
Marco Antonio Velásquez Uribe
Revista: Reflexión y Liberación - Chile
Entre os dias 5 e 19 de outubro
próximo realizar-se-á em Roma a Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos
Bispos para a Família, convocado pelo papa Francisco.
As expectativas do Povo de Deus
foram realçadas com o chamado “Questionário do Papa” que, apresentado em 2013,
surpreendeu pela audácia evangélica ao entrar nas profundezas da vida familiar.
Revelava, assim, a intenção clara
da Igreja por compartilhar “as alegrias e
as esperanças, as tristezas e asangústias dos homens e mulheres de nosso tempo,
sobretudo dos pobres e daquele que sofrem” (GS 1).
Em seguida, as respostas,
analisadas no “InstrumentumLaboris” (publicado no dia 26 de junho de 2014),
deixaram a descoberto o que todos intuíam: a enorme brecha entre os
ensinamentos morais da Igreja e a vida dos fiéis; em síntese, a conhecida
diferença entre a ortodoxia e a ortopráxis.
No intervalo de tempo
transcorrido entre a convocação do Sínodo e o começo do mesmo aconteceram uma
séria de fatos significativos, que trouxeram à tona a existência de um grave
conflito no interior da Igreja e que se refere ao chamado problema da “comunhão
dos separados e divorciados que voltaram a se casar”. O conflito
atualiza as diferenças entre aqueles que defendem as questões dogmáticas e os
pastoralistas. Trata-se de esclarecer teologicamente o âmbito da Lei e o da
Misericórdia. Replica-se, assim, a mesma polêmica com a qual o Filho de Deus
era reiteradamente confrontado pelos mestres da Lei.
Antecipando-se em alguns dias à
convocação do Sínodo, o cardeal Gerhard Muller publicou no L´Osservatore Romano
(23 de outubro de 2013) o documento “A força da graça”, onde enfatizava a
doutrina da indissolubilidade do matrimônio. Poucos dias depois (7 de novembro
de 2013) o cardeal Reinhard Marx declarou publicamente que “o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé não pode acabar com
adiscussão” sobre o tema dos divorciados que voltaram a se casar, por ser
matéria do esperado sínodo. Posteriormente, no consistório realizado em
fevereiro de 2014 em Roma, o cardeal Walter Kasper expôs um extenso documento,
encarregado pelo próprio papa Francisco, para iluminar os caminhos de abertura
à comunhão dos separados e divorciados que voltaram a se casar. O papa, no dia
seguinte, elogiou efusivamente o trabalho do cardeal Kasper dizendo que “isto se chama fazer teologia de joelhos”,
numa clara alusão à teologia da
misericórdia.
Faltando poucos dias para o
Sínodo, um grupo de cinco cardeais (Gerhard Muller, Raymond Burke, Walter
Brandmuller, Carlo Caffarra e Velasio de Paolis) e quatro teólogos (Robert
Dodaro, John Rist, Paul Mankowski e Cyril Vasil) publicaram o livro
“Permanecendo na verdade de Cristo: matrimônio e comunhão na Igreja”, destinado
a dar uma resposta contundente ao documento do cardeal Kasper que sustenta o
espírito de misericórdia do papa. Recentemente, no dia 17 de setembro, o mesmo cardeal
Kasper manifestou com gravidade a surpreendente irrupção deste livro, dizendo “nunca me havia acontecido nada parecido em
toda minha vida acadêmica”, e acrescenta que “durante o Concílio Vaticano II e no pós-Concílio existiam
asresistências de alguns cardeais frente a Paulo VI, inclusive por parte do
então Prefeito do Santo Ofício. Mas, se não me equivoco, não com esta
modalidade organizada e pública”.
Articula-se assim uma oposição
organizada contra a práxis da misericórdia. E sendo a misericórdia o selo distintivo do pontificado de Francisco, fica
assim também definida a oposição organizada para com seu pontificado.
O argumento em favor da abertura
(fundado na misericórdia) recorre a considerações escatológicas frente à
realidade do fracasso conjugal. Em tal caso apresenta a obrigação da Igreja de
oferecer uma “tábua de salvação” que permita às pessoas envolvidas, enfrentar
as exigências da vida familiar.
Justifica assim a acolhida de alguns casos de segundas núpcias que
permitiriam saltar os impedimentos que a inquestionável indissolubilidade
conjugal impõe. Paralelamente busca-se expedir os processos de anulação
matrimonial, removendo assim um obstáculo para o acesso à Comunhão Sacramental.
