RAMOS: é possível humanizar nossas cidades?
“...encontrareis amarrado um
jumentinho que nunca foi montado; desamarrai-o e trazei-o aqui”
Nas celebrações da Semana Santa, muitas
vezes corremos o risco de nos deter no secundário e esquecer o essencial. E o
mais essencial é que as diversas celebrações (procissões, via sacra,
liturgias...) nos aproxi-mem e nos façam crescer na identificação com o
protagonista principal: Jesus de Nazaré.
Por isso, precisamos voltar constantemente ao
Evangelho para compreender o mais essencial sobre Jesus. Recuperemos, como diz
o papa Francisco, o frescor original do Evangelho.
E a primeira coisa que o Evangelho nos diz é
que Jesus foi um buscador de alternativas.
Ele não foi conivente e nem compactuou com a
estrutura social-política-religiosa de seu tempo, que era profundamente desumanizadora.
Sonhou novas possibilidades de vida e novas relações entre as pessoas. Por
isso, ao anunciar o Reino, transgrediu a situação vigente e, a partir das
periferias, foi despertando uma alentadora esperança nos corações dos mais
pobres e excluídos, vítimas de um mundo fechado.
Com sua entrada em Jerusalém, Jesus quis recuperar a cidade
como lugar do encontro e da comunhão, como espaço da paz e da solidariedade...
desalojando aqueles que se fechavam a qualquer tentativa de mudança. Por isso,
seu gesto provocativo e escandaloso de entrar na cidade montado num jumentinho,
símbolo da simplicidade e do despojamento de qualquer pretensão de poder e
força, causou violenta reação naqueles que se beneficiavam da estrutura
política e religiosa da cidade.
Jesus participava do sonho de todo o povo de
Israel que via em Jerusalém a cidade
da promessa de paz e plenitude futura, lugar onde deviam vir em procissão todos
os povos da terra. A tradição profética havia anunciado uma “subida” dos povos, que viriam a Jerusalém para
iniciar um caminho de comunhão e justi-ça e adorar a Deus no Templo, que
estaria aberto para todos. Toda a cidade se converteria num grande Templo, lugar onde se cumpre a esperança dos
povos.
Jesus sobe a Jerusalém anunciando
a chegada do Reino de Deus que deveria
manifestar-se ali, mas de uma forma diferente: com um Templo sem culto
sacrifical, aberto para todas as gentes, com uma nova estrutura humana aberta
ao senhorio de Deus.
Jesus, Filho de Davi, tinha que
subir à cidade de seu antepassado Davi, não para conquistá-la militarmen-te e
reinar, a partir dela, sobre o mundo, mas para instaurar ali outro Reinado,
fundado precisamente nos pobres e expulsos dos reinos da terra. Para Jesus,
Jerusalém deveria ser entendida como centro da nova humanidade messiânica,
capital do Reino dos excluídos da velha história humana.
Jesus tomou a cidade sem conquistá-la. Dom do
Reino. A subida a Jerusalém foi um gesto profético, de caráter pacífico
(não violento) e por isso de forte conotação política, não na linha da tomada
do poder (Jesus não conquistou Jerusalém), senão de oferecimento e comunicação
de vida. Não quis invadir a capi-tal com armas e exército, para que mudasse
simplesmente de dono (sentando-se sobre o trono de Davi para reinar), nem quis
estabelecer um Estado melhor (com bons administradores), senão algo mais revolu-cionário:
“tomou” a cidade sem dominá-la, com seu anúncio do Reino e com seu ensinamento.
A entrada de Jesus em Jerusalém
nos revela que Ele foi transgressor e rebelde frente ao poder estabele-cido,
sobretudo o poder religioso que impõe suas normas de verdade e de pureza acima
da vida. Jesus sabia que com isso arriscava a vida. Mas, ao pressentir seu
final violento, não arredou pé, senão
que fez frente ao Templo e ao Palácio. O que estava em jogo era mais que
sua vida, era a Vida: era a antiga
promessa de todos os profetas, era a libertação universal esperada, era a igualdade de homens e
mulheres ainda sem construir, era a
erradicação de toda violência e poder, era a instauração do Reinado da justiça
e da paz. Tudo isso estava em jogo, e a fé de Jesus, mansa e rebelde, foi maior
que seu medo. Montou sobre um humilde jumentinho e desafiou o Império e o Templo,
com suas cortes e legiões e todas as suas inumanas ordens sagradas.
