Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

sábado, 23 de agosto de 2014

HOMILIA DOMINICAL - 23 DE AGOSTO DE 2014

A ROCHA SOBRE A QUAL CONSTRUIR A VIDA

“Tu és pedra, e sobre esta rocha eu construirei minha Igreja” (Mt. 16,18)

Nos Evangelhos, Pedro é o pescador que, impactado pela presença e pelo convite de Jesus, vai entrando, aos poucos, em sintonía com Ele. Um encontro que vai crescendo em adesão à proposta do Reino; um caminho de seguimento que tem seus momentos de obscuridade e de crise, sobretudo ao ver o fracasso do Mestre condenado pelas autoridades religiosas e políticas.
Pedro é o protótipo do cristão que vai se convertendo, abrindo-se à presença desconcertante de Deus na conduta histórica de Jesus. Em Pentecostes, Pedro fala em nome dos primeiros discípulos, cuja fé vem a ser normativa para todas as gerações que se sucedem na história da igreja.  Ele confessa o artigo central e original da fé cristã: “Jesus Cristo é o Filho de Deus vivo”. E se a Igreja se mantém firme nessa confis-são, nada nem ninguém a destruirá.
Entre os discípulos de Jesus, Pedro foi sem dúvida o mais atirado, o mais impulsivo, com o perigo que isso implica. Era o líder do grupo, o primeiro a falar em qualquer circunstância, sem medo de repreender Jesus quando este anuncia sua paixão, sem medo de levar uma reprimenda quando Jesus quer lavar os pés ou quando anuncia que todos o trairão. O fato de ser tão lançado o situa também no lugar mais perigoso, o da negação de Jesus. Mas, ele mesmo termina confessando depois da ressurreição: “Tu sabes tudo, tu sabes que te amo”.  Não é novidade que Jesus o visse como o líder natural do grupo depois de sua morte e ressurreição.

No evangelho de hoje nos encontramos num destes momentos em que Pedro, com sua habitual ousadia e rapidez, responde à pergunta que Jesus lhes dirige sobre sua identidade: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo”. Diante da pronta confissão Jesus o chamou, em hebraico, “Kephas”.
Mateus faz um sugestivo jogo de palavras entre dois nomes gregos comuns: “petros” (pedra) e “petra” (rocha). “Petros” só é usado como nome próprio no NT: fala-se de “Simão Pedro” ou simplesmente de “Pedro”. No AT “petros” tem o significado de pedra comum, pedregulho, algo que se pode pegar e lançar. No entanto, tanto no Antigo como no Novo Testamento não há confusão com a palavra “petra” que sempre significa rocha, sobre a qual se assenta um edifício.
Agora podemos conhecer em seu justo significado o famoso texto de Mateus. Este faz uma sugestiva comparação-oposição entre a fragilidade e a pequenez da pedra frente à segurança e robustez da rocha.
A pessoa de Pedro em sua fragilidade, em sua cabeçudagem e até em sua covardia é, ao mesmo tempo, símbolo de fortaleza e de segurança pela confissão de fé que fez para a pessoa de Jesus.
Pedro é “pedra” em sua fragilidade humana, mas é “rocha” em sua manifestação de fé.
Portanto, este é o significado das palavras que Jesus diz a Pedro e a toda a comunidade cristã: “Tu és Pedra, e sobre essa Rocha vou edificar minha comunidade”. A rocha não é a pessoa de Pedro, mas a fé de Pedro. Sobre essa rocha-fé de Pedro Jesus deseja edificar sua comunidade de seguidores.

