DESCONCERTANTE
JESUS
“Daí
a César o que o que é de César e a Deus o que é de Deus” (Mt 22,21)
Jesus foi um homem que viveu e falou de tal
maneira que se tornou desconcertante para aqueles que o conheceram e se
aproximaram dele. Até o final de sua vida, Ele desconcertou todo mundo.
Desconcertou, sobretudo, aqueles que estavam
confortavelmente instalados na estrutura religiosa e política da época: os
fariseus e herodianos, que se uniram para armar-lhe uma cilada.
Jesus desconcertou porque colocou o ser humano no centro de sua missão; Ele
tornou-se surpreendente porque não se conformava com a situação injusta imposta
aos mais fracos e sofredores; com sua liberdade provocativa pôs a descoberto as
mazelas sustentadas pelos encarregados da religião (fariseus) e pelos
colaboracionistas do império romano (herodianos).
Jesus impressionou, surpreendeu, inovou
a partir da sua relação com Deus, chamado familiarmente de Abbá, que lhe
conferia "autoridade" para
denunciar todo tipo de poder que desumaniza.
Trata-se de uma autoridade diferente da
do mundo, uma autoridade que não tem como fim exercer um poder sobre os outros,
mas servi-los, devolvendo-lhes a liberdade e a plenitude de vida. Viveu totalmente dedicado, não precisamente ao
imperador César, mas aos empobrecidos e excluídos do império.
E isso até o ponto de pôr em jogo a sua
própria vida.
Jesus se tornou um
sinal de contradição porque
permaneceu absolutamente fiel a uma mensagem,
a um modo
de agir e a uma missão que havia recebido do Pai e
que devia realizar com critérios e opções coerentes com o conteúdo do seu
Evangelho.
Desde o início de sua
vida pública Jesus exerceu considerável poder de sedução sobre os pobres e excluí-dos da Galiléia. Seu fascínio
sobre o povo não tinha nada de improvisado, mas era fruto de anos de soli-dariedade
com os simples, os doentes, os pecadores... Não tinha terras, não possuia denários de
prata, não tinha poder. Vivia de maneira pobre e livre, totalmente centrado na
busca do Reino de Deus e de sua justiça. A riqueza original desse sonho primordial não se “encaixou”
nos esquemas dos fariseus e herodia-nos, dos sacerdotes e anciãos do povo, dos
saduceus, dos essênios ou zelotes, nem
se deixou instrumenta-lizar pela instituição do Templo ou sinagoga.
Isso inquietava as instituições, políticas e
religiosas, pois a presença original e crítica de Jesus ameaçava pôr por terra
toda uma estrutura extremamente injusta cujas primeiras vítimas eram os pobres
e excluídos.
Jesus optou por ficar do lado das vítimas.
Essa situação conflituosa de Jesus com os “podres
poderes” é o resultado do confronto entre sua missão (que anuncia a justiça do Reino e as bem-aventuranças) e a realidade que não quer ouvir e rejeita
a novidade do Reino.
Além disso, o Deus que Jesus nos revela é o Deus que se faz presente no pequeno,
no simples, naqueles que não tem voz e nem vez neste mundo. Não é o Deus do poder
absoluto, nem o Deus que exige obediência e submissão àqueles que se apresentam
como representantes do divino.
O Deus que Jesus nos faz conhecer não é
o Deus que nos complica a vida com normas e leis, nem nos impõe pesados fardos,
mas o Deus que se humaniza para humanizar nossa vida. E assim Jesus
nos indi-ca que só na medida em que nos fazemos mais humanos, nos
fazemos mais semelhantes a Ele que, para aliviar o sofrimento humano, se
comprometeu com os que sofrem, até identificar-se com eles na morte.
O Deus de Jesus é o Deus
que responde e corresponde aos anseios de respeito, dignidade e felicidade que
todos trazem inscritos no sangue de suas vidas e nos sentimentos mais
autênticos e nobres.
O Deus Misericordioso
não impulsiona ninguém a desejar poderes, por mais divinos que sejam. Ele é o
Deus que só legitima a identificação e até a fusão com o destino das vítimas
deste mundo.
Esta foi a principal fonte de conflitos de Jesus com os aqueles que,
em nome de Deus, exerciam o poder e a dominação sobre as pessoas e sobre o mais
íntimo que há em cada um: sua consciência e sua liberdade para tomar decisões
na vida e expressar sua fé em Deus. É nesse contexto que os fariseus e
herodianos se unem contra Ele com uma pergunta capciosa: “É lícito ou não pagar o tributo a César?”
A resposta de Jesus tem dado margem a interpretações distorcidas. De
fato, Jesus acrescenta uma grave advertência sobre algo que ninguém lhe
perguntou: “dai
a Deus o que é de Deus”.
Jesus não põe Deus e César no mesmo nível, senão que
toma partido por Deus.
Com sua resposta, Jesus propõe um
princípio de validade permanente: a rejeição a absolutizar qualquer tipo de poder. César se impõe (imposto) pelo poder, que oprime e exclui; Deus
não se impõe (não é imposto); faz-se dom, esvazia-se de todo poder e se
aproxima de nós, se faz comunhão.
O relacionamento entre o ser humano e Deus dá-se na
esfera da mais pura liberdade, lá onde as decisões são ditadas pelo amor.
Jesus denuncia a submissão dos fariseus
e herodianos que carregavam consigo moedas com a imagem do imperador romano:
vivem como escravos submissos a um poder que desumanizava e humilhava a todos
com pesados impostos. Mas o ser humano é “imagem” de Deus e só a Ele
pertence. O único absoluto é Deus. Trata-se de uma “submissão amorosa” que não
se impõe (imposto), pois nos convida a entrar em sintonia com Ele, numa
comunhão de vida e compromisso com os outros.
Alguns biblistas traduzem a expressão “dai
a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” por “re-tirai
de César
o que é de Deus”,
ou
“não dai a César o que é de Deus”, ou ainda, “dai a César o
que é de César, mas não lhe deis o que é de Deus”.
Em outras palavras: não entregueis a nenhum César o
que é de Deus: seus pobres. Os pequenos são os prediletos do Pai; o Reino de
Deus pertence aos pobres. Não se pode sacrificar a vida e a dignidade dos
indefesos a nenhum poder político, financeiro, econômico ou religioso. Os humilhados
pelos poderosos são de Deus e de ninguém mais. Que nenhum poder abuse deles;
que nenhum César se imponha.
Texto bíblico: Mt 22,15-21
Na oração: “Quem é o senhor que move nossa vida?
Alimentamos diferentes
“césares” em nosso coração, aos quais nos fazemos submissos: instinto de posse,
busca de poder e prestígio, consumismo, obsessão por um bem-estar material
sempre maior, o espírito de competição... Quando é “cézar’ que determina nossa
vida, sua influência envenena nossa relação com Deus, deforma nossa verdadeira
identidade e rompe nossa comunhão com os outros; nos desumanizamos...
Como
seguidores de Jesus, devemos buscar nele a inspiração e o alento para viver de
maneira livre e solidária.