedo, são a nossa força. É um convite a nos re-centrar.
Quando somos transtormados pelos acontecimentos e somos levados pelas nossas emoções, pelas nossas reações, pelos nossos medos, é preciso voltar ao centro.
O ciclone tem uma violência enorme e gira velozmente, mas seu centro é calmo, imóvel.
É preciso voltar ao centro do ciclone onde está o “Filho do Homem”, onde está o coração, onde está o Cordeiro. Esta vida nova está no centro da situação que vivemos, no centro desse mundo que é o nosso.
É a partir do interior que algo pode mudar.

Nesse sentido, o gênero “apocalíptico” vem nos dizer que, para além daquilo que possa ocorrer na super-fície da história pessoal e coletiva, há uma Realidade estável que nos sustenta e que podemos experimen-tá-la como “rocha firme” sobre a qual firmar nossos pés. A velha ordem virá abaixo para ser substituída por um mundo novo que será inaugurado pela presença do Filho do Homem, reunindo toda a humani-dade (“os quatro cantos”) e estabelecendo o “Reinado de Deus”.
Trata-se de um anúncio esperançador e certo. Esperança representada pela imagem da figueira que, carregando-se de brotos, anuncia a primavera. Esse é o nosso destino: caminhamos para uma Primavera que não conhecerá ocaso.
Na realidade, os discursos apocalípticos, a pesar de sua aparência, são sempre um chamado à esperança,
que não é uma projeção para um determinado futuro, que serve para fugir do presente ou para poder “suportá-lo”; nem pode ser entendida como mera “expectativa” que nos afasta do presente, senão que nos faz ancorar nele, ou seja, viver na Plenitude do que é, no Presente pleno e com sentido.

A esperança, talvez mais do que qualquer outra inclinação ou disposição, está bem no cerne do ser humano e de sua existência, fazendo-o viver e dando sentido à aventura de sua existência. Basta pensar no que significa o desespero, a ausência de horizonte, a falta ou a perda de todo projeto possível, para com-

preender que a esperança emerge das profundezas do ser humano. Sem esperança , ele não pode viver.
O ser humano é ser “esperante”.
Segundo Rubem Alves, a esperança é o oposto do otimismo. Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração. Otimismo é alegria “por causa de”: coisa humana, natural. Esperança é alegria “apesar de”: coisa divina. O otimismo tem suas raízes no tempo. A esperança tem suas raízes na eternidade.

A esperança carrega uma força misteriosa, um sopro criador, um alento espiritual que nos leva a olhar tudo com fé e encantamento; é um princípio vital, expresso na sábia e verdadeira constatação de que “enquanto há vida há esperança”. Mesmo diante de intransponíveis situações, vislumbramos possibilida-des de saída, achamos possível ser de outro modo, inventamos e reinventamos alternativas, recusamos a possibilidade de as realidades nos dominarem e, sem cessar, sonhamos com o mais e o melhor.
A esperança é gestora do futuro e rompedora da dureza do existir.
Paulo Freire insistia que não se pode confundir esperança do verbo “esperançar” com esperança do verbo “esperar”. Esperançar é se levantar, é ir atrás; esperançar é construir e não desistir. Esperançar é levar adiante, esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.

Uma das coisa mais perniciosas que vivemos no atual momento é o esvaziamento da esperança, que se expressa no desalento, desânimo ou até na covardia tolerante.
Michelângelo dizia que “Deus concedeu uma irmã à recordação, e chamou-se esperança”.
A esperança, portanto, é como esse impulso que desafia o presente imediato, sempre curto e sem raízes no futuro; é ela que nos permite escrever nossa história com mais criatividade e ousadia, nos abre à inven-ção de possibilidades que nos fazem viver, corrige o passado e nos faz recomeçar, mantém a coragem de ser, transforma em nós o ser de puras exigências e de simples necessidades em seres capazes de dom e de desejo. Na esperança, encontramos a abertura e a amplitude de nossa vida.
Não basta esperar, é preciso uma paixão de esperança, a qual somente é possível se conduz para um horizonte plenificante, para um além da vida do dia-a-dia.
Texto bíblicoMc 13,24-32

Na oração: Como se situa diante dos desafios que é
                    chamado a assumir? Não se sente cansado por já ter vivido tantas mudanças?
- Você se arriscaria por um novo começo?
- Ou talvez desanimado porque as coisas não aconteceram como havia previsto? Ou, ao contrário, cheio de energia, entusiasmado por ser protagonista de uma época considerada de graça e de bênção?
- Quê esperanças você carrega no coração?



segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Francisco no Angelus: "A caridade não se faz com aquilo que sobra, mas com o que é necessário"

Texto completo. O Santo Padre refletiu sobre o exemplo da mulher viúva do Evangelho deste domingo, mulher que, na sua pobreza compreendeu que, tendo a Deus, tem tudo

Queridos irmãos e irmãs, bom dia com este sol bonito!
A passagem do Evangelho deste domingo é composto de duas partes: uma que descreve como não devem ser os seguidores de Cristo; a outra na qual é proposto um ideal exemplar de cristão.
Vamos começar com a primeira: o que não devemos fazer. Na primeira parte Jesus aponta três defeitos do estilo de vida dos escribas, mestres da lei: soberba, avareza e hipocrisia. Eles – disse Jesus – gostam de “receber cumprimentos nas praças, sentar nas primeiras cadeiras nas sinagogas e ter os primeiros lugares nos banquetes” (Mc 12,38-39). Mas sob tais aparências solenes se escondem falsidade e injustiça. Enquanto se exibem em público, usam a sua autoridade para “devorar as casas das viúvas” (cf. v. 40), que eram consideradas, junto com os órfãos e os estrangeiros, as pessoas mais vulneráveis e menos protegidas. Finalmente, os escribas “rezam muito para serem vistos” (v. 40). Ainda hoje existe o risco de tomar essas atitudes. Por exemplo, quando se separa a oração da justiça, porque não é possível dar culto a Deus e prejudicar os pobres. Ou quando se diz amar a Deus e, pelo contrário, se coloca a própria vanglória, a própria vantagem, em primeiro lugar.
E nesta linha se coloca a segunda parte do Evangelho de hoje. A cena acontece no templo de Jerusalém, precisamente no lugar onde as pessoas jogavam as moedas como oferendas. Há muitas pessoas ricas que jogam muito dinheiro, e há uma pobre mulher, viúva, que coloca apenas duas moedinhas. Jesus observa atentamente aquela mulher e chama a atenção dos discípulos sobre o nítido contraste da cena. Os ricos deram, com grande ostentação, o que para eles era supérfluo, enquanto que aquela viúva, com discrição e humildade, deu "tudo o que tinha para viver" (v 44.); por isso - disse Jesus - ela deu mais do que todos. Devido à sua extrema pobreza, poderia ter oferecido somente uma moeda para o templo e conservado a outra com ela. Mas ela não quis dar a metade para Deus: se priva de tudo. Na sua pobreza compreendeu que, tendo a Deus, tem tudo; se sente amada totalmente por Ele e, por sua vez, ama-O totalmente. Que lindo exemplo daquela velha senhora!
Jesus, hoje, nos diz também que o critério de juízo não é a quantidade, mas a plenitude. Há uma diferença entre quantidade e plenitude. Você pode ter muito dinheiro, mas estar vazio: não há plenitude no seu coração. Pense, nesta semana, na diferença que existe entre quantidade e plenitude. Não é questão de carteira, mas de coração. Existe uma diferença entre carteira e coração... Existem doenças cardíacas, que fazem o coração descer para a carteira... E isso não é bom! Amar a Deus “com todo o coração” significa confiar Nele, na sua providência, e servi-lo nos irmãos mais pobres sem esperar nada em troca.
E deixem-me contar-lhes uma história que aconteceu na minha anterior diocese. Sentou-se à mesa uma mãe com três filhos; o pai estava no trabalho; estavam comendo bife à milanesa... naquele momento bateram na porta e um dos filhos – pequeno, 5, 6 anos, 7 anos o mais velho – vem e disse: “Mamãe, tem um mendigo que pede comida”. E a mãe, uma boa cristã, pergunta pra eles: “O que vamos fazer?” – “Vamos dar comida, mãe...”. – “Então, tá bom”. Pega o garfo e a faca e tira metade do bife de cada um. “Ah, não, mãe, não! Assim não! Pega da geladeira” – Não! Vamos fazer três sanduíches assim!". E as crianças aprenderam que a verdadeira caridade se dá, se faz não do que nos sobra, mas do que nos é necessário. Estou certo de que naquela tarde tiveram um pouco de fome... Mas, é assim que se faz!
Diante das necessidades dos outros, somos chamados a nos privar - como estas crianças, da metade dos bifes – de algo indispensável, não só do supérfluo; somos chamados a dar o tempo necessário, não apenas o que nos sobra; somos chamados a dar imediatamente e sem reservas algum dos nossos talentos, não depois de tê-lo utilizado para os nossos objetivos pessoais ou de grupo.
Pedimos ao Senhor que nos admita na escola desta pobre viúva, que Jesus, entre o espanto dos discípulos, coloca-a na cátedra e a apresenta como mestra do Evangelho vivo. Pela intercessão de Maria, a mulher pobre que deu toda a sua vida à Deus por nós, peçamos o dom de um coração pobre, mas rico de uma generosidade feliz e gratuita.
"Eu sei que muitos de vocês ficaram perturbados com as últimas notícias sobre os documentos reservados da Santa Sé que foram roubados e publicados", disse hoje o Papa Francisco depois da tradicional oração do Angelus na Praça de São Pedro, neste domingo. Foi a primeira vez que o Pontífice falou publicamente sobre o caso de vazamento dos documentos privados da Santa Sé. 
"Gostaria de dizer, antes de mais nada, que roubar documentos é um crime", afirmou o Papa. "É um ato deplorável que não ajuda", e disse como Ele própria havia "pedido para fazer aquele estudo, e aqueles documentos eu e os meus colaboradores já os conhecíamos bem, e foram tomadas medidas que começaram a dar frutos, também alguns visíveis".
Nesse contexto, Francisco quis assegurar "que este triste fato, certamente, não me distrai do trabalho de reforma que estamos realizando com os meus colaboradores e com o apoio de todos vocês. Sim, com o apoio de toda a Igreja, porque a Igreja se renova com a oração e com a santidade diária de cada batizado".
Ao final, disse o Pontífice, "vos agradeço e vos peço que continuem a rezar pelo Papa e pela Igreja, sem deixar-vos perturbar, mas seguindo em frente com confiança e esperança" 


segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Dia de finados

FINADOS: O QUE HÁ DE ETERNO NO MUNDO


 “Pois esta é a vontade do Pai: que toda pessoa que vê o Filho e nele crê tenha a vida eterna. E eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,40)

A Igreja, hoje, nos convida a entrar em comunhão com o Deus da Vida e rezar com nossos falecidos e por nós que “vivemos esta vida com sabor de eternidade”. A celebração deste dia deve alimentar em nós a sabedoria de nos fazer presentes diante da morte.
Começamos nossa reflexão fazendo memória de uma cena encontrada nos relatos da Paixão: junto a Jesus, aos pés da cruz, há um grupo de mulheres. Elas contemplam o absurdo, a morte do inocente; elas não tem medo de olhar a morte de frente.
Elas, porque olham a morte de frente, vão mais além, vão mais profundo e fazem a experiência da não-morte, da vida eterna.  Elas vêem o amor na morte; elas sabem que a vida de Jesus não lhe será tomada porque Ele a doou. Aos pés da Cruz elas contemplam o Amor mais forte que a morte.
E é assim que elas, porque olham a morte de frente, vão ser as primeiras testemunhas da Ressurreição.
Por isso elas trazem algo novo à nossa experiência, porque se fugimos da morte não poderemos ir ao outro lado, ao além da morte.
Em algum momento de nossas vidas é preciso nos deixar levar por esta atitude.
Trata-se de aceitar o nosso ser mortal para irmos além do nosso ser mortal. Porque é no fundo desta experiência mortal que podemos entrar na contemplação do que é imortal. Acompanhar a morte dos outros, sentir que caminhamos para a própria morte, vai nos tornar capazes de olhá-la de frente.
E o que se chama de Vida Eterna não é a vida depois da morte, mas é a vida antes, durante e depois da morte. E que é eterna.

Há um dado que nos afeta a todos nestes tempos pós-modernos: a incapacidade cultural de abordar os limites, perdas, fracassos, mortes... Vivemos uma cultura na qual a dor e a morte foram expulsas da expe-riência humana. É algo feio, de mau gosto, algo a ser eliminado da vida cotidiana.
Vivemos uma das grandes mentiras de nossa cultura, ou seja, a morte já não está presente no cenário cotidiano, já não existe. A morte é distante e virtual, que não afeta à nossa própria sensibilidade.
Vivemos como se tivéssemos que ser imortais. Sempre é assunto dos outros, mas nunca pode ser assunto “meu”. Quando ela está perto, as pessoas se afastam dela, ou então, ela é afastada para locais específicos. É o fracasso radical de uma cultura fundada sobre o êxito e o sucesso e, quando sente a presença da morte, tudo fica desestabilizado.
A negação da morte sempre cobra um preço – o encolhimento da nossa vida interior, o embaçamento da visão, o achatamento da racionalidade, a atrofia dos sonhos.
Encarar a morte como plenitude não só nos pacifica como também torna a existência mais aguda, mais preciosa, mais vital. Essa abordagem da morte leva a um compromisso maior para com a vida.