É evidente que o núcleo do
conflito teológico enraíza-se no princípio da indissolubilidade do matrimônio; um conselho que emana do direito
natural como a melhor garantia para fundar o núcleo essencial da família e da
sociedade, referendado pelo mesmo Jesus Cristo, que recorda a Lei mosaica
dizendo: “O que Deus uniu, ohomem não
separe” (Mt 19,6).
Se a indissolubilidade do
matrimônio é inquestionável, os argumentos em favor da abertura parecem
aproveitar daoportunidade para habilitar a centralidade da misericórdia que permita aos separados e divorciados recasados o
acesso à comunhão .
Mas, é a indissolubilidade o
núcleo do problema do acesso à Comunhão Sacramental?
O núcleo da dificuldade para ter
acesso à Comunhão Sacramental parece estar na condição dogmática da faculdade
para comungar, qual seja, o comungante encontrar-se em estado de graça, vale
dizer, livre de pecado mortal.
No Novo Testamento, onde nasce a
Comunhão Sacramental, não existe nenhuma evidência que indique que para receber
o Corpo e o Sangue do Filho de Deus seja necessário estar em estado de graça.
Mais ainda, na Primeira Comunhão da história, ocorrida por ocasião da Última
Ceia (na instituição da Eucaristia), comunga-ram com Jesus Cristo seus doze
apóstolos, incluído Judas Iscariotes. Alguns Evangelhos dão conta que Judas já
não estava em estado de graça no momento de comungar.
Com efeito, o Evangelho de Lucas
relata: “Satanás entrou em Judas, chamado
Iscariotes, que era um dos Doze.Então ele saiu, e foi tratarcom os sumos
sacerdotes e os oficiais da guarda do Templo, sobre a maneira de entregar
Jesus”. (Lc 22,3-4)
Judas, levando em seu coração o
gravíssimo pecado da traição, tem acesso à Comunhão
Sacramental com pleno consentimento do próprio Filho de Deus, que, logo após
compartilhar “o cálice da nova aliança”, adverte seus apóstolos: “Cuidado! A mão do homem que me atraiçoa está
servindo comigo, nesta mesa. Sim, o Filho do Homem segue o caminho que lhe foi fixado; mas, ai daquele que o
entrega!”(Lc 2,21-22).
(Inclusive no Evangelho de João,
o apóstolo explicita um gesto significativo de Jesus: “Tendo umedecido o pão,ele o toma e dá a Judas Iscariotes, filho de
Simão. Nesse momento, depois do pão, Satanás entrou em Judas. Então Jesus lhe
disse: ‘o que tens a fazer faze-o depressa” (Jo 13,26-27).
Então, é evidente que o próprio
Jesus Cristo, “o que tira o pecado do mundo”, estava em total consciência do
grave pecado de Judas; condição que não impediu que o Filho de Deus lhe
concedesse o sacramento da comunhão. Como consequência, Jesus Cristo deu a
Comunhão Sacramental a Judas Iscariotes, embora tivesse plena consciência de
que não estava em estado de graça.
Com o gesto eloquente de Jesus
Cristo na Última Ceia, fica o desconcertante testemunho que Jesus não impede a
Comunhão Sacramental em um caso de pecado de extrema gravidade, como é a traição
de Judas.
Logo, tudo indica que o Filho de
Deus não negaria o sacramento da comunhão às pessoas que com muitíssimo menos
culpa, fracassaram na vida, como é o caso das pessoas separadas e
divorciadasque voltaram a se casar.
Assim, fica claro que Jesus
Cristo ao instituir o Sacramento da Eucaristia, elevou também a misericórdia à altura do sinal mais
sublime da acolhida cristã manifestado na Comunhão. Nesse momento solene, Jesus
Cristo – Sumo e Eterno Sacerdote – testemunha com fatos o que ensinou previamente:
“Não são os que tem saúde que precisam de
médico, mas sim os doentes. Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia
é que eu quero, e não sacrifício. Com efeito, eu não vim chamar os justos mas
os pecadores” (Mt 9,12-13). Atualizava assim aquela advertência profética
de Oséias: “Quero misericórdia e não
sacrifícios” (Os 6,6).
Visto assim, fica claro que Jesus
Cristo, antes de padecer, estava deixando a seus apóstolos um novo mandamento pastoral:“Não negarás meu Corpo e meu Sangue”. Porque
é impensável imaginar Jesus Cristo negando a Comunhão Sacramental a uma mulher
ou a um homem, deixando-os famintos e sedentos do amor sacramental de Deus,
especialmente quando mais precisam do alimento fecundo de seu Corpo e de seu
Sangue para animá-los a assumir os duros desafios da vida e das obrigações
familiares.
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