A ESPERANÇA DE VIVER O PRESENTE DE MANEIRA
CRIATIVA
“O céu e a terra passarão, mas as minhas
palavras não passarão” (Mc 13,31)
Estamos chegando ao final de mais
um “ano litúrgico” (este é penúltimo domingo), e a liturgia nos propõe leituras
que, fazendo referência aos “últimos tempos”, querem nos convidar à
“vigilância” e a atenção ao tempo presente.
O Evangelho de hoje
é parte do cap. 13 do Evangelho de Marcos, que contém um breve “apocalipse”, ou
seja uma revelação, um des-velamento, um des-nudamento dos múltiplos véus que
revestem o palco, lúdi-co e trágico, da encenação do drama humano, com suas
contradições, incertezas, promessas e esperanças.
Devido às
imagens que este gênero literário utiliza, com frequência atribui-se ao termo “apocalipse” um significado de
“catástrofe” ou “destruição”. A realidade, no entanto, é diferente.
Etimologicamente “apo-kalypsis” significa “destapar o que está escondido”,
“tirar o véu”, “des-velar”, ou seja, “re-velação”.
À mesma raiz
pertence a palavra “eucalipto”, cujo significa etimológico é: “eu-bem”;
“kalypsis- escondido”, fazendo referência ao fato de que tem perfeitamente
escondidas suas minúsculas sementes.
Assim pois, etimologicamente,
“apocalipse” equivale a “verdade” (“aletheia”=sem
véu). E, como consequência, o escrito apocalíptico pretende “retirar o véu” que
nos impede reconhecer as coisas como são, ou seja, revelar-nos o que se
encontra por debaixo da superfície, em um nível mais profundo. É como se o
autor quisesse nos dizer: “as coisas não
são o que parecem ser”.
Em cada
momento histórico o texto do Apocalipse é lido e interpretado em função dos
acontecimentos. Este gênero literário é uma luz que nos ajuda a “ler” a realidade (interior e exterior),
desvelando tudo o que acontece nela e assim poder assumir uma atitude mais
coerente com a proposta do Evangelho.
Assim,
pode-se “ler” esse texto como se escutasse um sonho revelador.
O Apocalipse, portanto, é um empenho da
comunidade cristã em dar sentido a tudo o que está aconte-cendo e assim
reencontrar sua dignidade no coração das situações mais difíceis.
A revelação que ocorre no interior de
cada um e na realidade que nos envolve é o des-velar (tirar o véu) de uma Presença.
No centro de nossa solidão e de nosso exílio
não estamos sozinhos, mas temos a visão de Alguém, que vem ao nosso encontro.
No texto evangélico de hoje nos é
revelado, através de sinais (abalos celestes e terrestres, tribulações...), que
esta ordem das coisas (o “mundo”) vai ser renovado em profundidade. Tudo desmorona à nossa vol-ta, tudo vai
desaparecer; mas o que o texto parece resgatar é a contundente confiança
na afirmação e na promessa de Jesus: “O céu e a
terra passarão, mas minhas palavras não passarão”. As Palavras do Fi-lho do Homem constituem o nosso
rochedo, são a nossa força. É um convite a nos re-centrar.
Quando
somos transtormados pelos acontecimentos e somos levados pelas nossas emoções,
pelas nossas reações, pelos nossos medos, é preciso voltar ao centro.
O
ciclone tem uma violência enorme e gira velozmente, mas seu centro é calmo,
imóvel.
É
preciso voltar ao centro do ciclone onde está o “Filho do Homem”, onde está o
coração, onde está o Cordeiro. Esta vida nova está no centro da situação que
vivemos, no centro desse mundo que é o nosso.
É a
partir do interior que algo pode mudar.
Nesse sentido, o gênero “apocalíptico”
vem nos dizer que, para além daquilo que possa ocorrer na super-fície da
história pessoal e coletiva, há uma Realidade estável que nos sustenta e
que podemos experimen-tá-la como “rocha firme” sobre a qual firmar nossos pés.