Mas o confronto com a morte não precisa desembocar em um desespero que possa destituir a vida de todo sentido. Ao contrário, ela pode ser uma experiência que nos faz despertar para uma vida mais intensa.
Ela nos faz reingressar na vida de uma maneira mais rica e apaixonada; ela aumenta a consciência de que esta vida, nossa única vida, deve ser vivida intensa e plenamente.
A experiência da morte pode servir como uma experiência reveladora, um catalisador extremamente útil para grandes mudanças na vida.
                              “A morte, menos temida, dá mais vida”.
Pensadores mais antigos nos lembram da interdependência entre vida  e  morte.
Eles nos ensinaram que aprender a viver bem é aprender a morrer bem, e que, reciprocamente, aprender a morrer bem é aprender a viver bem. Quanto mais mal vivida é a vida, maior é a angústia da morte; quanto mais se fracassa em viver plenamente, mais se teme a morte.
S. Agostinho escreveu que “é apenas perante a morte que o caráter de um homem nasce”.
Muitos monges medievais mantinham uma caveira humana em suas celas para concentrar os pensamen-tos na mortalidade e para servir de lição à condução da vida. Montaigne sugeriu que a mesa de trabalho de um escritor deve oferecer uma boa visão do cemitério para estimular o pensamento.

E a morte não é o fim da vida, mas sua plenitude, quando esta é vivida com sentido.
A vida não deve ser corroída pela tirania do egoísmo mesquinho: vida é encontro, interação, comunhão...
Desperdiçar a vida é estragar a existência. É trágico que a pessoa jogue fora a vida. Quem conhece o valor da vida não pode degradá-la.
E a morte é processo permanente de esvaziamento do ego para viver de uma maneira mais oblativa, no compromisso e na doação aos outros. Este esvaziamento não significa a anulação da “pessoa”, mas sua potenciação. Na medida em que os aspectos que a limitam diminuem, aumenta o que há de plenitude.
A vida aumenta quando compartilhada, e se debilita quando permanece no isolamento e na comodidade.
O essencial não é encontrar um caminho para alcançar a imortalidade, mas aprender a “morrer em Cristo”. A partir deste momento vamos aprendendo a conviver com a morte, com a d’Ele, com a nossa e com a dos outros. Vamos aprendendo, precisamente em meio à morte, a “celebrar a vida”, mesmo intuindo que uma lança também nos atravessará.
“Olhar a morte de frente e aceitá-la como parte da vida é como dilatar a vida... Pode parecer um paradoxo: excluindo a morte de nossa vida, não vivemos em plenitude, enquanto que acolhendo a morte no coração mesmo de nossa vida, dilatamos e enriquecemos esta” (Etty Hillesum).

Fazer memória daqueles(as) que nos precederam e considerar nossa morte como travessia para a plenitude, nos levam a mergulhar na condição humana, a descobrir dimensões de nossa própria humanidade que, nesta cultura mentirosa, são mutiladas e reprimidas de tal maneira que nos tornam incapazes de ser porta-dores de Boa Notícia. A vida começa a emergir ali onde o mundo só vê fracasso e morte, e que orar a partir de nossas precariedades e fragilidades nos põe no caminho para experimentar o dom da Páscoa.
Só a partir desta implicação, a Páscoa nos abre ao futuro e nos faz perceber que “a morte não multiplica a Vida por zero”.

Texto bíblicoJo 6,37-40

Na oração: Alguém já teve a ousadia de afirmar que a morte é mais universal que a vida; todos morrem, mas
                    nem todos vivem, porque incapazes de re-inventar a vida no seu dia-a-dia.
E viver significa esvaziar-se do ego para deixar transparecer o que há de divino em seu interior. O grão de trigo que não morre, apodrece, e não multiplica as mil possibilidades latentes em seu interior.
O “depois da vida” é um grande encontro onde seremos perguntados: “o quanto você viveu sua vida?”
- “Fazer memória” das pessoas que viveram intensamente e deixaram “marcas” em sua vida.




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