Teológico Pastoral

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Homilia Dominical - 3o. Domingo Comum

JESUS, “O HOMEM EMBRIAGADO COM A PALAVRA


“Todos davam testemunho a seu respeito, admirados com as palavras cheias de encanto que saíam da sua boca” (Lc 4,22)

 “Nós somos palavra”. Somos feitos para a comunhão, para unir as nossas vidas. É graças à força das palavras que derrotamos o silêncio angustiante da solidão, derretemos o gelo da indiferença, criamos pontes, abrimos horizontes e chegamos a lugares jamais imaginados ou tocados pelos nossos pés.
Quando não existe a troca de palavras, ditas e ouvidas, a vida é mutilada nas suas expressões mais vitais, as espirituais. Talvez porque sejam a mais genuína invenção humana.

A palavra tem os atributos divinos. Os próprios textos sagrados nos dizem que “Deus é Palavra” e, em Jesus, ela se faz carne.
Chegada a plenitude dos tempos, Deus disse sua Palavra definitiva e insuperável em Jesus. 
Ele, em sua vida e missão, prolonga a Palavra criativa de Deus; começa a falar uma Palavra sedutora a partir da margem geográfica, cultural, religiosa e econômica.
Palavra encarnada, Jesus sintoniza e ajusta sua palavra à palavra do Pai.
Com sua vida e sua palavra, Jesus interrompe o discurso dos especialistas sobre Deus. A surpresa, o desapontamento e o conflito que Jesus provocou, ensaiam cada dia novas palavras e novos gestos.
Seu ensinamento, cheio de “autoridade” introduz uma perspectiva nunca ouvida antes; apresenta uma alternativa que as pessoas mais simples do povo entendem como revelação do Pai aos pequeninos.
No encontro com a realidade dos pobres e excluídos, Jesus extrai palavras significativas, previamente cinzeladas e incorporadas no seu interior, onde elas revelam dinamismo, sentido e alteridade; sua palavra brota de uma vida interior fecunda e conduz a uma vida comprometida.
A partir das periferias do mundo surge um canto de vida nova, a sabedoria oculta a muitos sábios e expertos. É uma sabedoria que vem de Deus, desconcertando a sabedoria exibida a partir do centro.
Suas palavras revelam uma força “re-criadora”, que é o sentido belo do viver; através delas Jesus põe em movimento a realidade, reconstrói pessoas feridas em sua dignidade, comunica saúde onde há enfer-midade, faz emergir a vida onde impera a morte.

As palavras tem um peso no anúncio e na atividade missionária de Jesus; não são neutras.
Como um raio x que transpassa, as palavras proferidas por Ele iluminam os recantos mais profundos do ser humano; como um refletor em noite escura, ela reacende a esperança onde tudo já perdeu o sentido; como a chuva em terra seca, ela desperta novidades na vida, sacode as consciências adormecidas, põe em questão as atitudes de indiferença e de fechamento...
É extraordinário perceber como as palavras ditas com cuidado e amor (pedagogia de Jesus) produzem efeitos benéficos para o ser humano. Suas palavras são bem-aventuradas, pois são capazes de fazer crescer, sustentar, edificar as pessoas para o convívio social, humano-afetivo, espiritual. São palavras que trazem luz e calor, infundem confiança e segurança.
Suas palavras jamais deixam as coisas como estão. Elas não se limitam a transmitir uma mensagem; elas tem uma força operativa, desencadeiam um movimento...

