Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

domingo, 27 de novembro de 2011

Tempo do Advento

ADVENTO: SAUDADES DO FUTURO


“Espero Deus com voracidade” (Rimbaud)

Advento é tempo de espera, de vigilância, de preparação e de chegada.
               É o tempo litúrgico onde o suspiro de expectativa e de esperança não fica sem resposta.
               O Advento é um brado de esperança.  “O ar está cheio de nossos gritos” (Beckett).
A Vinda de Cristo é, portanto, o grande evento que agita os corações, sacode as inteligências, inquieta as pessoas, move as estruturas...
Toda a nossa vida se transforma na história de uma espera e de um encontro surpreendente.

Quem vive o clima do Advento não é prisioneiro da “cotidianidade”: mantém o olhar fixo no horizon-
te, para a consolação, para a revelação da glória de Deus. Se o presente é sem sol, ele está seguro da aurora.
          “O futuro é ilusão temperada na fé. Deste, nada se sabe e, no entanto, tudo se espera: o amor ávido, o
             bem-estar diletante, a irrupção final e feliz do ser que somos e não temos sido” (Frei Betto).
Advento é sempre tempo de redescobrir quem somos, o que queremos e para onde vamos.
A “mística da gravidez” perpassa todo este tempo, criando em nós uma atitude permanente de espera e fazendo-nos crer na força escondida da vida que continuamente está para nascer. Trata-se de um tempo que alimenta em nós o desejo e a esperança de um “novo parto” da salvação de Deus.

Deus quebrará seu silêncio, a noite escura será iluminada, a primavera substituirá o inverno.
O cristão guarda em si o fogo do Espírito Santo, que o mantém sempre vivo, forte, aberto ao futuro.
Ele não olha o passado; vê longe e sonha grande. Porque está aberto ao Espírito, não permanece especta-dor e passivo.
Podemos recordar a missão do sentinela, uma das figuras bem conhecidas na história do povo do A.T.  Situado estrategicamente em lugares altos e de amplos horizontes, ele recebe a delicada missão de obser-var, vigiar, discernir e anunciar, para defender a vida do povo
Tal missão implica numa vigilância investigadora do horizonte, onde se fazem perceptíveis os “sinais”, ou até mesmo os indícios de que algo importante para a vida do povo está prestes a acontecer.
Mas não basta captar os sinais. O sentinela deve interpretá-los, quando não são claramente perceptíveis, no horizonte longínquo.
Por isso, o sentinela está treinado para “olhar”  a grandes distâncias, para “olhar”  com precisão. Seu “olhar” investigador, aguçado pelo amor ao povo e a fidelidade à missão, está em alerta permanente.
        “Em meu posto de espreita, meu Senhor, estou firme ao longo do dia,e
         no meu posto de guarda, permaneço de pé noites inteiras (Is. 21,8).

O mais específico da função do sentinela é, portanto, a capacidade de “olhar”  corretamente e de anunciar  o que vê, sem se deixar enganar pelas aparências ou por qualquer tipo de engano, sempre em função da defesa daqueles que dependem da sua vigilante perspicácia.
Testemunha fiel, que não se deixa comprar nem subornar, o sentinela é a visibilização da Misericórdia de Javé para com o povo, em meio aos problemas e ameaças da sua história.
Esta atitude de permanente vigilância, de contínua conversão do olhar, é também constitutiva da vocação cristã. Jesus a descreve com uma parábola, na qual a lâmpada acesa é o símbolo do olhar transparente e vigilante que deve caracterizar seus seguidores chamados ao “banquete do Reino”.
Seguidores de Jesus, somos chamados a ser permanentemente, na Igreja e no mundo, sentinelas do Rei-no, capazes de discernir com lucidez e perspicácia as interpelações e os desafios que surgem no hori-zonte da história, e que podem ser ou “boa-nova” para o povo, ou “ameaça e atentado”  à sua vida e dignidade.
Cada momento histórico tem os seus “sinais” que remetem a intervenções misericordiosas de Deus na história dos povos. Devemos, portanto, viver a contínua “conversão do olhar”, que nos permita enxergar e anunciar na arena da história, a presença das bem-aventuranças, a lógica maior do Reino de Deus, os sinais da misericórdia infinita do Pai.
A encruzilhada histórica que estamos vivendo parece pedir com mais urgência tal atitude.




Vigiar não significa, portanto, passividade; é ousar renascer, advir, vir-de-novo, recomeçar...
Nessa vigilância vislumbramos detalhes decisivos: a vivência da ternura, a reinvenção da vida em cada amanhecer, o criar asas e alçar vôo, o despertar de sonhos, a gratuidade amorosa, a alegria descontrolada...
Espera-se Jesus vivendo os valores que Ele encarnou: o cuidado dos pobres, a misericórdia aos faltosos, a tolerância para com o diferente, o pão de cada dia a todos, o coração dilatado à misteriosa presença do Amor...
                   “O difícil é esperar. Desespêro é fácil, e é a grande tentação (Péguy).