Pedro aparece, então, como o primeiro discípulo que manifesta sua fé pessoal em Jesus. E o evangelho faz um convite para que cada pessoa, cada seguidor, expresse para si mesmo qual é sua fé em Jesus.
Como consequência, essa mesma fé que aflorou na primeira comunidade cristã é a que emerge e se prolonga, ao longo dos séculos, em cada seguidor de Jesus. Com sua fortaleza (petra-rocha) e, ao mesmo tempo, com sua fragilidade (petros-pedra); sem dogmatismos nem doutrinas, mas com a modesta manifes-tação de alguém que se sente interpelado e animado pela forma como Jesus viveu e pelos estímulos que Ele lhe deu para caminhar na direção da nova humanidade.
“Petros”  é o que em nós é fragilidade, incoerência, vulnerabilidade, limitação... “Petra”, ao contrário, é o que é sólido, firme, consistente, sobre o qual fundamentamos a vida.  “Carregamos um tesouro em vaso de barro” (2Cor. 4,7). O ser humano é a integração de “petros” e “petra”.
Nossa própria interioridade é a rocha consistente e firme, bem talhada e preciosa que cada pessoa tem, para encontrar segurança e caminhar na vida superando as dificuldades e os inevitáveis golpes na luta pela vida. O “eu profundo” constitui-se como um centro sólido, consistente e estável de nosso ser, radicalmente diferente das experiências fluidas que o atravessam. Existem camadas sólidas da experiência do “eu” que devem contrapor-se às experiências passageiras de sentimentos vazios, desejos periféricos, sonhos sem paixão.
É no “eu mais profundo”  que as forças vitais se acham disponíveis para ajudar a pessoa a crescer dia-a-dia, tornando-a aquilo para o qual foi chamada a ser. Trata-se da dimensão mais verdadeira de si, a sede das decisões vitais, o lugar das riquezas pessoais, onde ela vive o melhor de si mesma, onde se encon-tram os dinamismos do seu crescimento, de onde partem as suas aspirações e desejos fundamentais, onde percebe as dimensões do Absoluto e do Infinito da sua vida.
Vivemos um contexto social e cultural no qual se constata um modo de vida que não favorece o contato com a nossa rocha interior. Seduzidos por estímulos ambientais, envolvidos por apelos vindos de fora, cativados pela mídia, pelas inovações rápidas, magnetizados por ofertas alucinantes... nós nos esvaziamos, nos diluimos, perdemos a interioridade e... nos desumanizamos. Tudo se torna líquido:  o amor, as relações, os valores, a ética, as grandes causas... (cf. Bauman).
Diante desta “cultura líquida” é urgente gerar espaços que facilitem o acesso à rocha da interioridade, possibilitar o retorno à “base interior” onde é gestada a nossa identidade e as nossas opções mais firmes.
Somos um mistério no meio de mistérios, em um mundo de surpresas e de assombros.

Texto bíblicoMt 16,13-20

Na oração: Busque, na oração, cavar mais profundamente, até atingir a rocha de seu ser, o fundamento
                   original e consistente de sua personalidade.
- Quais são os valores perenes, as visões ousadas, as experiências fundantes, as opções duradouras... que
  constituem a rocha inabalável, sobre a qual construir sua vida?

fonte: www.ceijesuitas.org.br




                  





quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Homilia dominical - 17 de agosto de 2014

ASSUNÇÃO: estamos abastecidos de futuro

“Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judéia”

A vida de Maria na terra foi um percurso, um itinerário para a plenitude humana, em comunhão com todos os outros, através de seu filho Jesus. Pois bem, cumprido esse percurso vital, que havia começado no seu nascimento, Maria foi assumida (assunta) à glória de Deus, que se identifica com a Ressurreição e Ascenção de Cristo. Maria “foi aspirada para dentro de Deus”, absorvida pela Vida.
Este dogma afirma que Maria culminou sua vida em Deus, por meio de Jesus, “em corpo e alma”, ou seja, como pessoa histórica, em comunhão com as demais pessoas que estiveram e continuam estando implicadas em sua vida.
A plenificação da vida de Maria na Assunção não é triunfo da passividade, mas do amor solidário e da preocupação pelos outros. A Assunção é o céu da ternura maternal, a proximidade amistosa, o serviço gratuito... Por um lado, Maria chegou ao cume: contempla Deus face a face, vive no interior da família divina. Por outro lado, Maria está assumindo uma nova função: ela começa sua tarefa de ajuda maternal em favor de todos os homens e mulheres, especialmente dos mais pobres e frágeis.

Na festa de hoje a Igreja nos revela a plenificação final da obra de Deus na mulher que não opôs nenhuma resistência à sua ação. Deus havia empreendido um caminho de salvação e ela, com seu sim, consentiu a esse projeto salvífico. Sua original maneira de colaborar consistiu em deixar Deus fazer, e por isso reco-nhece: “O Poderoso fez em mim maravilhas”.
A Assunção não é um privilégio excepcional exclusivo de Maria, mas o símbolo de nosso próprio destino, quando seremos “assumidos” na vida definitiva.Este dogma pode ser entendido desde um duplo enfoque: com ela acontece algo único, e com ela acontece aquilo para o qual todos estamos destinados.
Ela é a Humanidade que já chegou à plenitude e é a vida que vence a morte. Sua Assunção é como uma ampliação da grande Ascenção de Jesus. Maria, como Imaculada e Assunta, é um ícone de esperança. Com isso, nossa vida se torna caminho de esperança jubilosa; com Maria já entramos, de algum modo, no céu de Deus, no futuro da ressurreição plena.
O próprio Papa Pio XII deixou isso claro ao proclamar este ensinamento solene em 1950: “O essencial damensagem é reavivar a esperança na própria ressurreição”, que consiste em ser assumido no mistério original da Vida da vida.
A Assunção não é só um mistério de elevação da Mãe de Deus. É também um mistério de “descida”, pois ela continua sendo humanidade, mas é humanidade carregada de Deus, integrada no mistério trinitário.
Assunção é vida plena antecipada.

