COM JESUS, DESCER À PRÓPRIA HUMANIDADE
“Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer
deste pão viverá eternamente” (Jo 6,51)
Com esta afirmação
lapidar, Jesus está se manifestando como o Enviado de Deus; mas não usa como
sinal o legado poderoso, os atributos régios, os resplendores, as armas, os
tronos, as vestes nobres: usa como sinal o pão,
ou seja, vida que se desfaz em
favor dos outros. Vida expansiva para que outros vivam.
Jesus compreendeu-se
a si mesmo no pão, compreendeu-se no vinho, ou seja, ser para os outros
alimento e alegria. Grãos e espigas moídos para alimentar; uvas pisadas para
expelir o saboroso vinho.
Jesus é reconhecido
no pão que “desce” e desaparece nos outros,
dissolvendo-se no mais íntimo de cada um, despertando alento, dando calor,
força e sentido a partir de dentro.
Jesus Cristo, ao
fazer-se pão, acolheu tudo quanto é humano
e desta maneira tudo redimiu.
Em sua humanidade, Ele alimentou e saciou
nossas carências mais profundas; ao mesmo tempo, ativou e despertou outras
grandes “fomes”: comunhão, compaixão, solidariedade...
Com estas duas palavras, “descer” e “subir”, o Evangelho de João
descreve o mistério da Redenção
realizada por Jesus Cristo. Se com
Jesus quisermos subir ao Pai, temos primeiro que descer com Ele à terra, afundar os pés na nossa própria condição humana.
Todo aquele que pensa que para
aproximar-se de Deus tem que se afastar do humano, deforma a própria imagem de
Deus, que em Jesus “desce”, faz-se pão para alimentar e humanizar a todos. O
caminho para aproximar-se de Deus é o caminho que Deus fez para aproximar-se do
ser humano: “humanizar-se”. Não há outro caminho. Esse caminho nos dá medo,
porque nossos instintos de “eudeusamento” são mais fortes que a simplicidade
própria do humano. E a humanidade de Jesus nos assusta porque des-vela tudo o
que há de mais desumano em nós e nas nossas relações.
Nós
“subimos”
a Deus quando “descemos” à nossa humanidade. Este é o caminho da liberdade, este é o caminho do amor e
da humildade, da mansidão e da misericórdia; é o caminho de Jesus também para
nós.
O
coração, a quem não é estranho nada
do que é “humano”, alarga-se, enche-se do amor de Deus, que transforma
todo o humano. O caminho da humildade
é o caminho da transformação.
Ao
fazer, junto com Jesus Cristo, o caminho da “descida”, o ser humano vai ao encontro de sua realidade e
coloca-se diante de Deus para que Ele transforme em amor tudo quanto existe nele, para que ele seja totalmente
perpassado pelo Espírito de Deus.
“Descer” e “subir”, portanto, são
imagens para descrever o processo de transformação realizado por Jesus no
interior de cada um de nós. Não podemos “subir” se não estivermos dispostos a “descer”
com Ele ao nosso “húmus”, às nossas sombras, à condição terrena, ao
inconsciente, à nossa fraqueza humana.
Jesus curava e
ensinava, alimentava (partilhava os pães) e anunciava a chegada do Reino (paz
plena, vida partilhada), fazendo-se “alimento” para os outros.
Esta é a
verdade, a revelação emocionante, a grande novidade deste evangelho de João,
que recolhe o que há de mais profundo da mensagem e da vida de Jesus: para
dar alimento é preciso fazer-se alimento.
Jesus não só
ensina e dá o alimento, mas Ele mesmo “desce” e se converte em alimento. Esta é
a sua novidade “teológica”, sua novidade humana, a verdade mais profunda da
Eucaristia: compartilhando o pão de Jesus (em memoria de sua vida e de sua
morte), seus discípulos descobrem que Jesus mesmo é alimento e que eles devem
se fazer alimento uns para os outros.
Jesus Homem se
faz “pão”, humanidade convertida em
alimento para os outros. A Vida Eterna não se revela num gesto de pura
interioridade, mas no encontro e comunhão de uns com outros... Quem crê nos
demais, quem compartilha com eles a vida (fazendo-se eucaristia) tem a vida
eterna, porque Deus é Comunhão de Vida e porque Jesus é a revelação mais alta
desse Deus entre nós.