Um canto de e de esperança segura: esse é o sentido da existência cristã.
Com essa espera de Deus, com essa esperança, o cristão pode dar sabor à sua vida, muitas vezes modesta e simples. Ter esperança é, essencialmente, busca incessante, luta por aquilo que não tem lugar agora, mas, acredita-se, terá um dia.
A esperança tem suas raízes na eternidade, mas ela se alimenta de pequenas coisas. Nos pequenos gestos ela floresce e aponta para um sentido novo.
O Advento nos revela segredos futuros: no ponto final seremos todos acolhidos por Aquele que nos quer “eternos”.  Porque Ele é “terno”. E disso temos saudades.

Textos bíblicos:   Mc. 13,33-37

Na oração:  - adote a atitude do sentinela, que vive alerta, atento, à escuta da Palavra de Deus.
- Deus continua vindo ao nosso mundo, encarnando-se na nossa história, pelo nosso “sim”. Nossa atitude fundamental diante de Deus deve ser a disponibilidade total e ativa.
- O orante deve estar sempre pronto para crer nas infinitas reservas do amor de Deus, na sua inesperada ternura e bondade. Sob o olhar de Deus vivemos uma contínua provocação da atenção, uma contínua surpresa.
Estar diante do “olhar de Deus” nos capacita para termos um olhar de discernimento.
         * O que você está “vislumbrando” no seu horizonte pessoal, eclesial, social...?
         * Em tempo de “crise” o seu olhar obscurece ou permanece cristalino?

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TEMPO SEM ADVENTO

Falar do “tempo” não é tão simples e óbvio; de fato, às vezes, é um problema.
Não é raro encontrar-nos numa situação na qual vivemos o tempo como um túnel, contínuo, repetitivo...
Trata-se de um tempo que absorve, devora, desgasta, esgota...; túnel onde só há presente e sua prolonga-ção homogênea. É cenário de uma frenética e acelerada corrida por rentabilizar ao máximo os minutos e as horas. O tempo torna-se cada vez mais veloz, fugaz, estressante... “Kronos” continua a devorar com maior voragem o que cria. Diante disso, não há futuro auspicioso, nem esperança que sustenta...
Um tempo assim só é habitado por mim mesmo, não há lugar para o outro.
Podemos dizer que um tempo assim cheira a mofo, não está arejado...; monstro que nos devora.
Trata-se de um “tempo sem advento”: não vem ninguém, não esperamos ninguém...
Também Deus não consegue entrar em nossos “tempos apertados”.
No entanto, esta forma desabitada, desesperançada e es-téril não é a única maneira de viver nosso tempo. Uma coisa é “viver no tempo” e outra, muito diferente, é “vi-ver o tempo”, dar sentido e orientação à temporalidade. Só neste último modo pode-se transcender e ser senhor do tempo e da situação, viver sem sobressaltos e sem pressas, serenamente... Viver o tempo intensamente, vivificá-lo, cuidá-lo e artisticamente orientá-lo para aquilo que desejamos. Este “tempo presente” é oportuno, precioso e não volta mais. Vivê-lo para além dele, na espera do que deve vir, carregá-lo de intenção e de presença.

A tirania da agenda e a cobrança de resultados não é o único sentido do tempo e muito menos o mais importante. Existe uma dimensão que sustenta, um nível do tempo mais profundo que sempre esteve aí esperando nossas buscas. É neste nível básico onde respiram nossos desejos, onde nossa esperança bebe, onde nossos sonhos criam raízes... É nele que podemos moldar a arte de viver.
É preciso parar e dar tempo a esse nível “de fundo”, escutar e buscar ali o que dá sentido e fundamento aos nossos outros tempos. Quantas vezes acabamos por transformar o momento num produto de enco-menda, sem ousadia e destituído de criatividade.
Mais uma vez, é preciso parar e descer a esse nível do tempo para ir descobrindo uma presença que completa nosso ser, que plenifica nossa existência, a resposta à nossa interrogação...; está aí, vindo em direção à nossa vida, mais uma vez, como sempre esteve.
“Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo” (Apc. 3,20).