Jesus
entra em Jerusalém rodeado do povo, das pessoas simples. Este povo escravo e
oprimido o aclama porque vê em n’Ele uma luz de esperança, de vida, de
libertação. Escutaram suas palavras e viram seus feitos durante alguns anos.
Escutaram palavras de vida, de justiça, de amor, de misericórdia, de paz...
Viram
seus gestos de cura dos enfermos, de defesa dos fracos, de dar alimento aos
famintos, de reabilitar os desprezados, de acolher os marginalizados, de
enfrentamento dos opressores...
Jesus
quer continuar anunciando e realizando na cidade de Jerusalém aquilo que fizera
na região excluída da Galiléia; quer também humanizar esta cidade para que ela
seja sol de justiça e paz para todos os povos.
E nós, se queremos continuar a percorrer o
caminho que Jesus abriu, temos de ser também buscadores de alternativas. Vivemos em uma sociedade na qual parece que já não é
possível outra economia nem outra política, que temos de nos resignar com o que
é imposto, que não há alternativas, que só são possíveis pequenos retoques no
sistema sócio-econômico que nos rodeia.
Hoje, nós seguidores do Nazareno,
temos de crer firmemente que é possível um mundo diferente, uma cidade
diferente, uma sociedade diferente onde a fraternidade, a igualdade e a
verdadeira democracia se façam realidade. Um mundo, em definitiva, em que se
respeitem os direitos de todas as pessoas e os direi-tos da mãe Terra, onde o
compartilhar seja o mais normal e natural.
“A fé nos ensina que Deus vive na cidade, em
meio a suas alegrias, desejos e esperanças, como também em meio a suas dores e
sofrimentos. As sombras que marcam o cotidiano das cidades, como exemplo a
violência, pobreza, individualismo e exclusão, não nos podem impedir que
busquemos e contemplemos o Deus da vida também nos ambientes urbanos. As
cidades são lugares de liberdade e oportunidade. Nas cidades é possível
experimentar vínculos de fraternidade, solidariedade e universalidade. Nelas, o
ser humano é constantemente chamado a caminhar sempre mais ao encontro do
outro, conviver com o diferente, aceitá-lo e ser aceito por ele” (Doc.
Aparecida, n.514).
A espiritualidade da presença cristã no meio
urbano convida a descobrir e indicar as presenças reais do Deus que in-habita
em pessoas, casas, bairros, povos, cidades e metrópoles. “O coração dos povos é o santuário de Deus”. Trata-se de “passear
com o Absoluto pelas ruas da cidade” (Michelstaeder)
O Deus presente nas cidades é um Deus que nos
chama e interpela a partir do reverso da história, a partir dos lugares
ocultos, dos “outros-espaços” de nossas cidades.
A cidade que Deus quer: uma praça
e uma mesa para todos. A praça é de todos e todos podem caber na praça quando
esta começa pelas vítimas e pelos últimos, onde todos podem circular
livremente, criar relações e convivência, com a experiência de ser aceito e
reconhecido como humano.
A mesa, no centro da praça, é
lugar de hospitalidade, de aceitação e de encontro, lugar de chegada e entrada
da pluralidade e diversidade como a Nova Jerusalém.
“Entrar na nossa Jerusalém” é comprometer-nos
com uma cidade mais humana e humanizadora; a cidade que sonhamos e que
queremos: a Cidade Nova. E o seguidor de Jesus tem em quem se inspirar.
Texto bíblico: Mc
11,1-10
Na
oração: rezar
sua presença na cidade onde mora: é presença inspiradora, profética, de
compromisso
com a construção de relações
humanizadoras?...
Fazer
“memória” daquilo que é mais desumano na sua cidade: como você reage diante disso?
passivo?
suporta?
denuncia? atua?...
Você
participa de alguma instituição, organismo, Ong... que ajuda a humanizar mais a
sua cidade?