Ao falar da Assunção nos referimos à plenitude final e à culminação do processo vital de Maria. Mas a meta supõe sempre um caminho, um percurso.
O Evangelho de hoje nos apresenta Maria, desde o começo, “caminhando depressa”, de Nazaré da Gali-léia até às montanhas da Judéia para chegar à casa de Isabel e ajudá-la; naquela primeira “meta” de seu percurso recebeu dos lábios da prima a primeira bem-aventurança:“Feliz é tu que acreditaste...”Eaquelasaudação foi uma antecipação da felicitação que Maria recebeu no final definitivo de sua trajetória.
Toda a vida de Maria consistiu em dirigir-se apaixonadamente para essa meta definitiva que não podia ser outra coisa que a prontidão para o serviço a quem dela precisasse. É oportuno recordar o que dizia o Vat. II: Maria é o modelo e exemplar mais acabado de toda vida cristã. Foi aquela que mais conheceu, amou e seguiu Jesus Cristo.

Quando falamos de Assunção, empregamos um termo que desperta imagens de movimento, de atração para o alto, de impulso ascensional; nosso olhar é atraído para a altura, e vemos Maria elevada para essa dimensão que chamamos “céu”. Essa maneira de vê-la, no entanto, não a afasta de nossa experiência, senão que nela se faz transparente o destino da humanidade inteira: em Maria vemos agora o cumprimento antecipado da transfiguração de nossa existência.
Ela foi “assunta” porque assumiu tudo o que é humano, porque “desceu” e se comprometeu com a história dos pequenos, dos pobres e excluídos... Maria foi glorificada porque se fez radicalmente “huma-na”.Por isso, Deus a engrandeceu plenamente.
Crer na Assunção de Maria implica crer na exaltação dos pequeninos e humilhados, dos pobres esquecidos, dos injustiçados sem voz, dos sofredores sem vez, dos abandonados sem proteção, dos mise-ricordiosos descartados, dos mansos violentados...
Vivemos já a Assunção quando não nos deixamos determinar por uma vida estreita e atrofiada, presa pelos apegos... Somos “assuntos” quando sonhamos, buscamos e ativamos todos os dinamismos humanos de crescimento e de expansão em direção aos outros. Nós nos “elevamos” quando “descemos” em direção à humanidade ferida e excluída. O “subir” até Deus passa pelo “descer” atè às profundezas da realidade pessoal e social, sendo presença servidora.

Somos chamados a nos situar, como Maria, diante do olharsalvífico de Deus: “... porque Ele olhou para a humildade de sua serva”; deixar-nos “olhar” por Deus para sentir-nos acolhidos e envolvidos em sua ternura, seu perdão e seu amor incondicional;deixar que seu olhar faça cair os fardos que carregamos às costas e nos possibilite experimentar a assombrosa liberdade de não ter que representar papéis, nem acumular méritos, nem dissimular fragilidades; sentir-nos envolvidos na proteção cálida de um amor que nos acolhe e desata em nós ricas possibilidades de existência e crescimento; emigrar dos velhos “chãos” que sustentavam nosso eu, para encontrar-nos ancorados em outro centro e respirando outro ar; fazer a experiência da relação filial que nos pacifica e expande o coração. A partir daí, tomar de novo contato com a realidade e nos dirigirmos a ela com um olhar novo e um coração acolhedor: a de quem se sabe “filho” e “irmão”. E quem se reconhece filho sob o olhar do Pai, todos se tornam irmãos.
Celebrar o mistério da Assunção de Maria, portanto, é também um convite a viver nessa dinâmica do compromisso e não da resignação, da esperança solidária e não da “espera passiva”.
Este mistério celebrado por toda a Igreja é um mistério profunda-mente enraizado no coração do ser humano, que quer viver sempre, permanecer, ser imortal. Por isso somos convidados a continuar nesse “deslocamento” contínuo a serviço da vida.
Assunção é missão.