Há um dado que é absolutamente evidente nestes tempos pós-modernos: o futuro que vamos construindo “carece de marcas de certeza” (Lefort). Nossa concepção de futuro se atrofiou: vivemos “tempos sem futuro”. Não podemos prever o futuro com segurança. Hoje, o futuro se apresenta a nós muito mais aberto que em qualquer outra época de nossa humanidade. Os conhecimentos, os meios de comunicação, as técnicas... não nos asseguram uma certeza do que virá. Aventurar no futuro torna-se cada dia mais complexo e difuso, pois predomina a incerteza que nós mesmos geramos.
Além disso, vivemos uma geração que teme o futuro; por isso vivemos um “presente esticado” porque o futuro nos apavora. Já que preferimos não imaginar o futuro, alargamos o presente.
Precisamente porque faltam valores e um sentido para a existência é que se irrompe o medo do futuro, a acomodação, o refúgio no efêmero e no imediato, sem raízes e sem esperança. O medo do futuro nos ajuda a entender a mediocridade e o vazio do presente. Ao reduzir nossos sonhos e aspirações ao consu-mo, reduzimos nossa humanidade e nossa vida.

Precisamos voltar a ter um futuro onde ancorar; um futuro que valha a pena  imaginar e que impulsiona as ações de nosso presente; uma esperança que nos dilate. Sem silêncio, sem profundidade, sem a sabedoria que sabe decantar, nunca seremos arrojados e audaciosos frente ao futuro. Existirá somente angústia e medo.
Ir ao encontro do futuro significa reconhecer antes de tudo que Deus está trabalhando conosco e em nós por nosso futuro. Ele vem ao nosso encontro a partir do futuro e fermenta nosso presente para que nos abramos ao futuro. Deus “vela” nossa passagem através da história, como um dia “velou” também enquanto seu povo “saía” da escravidão do Egito (Ex. 12,42).

Nós vamos ao encontro do futuro não como projeção de nossa necessidade de amor, de vida e de felicidade. Também este é um horizonte válido, mas para o cristão não basta. Nós nos dirigimos ao futuro antes de tudo atraídos por Aquele que plenifica nossa vida já desde agora com ingredientes vitais; trata-se de um futuro entendido como fecundidade de nossas raízes, como plenitude de quanto temos saboreado e encontrado previamente. Deus vem do futuro, como plenitude e totalidade; e do “futuro temos saudade”.
Por isso, a verdadeira fé, para ser autenticamente cristã, tem que orientar-se para o futuro.

O futuro está dominado pela irrupção do Reino, está cheio do senhorio de Cristo, está garantido pela ação renovadora do Espírito.
“Deus espera na fila”. Descobrir esta vinda, atribuir a Ele seu lugar em nosso tempo, é viver o Advento. É preparar-nos para nos deixar completar, responder, plenificar... por Quem nos fez abertos ao dinamismo de sentido que nos impulsiona à vida.
Chega o tempo da espera e da esperança, das buscas e dos silêncios...; o tempo de “olhar”  ao redor e descobrir que Deus continua vindo. Sempre. Por caminhos surpreendentes. Toda a nossa vida é Advento.
Deus está no coração do tempo. Deus está ali como força explosiva que dá à nossa vida nova dimensão e à nossa existência infinito valor. De agora em diante, cada um de nossos momentos está cheio de Sua presença, pois a eternidade está no coração do tempo. Deus transforma o “kronos” em “Kairós”.
A invasão da eternidade no tempo confere ao tempo uma plenitude de ser, um peso de realidade e exis-tência, uma densidade de sentido que ele é incapaz de ter por si só. De agora em diante, nada em nossas vidas é insignificante, nem rotineiro. A ação mais simples é transfigurada e assume uma dimensão eterna e divina. Nada é banal, nada é comum para alguém cuja vida mergulha no eterno.

O Advento é tempo de dispôr-se a algo grande. O que estamos esperando é alucinante, imenso, fora do nosso tempo rotineiro. Intuímos que nossos olhos foram criados para uma visão mais profunda, mais humana, mais plena; desejamos ser um pouco mais lúcidos, mais sensíveis, muito mais corajosos para descobrir a profundidade e a riqueza de tudo o que acontece ao nosso redor e dentro de nós.
Tudo na vida requer preparo, e toda preparação exige empenho e mudança..., envolve uma espera.
Somos feitos disso: desejo, súplica, anseio, busca, esperança... No mais profundo de cada um há uma carência que nos faz bradar ao Eterno, pedindo ajuda: “Vem, Senhor, nos salvar! Vem sem demora nos dar a paz!” Tudo aponta para o vazio infinito dentro de nós, ressoando uma certeza: Ele vem!

Textos bíblicos: Is. 52,7-10  Mc. 1,1-8   2Pd.3,8-14

Na oração: “Venho a teu mundo, a tua vida, a tua história”. Como ressoa em mim esta expressão?
                      - Deus entra em minha agenda, em meu tempo? 






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