Nesse contexto é preciso dizer
que o verdadeiro alimento é a vida mesma
do ser humano: Jesus se fez alimento para os outros, saciou a fome de justiça e
amor. Ele é o alimento que gera vida nova no mundo, vida oferecida e
compartilhada. Um alimento “subversivo” porque subverte a tradicional “ordem”
das coisas. “Eu
sou o pão da vida”. Antes de partir o pão, Jesus parte-se a si
mesmo, faz-se alimento. Toda sua vida foi entrega. Sua vida inteira dá
significado ao partir, compartilhar e repartir o pão da vida.
Porque Jesus é
“pão descido do céu” e porque compartilhamos sua vida, também nós podemos e
devemos “descer” e sermos comunhão de vida. Neste sentido, todos somos pão de
Eucaristia.
Cada ser humano
é “pão vivo, descido do céu” para outro ser humano; cada homem, cada mulher é revelação
de Deus, pão de vida eterna para os outros. Por viver neste nível, por
entregar-se e compartilhar a vida neste plano, os homens e mulheres “não
morrem”, tem vida eterna.
E é isso que, no
nível mais profundo, somos todos. Todos somos Vida, todos somos “pão
de vida”.
Somos pão
quando alimentamos o outro na esperança, no perdão, na acolhida, na compaixão,
no compro-misso... Sim, podemos multiplicar o pão da festa, da alegria, o pão
da justiça, o pão da ajuda fraterna... Quanto pão para ser dividido! “Tornar-nos
pão” significa “descer” em nossa própria condição humana para
expandi-la em atitudes de serviço, partilha, solidariedade...
Ser “pão para a vida” é confessar que ser
seguidor de Jesus é ser-para-os-demais, é comprometer-se a ser fermento de
unidade, de amor, de paz, é consumir-se para que outros vivam. Se nossa
participação no “pão da mesa” não
colocar em questão nossos egoísmos, nossos preconceitos, nossas rivalidades, nos-sos
complexos de superioridade..., não tem nada a ver com o que Jesus quis
expressar com o “discurso do Pão da
Vida”.
Aproximar-nos do Pão da Vida para sermos “pão de vida” constitui-se como o
momento mais “subversivo” que podemos imaginar: fazemos memória do que Jesus
foi durante sua vida (pão para os outros) e nos comprometemos a viver como Ele
viveu (“fazer-se pão para os outros”).
Ao comer
o pão e beber o vinho “fazendo memória”, estamos prolongando um “estilo de
vida”, fundamentado no modo de viver de Jesus. O que quer dizer é que fazemos
nossa Sua vida e nos comprometemos a nos identificar com o que foi e fez Jesus.
Tomar o pão e o vinho da Eucaristia é fazer memória de uma presença que nos compromete.
Texto bíblico: Jo. 6,41-51
Na oração: Ser pão em Cristo:
os ingredientes de minha massa.
Ao “amassar” a minha vida
para querer ser pão... de quê sou feito?
A farinha é o
que dá consistência e firmeza ao pão, brindando-o com diferentes formas e
estruturas.
Minha farinha é
aquilo sobre a qual me sustento. É essa voz, no mais íntimo de mim mesmo, que
me confirma: “sou eu”. É tudo aquilo sobre a qual posso deter-me sabendo que se
trata de terra firme onde colocar-me de pé e levantar-me. É minha palavra,
aquela que me pronuncia. É feita de meus valores, minhas crenças, minhas
certezas; é o que creio sobre Deus, sobre o mundo, sobre minha identidade; é
aquilo que assumo como bandeira de minha existência, aquilo que me faz seguro,
confiável, sólido; é aquilo que permanece, atravessando a passagem do tempo e o
embate de diferentes tormentas em minha vida.
A farinha é
também aquilo que creio sobre mim mesmo, minhas firmezas, minhas convicções: é
a imagem que tenho de mim, através de minhas circunstâncias ricas e frágeis, e
que constitui minha verdadeira identidade.
Rezar a “farinha”
de minha existência.