Texto bíblicoLc 1,39-56

Na oração:Que esta festa nos convide a olhar Maria com novos olhos,
para que seja um estímulo quenos levea descobrir a proxi-midade do divino em todas as circunstâncias da vida. A meta de todo ser humano é a mesmo que Maria já alcançou e que hoje celebramos. Deus está fazendo grandes coisas em cada um de nós, embora, muitas vezes, vivemos sem nos dar conta disso. Criar um clima de ação de graças.




terça-feira, 12 de agosto de 2014

A família é um centro de amor onde ninguém é descartado, diz Papa

Em mensagem ao I Congresso Latino-americano da Pastoral Familiar,  o Santo Padre afirmou que a família  é aquilo que permite superar a falsa oposição entre indivíduo e sociedade

Atualizado em 07/08/2014 às 09h27

A família é um “centro de amor” onde “ninguém é descartado”. Foi o que afirmou o Papa Francisco na mensagem enviada ao I Congresso Latino-americano da Pastoral Familiar, em andamento no Panamá de 4 a 9 de agosto. Organizado pelo Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), o encontro tem como tema “Família e desenvolvimento social para a vida plena e a comunhão missionária”. A mensagem foi lida na abertura do Congresso pelo Bispo de Santa Rosa, Argentina, Dom Raúl Martín, Presidente do Departamento para a Família, a Vida e a Juventude do CELAM.

Francisco iniciou sua mensagem com a pergunta “O que é a família?”, a qual respondeu: “é um centro de amor” onde “reina a lei do respeito e da comunhão”, capaz de resistir às “manipulações mundanas”. A família – acrescentou ele – é aquilo que permite superar “a falsa oposição entre indivíduo e sociedade; no seio dela “ninguém é descartado” e todos – idosos e crianças – encontram acolhida. E é na família que nasce “a cultura do encontro e do diálogo, a abertura à solidariedade e à transcendência”.

O Papa ressalta que a “estabilidade e a fecundidade” são duas características primordiais do núcleo familiar, ambiente onde se aprende “as relações baseadas no amor fiel até a morte, como o matrimônio, a paternidade, a filiação ou a fraternidade”. Quando estas relações formam o tecido basilar de uma sociedade humana” – reitera – conferem a ela “coesão e consistência”, oferecem ao homem “segurança no abrir-se ao outro”. Mas adverte, que “não é possível fazer parte de um povo, sentir-se próximo, ter consciência dos mais afastados e desvantajados, se no coração do homem foram infringidas estas relações basilares”.

Francisco explica que o amor familiar é fecundo não somente porque gera nova vida, “mas porque alarga os horizontes da existência, gera um mundo novo, nos faz acreditar, contra todos os desesperos e as derrotas, que uma convivência baseada no respeito e na confiança é possível”. “Diante de uma visão materialista do mundo – acrescenta – a família não reduz o homem ao estéril utilitarismo, mas encarna os seus desejos mais profundos”.

Ao observar que o “homem cresce também na sua abertura a Deus como Pai” com base na experiência do amor familiar, Bergoglio cita o Documento de Aparecida quando indica “que a família não deve ser considerada somente como objeto de evangelização, mas também agente de evangelização”, pois “nesta se reflete a imagem de Deus que, no seu mistério mais profundo é uma família, e neste modo, permite ver o amor humano como sinal de presença do amor divino”. “Na família – disse Francisco – a fé se mistura com o leite materno”. O Santo Padre recordou então, que o gesto de pedir a bênção – conservado em muitos povos – “encerra em si a convicção bíblica que a bênção de Deus se transmite de pai para filho”.

Ao concluir, o Pontífice ressalta a importância de encorajar as família a “cultivar relações sãs entre os próprios membros”, onde se deve saber dizer uns aos outros “perdão, obrigado e por favor”, e dirigir-se a Deus com o bonito nome de “Pai”. (JE)

Fonte: Rádio Vaticano

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Homilia dominical -10 de agosto

DO MEDO PARALISANTE À CORAGEM CRIATIVA


Jesus lhes disse: Coragem! Sou eu. Não tenhais medo!” (Mt 14,27)

Quando o ser humano quebrou sua aliança no Paraíso, o medo foi sua reação imediata.
“Ouvi teus passos no jardim, por isso tive medo...” (Gen. 3,10).
O medo se instalou em seu coração. E o ser humano continuou a temer através de desertos e cidades, de dia e de noite, no coração e na sociedade, onde quer que vivesse, fizesse o que fizesse.
Medo dos passos de Deus e de seus próprios passos; medo de estranhos e de amigos; medo de seu corpo e da sua afetividade; medo de decidir; medo de se comprometer; medo de romper as amarras do passado; medo do novo; medo de viver e de morrer...
Uma longa cadeia de medos, da primeira à última respiração, nesta terra de sombras.
Vivemos sob um medo constante, sentido com maior ou menor intensidade, mas sempre presente.
Todos os medos estão inter-relacionados e, qualquer que seja seu objeto imediato, todos tem em comum o sentimento sombrio do perigo ameaçador.