A velha ordem virá abaixo para ser substituída por um mundo novo que será
inaugurado pela presença do Filho do Homem, reunindo toda a humani-dade (“os
quatro cantos”) e estabelecendo o “Reinado de Deus”.
Trata-se de um
anúncio esperançador e certo. Esperança
representada pela imagem da figueira que, carregando-se de brotos, anuncia a
primavera. Esse é o nosso destino: caminhamos para uma Primavera que não
conhecerá ocaso.
Na realidade, os
discursos apocalípticos, a pesar de sua aparência, são sempre um chamado à esperança,
que não é uma
projeção para um determinado futuro, que serve para fugir do presente ou para
poder “suportá-lo”; nem pode ser entendida como mera “expectativa” que nos
afasta do presente, senão que nos faz ancorar nele, ou seja, viver na Plenitude
do que é, no Presente pleno e com sentido.
A esperança, talvez mais do que qualquer
outra inclinação ou disposição, está bem no cerne do ser humano e de sua
existência, fazendo-o viver e dando sentido à aventura de sua existência. Basta
pensar no que significa o desespero, a ausência de horizonte, a falta ou a
perda de todo projeto possível, para com-
preender que a esperança emerge das profundezas do ser
humano. Sem esperança , ele não pode viver.
O ser humano é ser “esperante”.
Segundo Rubem
Alves, a esperança é o oposto do
otimismo. Otimismo é quando, sendo
primavera do lado de fora, nasce a primavera do lado de dentro. Esperança é quando, sendo seca absoluta
do lado de fora, continuam as fontes a borbulhar dentro do coração. Otimismo é alegria “por causa de”: coisa
humana, natural. Esperança é alegria
“apesar
de”: coisa divina. O otimismo
tem suas raízes no tempo. A esperança
tem suas raízes na eternidade.
A esperança carrega uma força misteriosa,
um sopro criador, um alento espiritual que nos leva a olhar tudo com fé e
encantamento; é um princípio vital, expresso na sábia e verdadeira constatação
de que “enquanto há
vida há esperança”. Mesmo diante de
intransponíveis situações, vislumbramos possibilida-des de saída, achamos
possível ser de outro modo, inventamos e reinventamos alternativas, recusamos a
possibilidade de as realidades nos dominarem e, sem cessar, sonhamos com o mais
e o melhor.
A
esperança é gestora do futuro e rompedora da dureza do existir.
Paulo
Freire insistia que não se pode confundir esperança do verbo “esperançar” com esperança do verbo “esperar”. Esperançar é se levantar, é
ir atrás; esperançar é construir e não desistir. Esperançar é levar adiante,
esperançar é juntar-se com outros para fazer de outro modo.
Uma das
coisa mais perniciosas que vivemos no atual momento é o esvaziamento da
esperança, que se expressa no desalento, desânimo ou até na covardia tolerante.
Michelângelo
dizia que “Deus concedeu
uma irmã à recordação, e chamou-se esperança”.
A esperança, portanto, é como esse
impulso que desafia o presente imediato, sempre curto e sem raízes no futuro; é
ela que nos permite escrever nossa história com mais criatividade e ousadia, nos
abre à inven-ção de possibilidades que nos fazem viver, corrige o passado e nos
faz recomeçar, mantém a coragem de ser, transforma em nós o ser de puras
exigências e de simples necessidades em seres capazes de dom e de desejo. Na
esperança, encontramos a abertura e a amplitude de nossa vida.
Não
basta esperar, é preciso uma paixão de esperança, a qual somente
é possível se conduz para um horizonte plenificante, para um além da vida do
dia-a-dia.
Texto
bíblico: Mc
13,24-32
Na
oração: Como se situa diante dos desafios que é
chamado a assumir? Não se sente cansado por já
ter vivido tantas mudanças?
- Você se
arriscaria por um novo começo?
- Ou talvez
desanimado porque as coisas não aconteceram como havia previsto? Ou, ao
contrário, cheio de energia, entusiasmado por ser protagonista de uma época
considerada de graça e de bênção?
- Quê esperanças
você carrega no coração?