É preciso, a partir do encontro com Jesus Cristo, “sentir” a palavra que proferimos a cada instante; veri-ficar se a palavra pronunciada procura traduzir a palavra interior, se sabemos “empalavrar”, ou seja “pôr em palavras” nossa realidade interior e exterior.
Desde o nascimento até à morte, continuamente estamos “empalavrando” nossos sentimentos, sonhos, as-pirações... A palavra abarca todas as expressividades humanas. Ela não se reduz à oralidade: a gestua-lidade, a linguagem corporal, a presença solidária e compassiva... tudo isso também forma parte da pala-vra humana. Os comportamentos éticos e os valores também são formas de “empalavramento”.
As palavras são, ao mesmo tempo, pensamento, ação, sentimento...
Não possuímos nada que tenha, ao mesmo tempo, o poder e a leveza das palavras.
Em todos os lugares aonde vamos somos cercados por elas; palavras murmuradas com suavidade, proclamadas em altas vozes ou berradas irritadamente; palavras faladas, recitadas ou cantadas; palavras em sites, em livros, em muros ou no céu; palavras de muitos sons, muitas cores ou muitas formas; palavras para serem ouvidas, lidas, vistas ou olhadas de relance; palavras que oscilam, que se movem devagar, dançam, pulam ou se agitam.
As palavras podem mudar a vida, para o bem ou para o mal. Há palavras que ferem e há palavras que curam. Há uma palavra que constrói e uma que destrói, uma palavra que comunica calor e luz, outra

que semeia frieza, uma que infunde confiança, outra que arrasa...
As palavras nos tocam e nos modelam; às vezes, elas nos tocam como brisa suave, outras vezes como punhais, mas sempre nos deixando marcas profundas de estímulos ou de desânimo: sentimentos de a-legria ou tristeza, de paz ou inquietação, de fé ou descrença, de amor ou ódio...
Há uma palavra pela qual tudo começa e re-começa, outra pela qual tudo termina, deixando o silêncio atrás de si. Depois de certas palavras, não resta mais nada a dizer.
Todos conhecemos pessoas destruídas pelas palavras, como também pessoas reconstruídas, recriadas pelo toque das palavras. A palavra tem uma força reconstrutora.

As palavras perdem força e criatividade quando não nascem do silêncio. O mundo está repleto de “pa-pos” vazios, confissões fáceis, palavras ocas, cumprimentos sem sentido, louvores desbotados e confidên-cias tediosas, palavras enfeitadas e vazias, sem alma, nem paixão. Vivemos cercados de “palavras vãs”.
Às vezes temos a sensação de que as palavras nos saturam: nas aulas, na televisão, nos jornais, nas litur-gias, na Internet, nas redes sociais... há demasiado palavrório. Carecemos de poesia.
Sem dúvida, em nossa sociedade pós-moderna, a palavra cada vez tem menos relevância, cada vez é menos significativa. Elas são atrofiadas, manipuladas ou submetidas a um violento  esvaziamento de significados, segundo nossa conveniência.
Vivemos hoje uma “crise gramatical”, ou seja, temos cada vez menos palavras. O leque de palavras carregadas de sentido é muito limitado. Daí a dificuldade de encontrar palavras para nomear a experiência de Deus, para expressar as grandes questões da vida, para dar sentido a uma busca existencial.
Vivemos tempos de “fratura da palavra” e, portanto, “fratura de sentido”. E a raiz disso tudo está na carência de uma interioridade, lugar da gestão das palavras de sabedoria que inspiram nossa vida.
Quem sabe articular  silêncio e  palavra é um verdadeiro artífice da vida.

Texto bíblicoLc. 4,21-30 

Na oração: Percorrer as palavras proferidas, normalmente, ao
                    longo do dia: são palavras que elevam? curam?
animam? Palavras marcadas pela esperança? Palavras carre-gadas de sentido? Palavras criativas?
Cave palavras nas minas do seu silêncio, e deixe que o Espírito diga a “palavra” misteriosa, diferente, reve-ladora de sua verdadeira identidade. Somente o silêncio poderá gerar “palavras de vida”.
- Busque palavras nas profundezas de seu interior, palavras carregadas de sentido e de ânimo.
- Crie silêncio para poder dialogar com seu eu profundo, para ver o que há atrás de suas palavras, de seus
  sentimentos, de suas intenções... Silêncio para tentar ir ao coração de sua verdade.








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