Humanamente falando, o medo é algo tão natural como o instinto de sobrevivência.
Evangelicamente falando, o medo é sinal de que ainda não entramos na dinâmica do Reino, no caminho de Jesus; o medo nos faz refugiar numa fé alienante, que não arrisca nada, que não se compromete com nada, que não vai mais além de nós mesmos, de nossa auto-realização narcisista.
Os medos não costumam apresentar-se de rosto descoberto; mascaram-se, porque são sintomas de debili-dade; tornam-se vergonhosos para nós. Eles se disfarçam para se tornaram mais aceitáveis.
Existem muitos medos escondidos por trás das atitudes tirânicasde  rigidez, de perfeccionismo, de legalismo, de intransigência ou de intolerância. Recorremos a eles para ocultar-nos e defender-nos contra o novo e o diferente.
É aterrorizante o medo das tempestades que surgem no cenário da vida cotidiana. O medo nos empurra na direção dos individualismos e das soluções que contemplam simplesmente os próprios interesses.
O medo enche de sombras o horizonte, tornando impossível uma decisão clarividente e ordenada; ele cega, agita a imaginação e precipita juízos e decisões, criando impedimentos sérios para a vivência da fra-ternidade e para a coragem de compreender a vida como doação de si para o bem dos outros.

Não existe depósito de munição mais potencialmente explosivo do que os estoques de medonas escuras profundezas do nosso interior, mas sua influência é sentida nos nervos, no pulso, nos músculos e na respiração.Grandes medos não aparecem com frequência; são os pequenos que surgem em encontros diários com a realidade e minam o poder de resistência e crescimento.
Cada atividade humana é acompanhada de uma sombra escura que desperta o medo.
Nada é garantido, nada está seguro, e a vida sem segurança é vida marcada pelo medo.
As pessoas ficam tensas e projetam as tensões na realidade circundante. Encaram os outros como inimigos, e as oportunidades como ameaças. O trabalho é competição, e a vida, um campo de batalha.

No entanto, uma coisa é sentir medo, pois somos humanos, frágeis e limitados;outra coisa, porém, é per-manecer paralisado com medo de arriscar e não se aventurar por novas terras, na descoberta infindável que é a vida.As intuições mais profundas do espírito (a quebra de limites da mente e do costume, o avanço sobre novos ideais e sonhos...) se conquistam com o atrevimento da coragem, com a força da fé, com a imaginação solta, com a criatividade livre e desimpedida.
Desafiando os medos aprende-se a ter coragem. Aceitar os medos é o caminho para tornar-se destemido. O conhecimento da própria fraqueza é a maior força.
Cada medo não resolvido é um peso na vida. É preciso descobrí-los, identificá-los, nomeá-los e tomá-los como são até que se possa dissolvê-los em consciência e coragem.
Um medo que pode ser nomeado perde o terror e a capacidade de ferir; no entanto, um medo sem nome, um fantasma sem rosto, escuro como uma sombra e rápido como uma tempestade aumenta o pavor e paralisa a ação.Se aprendemos a desmascarar e a enfrentar os pequenos medos nas escaramuças diárias, diminui-se seu impacto e nos tornamos mais sábios e fortes para lidar com os medos mais importantes.

O evangelho deste domingo nos revela que há muitas tormentas e ameaças ao nosso redor. Em meio à tempestade levantam-se ondas de obscuridadessem sentido, de medos paralisantes, de dúvidas angustian-tes... Sopram outros ventos tempestuosos que nos ameaçam, arrastando tantas seguranças que nos susten-taram, quebrando tantos salva-vidas aos quais nos agarrávamos...
Mas, em meio às tempestades urge não perder a calma, ter a coragem de “permanecer”, não permitir que o ruído dos ventos nos vença, que os relâmpagos nos ceguem, que as ondas nos levem...
“Permanecer” é a palavra chave: permanecer firmes nos compromissos assumidos, nos passos que buscam abrir caminhos novos, ainda que seja arriscado; permanecer ancorados na fidelidade a Jesus e a seu Reino e consentir que os ventos levem todos os nossos velhos padrões mentais, ideias fixas e atitudes petrificadas, preconceitos e tudo o que já está caduco e que não nos impulsionam para a outra margem...; permanecer apenas com a pessoa de Jesus e seu sonho como o melhor legado que podemos oferecer aos nossos contemporâneos, sacudidos por tormentas que os afundam sem poderem vislumbrar um novo horizonte e um novo sentido para suas existências.

Na tempestade também é necessário “soltar amarras e içar velas”, ou seja, atrever-se a “viver no Vento”. Aproveitar dos “ventos contrários” para transformá-los em “ventos favoráveis” que conduzam nossa vida para a “outra margem”. Soltar as amarras e âncoras de nossos apegos, de nosso consumismo, de nossa prepotência, afã de domínio, fundamentalismos, patriarcalismo, machismo... Precisamos perder o medo dos novos ventos e içar as velas das novas ideias, das visões arrojadas,dos projetos criativos, da riqueza da pluralidade de culturas, religiões, raças, deixar-nos mover pelo vento dos movimentos de liber-tação (povos em desenvolvimento, negros, indígenas, os sem terra, os movimentos ecologistas, pacifistas, feministas...), enfim, acolher o vento que nos impulsiona em direção ao novo e diferente...
A barca de nossa vida naufragará na estreita calma de mares mortos se não formos capazes de desatar os antigos nós de marinheiros que impedem içar as velas para receber os novos ventos da história.
Durante a tormenta aprender a recordar que depois da tempestade vem a calma, para não perder assim o horizonte nem a esperança. Afinal, somos “seres de travessia”.

Texto bíblico:Mt 14,22-33

*Jesus conhece a necessidade de inter-vir no mais escondido de cada  um dos discípulos; ali estão alojados os mais di-ferentes medos, que minam a força e a coragem do seguimento.
* Dar nomes aos medos pessoais: são reais? Imaginários?


sábado, 2 de agosto de 2014

Homilia Dominical - 03 de agosto de 2014

DEIXAR-SE AFETAR PELO SOFRIMENTO DO OUTRO


“Jesus viu uma grande multidão e, tomado de compaixão, curou os seus doentes” (Mt 14,14)

Quem é verdadeiramente humano?Aquele que é movido pela compaixão.
O grau de humanidade (ou de barbárie) de nosso mundo se mede pelo grau de sensibilidade diante da dor humana. E é a compaixão a melhor expressão dessa sensibilidade e humanidade: deixar-nos afetar pelo que acontece – ou seja, ter uma sensibilidade limpa, desbloqueada e vibrante.
Definitivamente, a compaixão é central para sermos humanos. O sofrimento das vítimas nos “descen-tra” e nos faz “descer com paixão” aos seus pés e nos situar ao lado (a favor) delas.Sempre se pode “pas-sar para o outro lado”.Aí é onde se abrem espaços à compaixão.
No interior de todos nós há sempre reservas e redutos de bondade, muitas vezes, adormecidos, mas que podem ser ativados diante da dor e da miséria dos outros. Não somos sempre e totalmente egoístas. Uma desgraça, uma tragédia... podem muito bem “impactar nossas entranhas” e despertar a consciência de que fazemos parte da mesmafamília humana.
Esta compaixão não é meramente um sentimento privativo, mas reação “apaixonada” diante das injustiças sangrentas de nosso mundo.Nos sofredores há algo que atrai e convoca, que nos faz sair de dentro de nós mesmos e nos fazer próximosdos sofredores; aí reside a origem da solidariedade que suscita uma ação eficaz e um compromisso de vida a favor de quem é vítima de situações injustas.
Ao mesmo tempo, não é raro que a compaixãodesperte o contato com a nossa própria vulnerabilidade ou fragilidade. Quando acolhemos toda essa nossa realidade a partir de uma atitude humilde, é provável que emerja um sentimento amoroso para nós mesmos. E, a partir dele, nos tornamos mais sensíveis ao sofrimento dos outros.

O campo da compaixão é o encontro pessoal, ou seja, quando as pessoas decidem romper as barreiras que as isolam e deslocar-se uma em direção à outra. No encontro, estabelecem-se relações que mudam as posições entre si, umas e outras intercambiam seus lugares vitais e os laços da existência ficam reforçados.
O primeiro traço do encontro compassivo é a gratuidade.Aqui não se gera uma situação de dependência ou de senhorio, mas revela-se um “excesso” de amor, que não se mede.
Outro traço do encontro compassivo é a proximidade. Tocar, ver, aproximar-se, deixar-se afetar..., são requisitos da compaixão, superando as barreiras da indiferença, da falta de atenção. A distância os fez estranhos, a proximidade, o abraço os devolve a seu lugar: filhos, amigos, amados, festejados...
O terceiro traço do encontro compassivo é a profundidade, que desperta a capacidade de amar que está presente em todo ser humano. Compartilha-se a ferida mais profunda da outra pessoa. Só se pode amar o que tem mistério, e onde há mistério há profundidade.

A cena evangélica da multiplicação dos pães revela que o Reino nem sempre chega pelos caminhos “religiosos”, mas pode chegar através da compaixão despertada pela situação desumanizadora do outro. A compaixão derruba todas as barreiras.
Compaixão, no seu sentido etimológico, quer dizer “sofrer com”. Esse é o sentido do amor: ter o outro dentro da gente. A compaixão é uma maneira de sentir. É dela que brota a ética. A falta de compaixão é uma perturbação do olhar. Olhamos, vemos, mas a coisa que vemos fica fora de nós.
“Jesus olhou e multidão e teve compaixão”.Ele faz vibrar as pulsões do humano presentes em cada pessoa. Seu jeito de “ser humano” entra em sintonia e desperta o que é mais humano no outro.
Um dos traços que definem a nossa época é o fato de ser uma era de “sem-compaixão”, um tempo no qual se faz muito difícil vibrar de verdade com os outros, e especialmente com os outros mal-tratados pela situação sócio-econômica.A compaixão está cada vez mais ausente da esfera pública e de nossas rela-ções com o outro diferente e com o outro distante que sofre. Aqui está a chave da incapacidade de nossa sociedade para responder aos desafios atuais.

No evangelho de hoje, em contraste com atitude compassivade Jesus diante das multidões, os discípulos, percebendo a hora avançada, pedem que elas sejam despedidas para que comprem pão e se alimentem. Esta é a lógica desumanizadora: devolver as pessoas às suas próprias possibilidades limitadas, à escassez e à privação que a sociedade as relegou. Os discípulos são sensíveis à fome do povo empobrecido, mas o dei-xam à mercê de seus próprios recursos. Não conhecem outra solução.
Jesus abre outra lógica: a da partilha, frente à logica do mercado, focado naapropriação e na acumula-ção.“Quantos pães tendes?”, pergunta que desinstala e possibilita encontrar uma saída, pequena mas mobilizadora: a partilha de cinco pães e dois peixes.
Só se fará efetiva a nova comunidade quando pães e peixes entrarem na lógica do Reino. Sem oferecer o próprio pão, os próprios recursos, a própria pessoa, não há possibilidade de construção do Reino de Deus.

A multidão dispersa, transformada pelo encontro com Jesus, já é capaz de sentar-se em grupos ordenados sobre a relva, iguais, sem divisão em hierarquia, que costuma criar fissuras na comunhão. Os que tinham algo para comer também foram repartindo com os outros. Na realidade, o verdadeiro milagre foi o da par-tilha, onde as pessoas famintas não se lançam vorazmente sobre os pães numa luta para conseguir os ali-mentos escassos. Compartilhar gratuitamente com os outros, com desconhecidos, e não acumular o que sobra, isso sim é milagre.
Em cada migalha de pão, em cada pedaço de peixe, há uma história de amores e trabalhos que vão passando de mão em mão, sem cobiça devoradora. Os bens deste mundo carregando dentro uma vocação fraterna e universal. São dons para todos.
Nesta refeição de todo o povo sobre o campo verde não se discrimina ninguém, não se pergunta a ninguém pelo seu passado, sua profissão ou sua situação moral e religiosa. Todos são acolhidos como expressão das entranhas compassivas de Deus, que chama todos a compartilhar sua mesa. Todos se sentem pessoas dignas e amadas.
Esta é a utopia do Reino: tudo está reconciliado: o cosmos, com a natureza verde e em paz; os produtos do trabalho humano, da generosidade do mar e da terra; e as pessoas, numa relação harmoniosa entre si e com Deus, sem exclusões, competições nem privilégios.
A compaixão de Jesus situa tudo na lógica do amor, que é a única força transformadora da história.

Texto bíblico:Mt 14,13-21

Na oração: A oração é tambémquestão de densidade de vida, de
humanismo, de ativar a sensibilidade para com aquelesque não têm quem os defenda; é revelar que em nosso peito bate um coração de amor infinito, capaz de vibrar e mobilizar-nos em favor dos outros.A oração implica entrar em sintonia com o coração compassivo de Deus voltado para a miséria humana.




Homilia dominical - 03 de agosto de 2014

O Pão Partilhado

Ao redor de uma mesa, acontecem fatos importantes
na vida das pessoas, das famílias e dos povos...
É momento de encontro, de fraternidade, de comunhão...
Comunica-se a alegria de um nascimento ou de um casamento; fortalece-se a amizade, estabelecem-se
contatos de trabalho e celebram-se ritos oficiais.

A Liturgia nos convida a sentar à mesa, que o próprio Deus preparou,
e onde nos oferece gratuitamente o alimento, que sacia a nossa fome
de vida, de felicidade, de eternidade.

Na 1ª leitura, Deus convida a uma MESA farta e gratuita
o povo faminto e sofredor, que estava no exílio.
"Venham matar a sede e comprar sem ter dinheiro
comer sem pagar, beber vinho e leite à vontade". (Is 55,1-3)

Era o apelo do profeta para que o Povo se animasse a voltar
à terra de origem, para recomeçar uma vida nova.
Seria o banquete da vida em liberdade, da terra repartida,
da moradia garantida, da saúde, da paz e bem estar.

A 2ª Leitura é um Hino ao amor de Deus,
que enviou ao mundo o seu próprio Filho,
para nos convidar ao BANQUETE da vida eterna. (Rm 8,35.37-39)

No Evangelho, Cristo realiza a profecia da primeira leitura,
alimentando o povo com a Multiplicação dos Pães. (Mt 14,13-21)

Seguido por uma imensa multidão, Jesus, como um novo Moisés,
vai ao deserto (novo Êxodo), onde repete o milagre do Maná.
Doa o seu pão ao Povo e convida os discípulos a distribuí-lo...

O DESERTO, para Israel, era o lugar do encontro com Deus.
Ali, Israel aprendeu a despir-se das suas seguranças humanas
e descobrir em cada passo a maravilhosa proteção do Senhor.
O deserto é o lugar e o tempo da partilha,
em que todos contam com a solidariedade da Comunidade.

+ PASSOS de Jesus para resolver o problema da fome:,

1. VÊ a "fome" e busca na comunidade a solução do problema.
Quando os discípulos buscam a solução mais fácil, despedindo o povo,
Jesus lhes ordena: "Dai-lhes vós mesmos de comer".
Quantos "famintos" de pão, de alegria, de apoio, de esperança!...
                                                                                                                                                  
2. Ensina COMO dar resposta a este desafio: PARTILHANDO.
Recolhe os "cinco pães e dois peixes", recita a bênção e manda partilhar...
Todos comeram, ficaram saciados e ... até sobrou.

3. Dá a RAZÃO para a partilha: Deus é o DONO de tudo.
"Tomou os 5 pães e os 2 peixes, ergueu os olhos ao céu e recitou a Bênção".
A "BÊNÇÃO" é uma fórmula de ação de graças,
pela qual se agradece a Deus pelos dons recebidos.
Isso significa reconhecer que o dom veio de Deus e
que pertence a todos os filhos de Deus. Não somos donos...

AS LEITURAS NOS LEMBRAM TRÊS VERDADES:

+ Deus convida todos para o "Banquete" do Reino
Os que vivem à margem da vida e da história,
os que têm fome de amor e de justiça,
os que vivem atolados no desespero,
os que o mundo condena e marginaliza,
os que não têm pão na mesa, nem paz no coração,
também são convidados para a Mesa do Reino.

+ Jesus nos compromete com a "fome" do mundo.
- A fome é companheira cruel de milhões de filhos de Deus...
   Quase dois terços da humanidade passa fome...
- Os APÓSTOLOS encontram a solução mais fácil:
  "Despede as multidões": "Mande-os para casa".
- JESUS não fica na mera "compaixão": cura os doentes,
  ilumina o povo com a sua palavra, partilha com eles o pão,
  entrega-se pessoalmente a eles como o Pão da Vida...
  * Quando os Apóstolos falam em "comprar", Jesus manda "dar":
     "Dai-lhe vós mesmos de comer..."
- NÓS também somos responsáveis pela fome no mundo...
  Nenhum cristão pode ficar alheio a essa triste realidade!...
  E o problema da fome no mundo também não se resolve apenas
  com programas de assistência social, mas com a partilha, com o amor.

O milagre da partilha pode acontecer na medida em que todos oferecem
na medida do pouco que tem. Não se trata de quantidade,
mas da generosidade que permite a realização do milagre.
E o milagre da partilha não se fecha nas coisas materiais.
Muitos necessitam um pouco do nosso tempo, de um olhar,                                               de um abraço, de uma visita...

+ Jesus nos convida a sentar à MESA e receber o Pão que ele oferece.

A narração tem um contexto eucarístico (ver palavras da consagração...)
Sentar-se à mesa com Jesus é comprometer-se com a dinâmica do Reino
e é assumir a lógica da partilha, do amor, do serviço.
Celebrar a Eucaristia obriga-nos a lutar contra as desigualdades,
os sistemas de exploração, os esbanjamentos… (recolheu as sobras...)
Quando celebramos a Eucaristia, tornamos Jesus presente no mundo,
fazendo com que o seu Reino se torne uma realidade viva na história.



                                Pe. Antônio Geraldo Dalla Costa - 03.08.2014

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