ASCENSÃO: “para uma Igreja em saída”
“Os discípulos então saíram e
pregaram por toda parte” (Mc 16,20)

Os discípulos, portanto, darão
sequência ao que Jesus fez, ampliando o campo de ação: Jesus anuncia o
evangelho na Galileia; os discípulos, por sua vez, deverão fazê-lo pelo mundo
inteiro e a toda criatura.
O seguidor de Jesus é impelido
continuamente a uma vivência “fronteiriça”: arrancar-se,
desinstalar-se, abrir-se a situações novas, assumir novos riscos, renovar-se
sem cessar, adaptar-se às condições de tempo e lugar, tenacidade com uma boa
dose de paixão…
A fronteira é espaço tenso e conflitivo; ali o Evangelho
se faz mais transparente, o seguimento de Jesus se faz mais radical, a vivência
cristã deixa de ser neutra e começa a ser conflitante.
Dizer “fronteira” é como dizer novidade; fronteira significa lugares novos, experiências novas, desafios
novos. Comporta emoção e descoberta, com
sabor do risco, do perigo, da ousadia...
Na história da Igreja muitos
homens e mulheres viveram em atitude de permanente êxodo e disponibili-dade,
numa espécie de itinerância interior e exterior que os converteu em vanguardas da história.
Os grandes desafios
atuais exigem 'uma Igreja missionária toda em saída', reafirmou o Papa
Francisco.
“A Igreja ‘em saída’ é a comunidade de discípulos
missionários que ‘primeireiam’, que se envolvem, que acompanham, que frutificam
e festejam. A comunidade missionária experimenta que o Senhor tomou a
iniciativa, precedeu-a no amor e, por isso, ela sabe ir à frente, tomar a
iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar ás
encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo
inesgotável de oferecer misericórdia, fruto de ter experimentado a misericórdia
infinita do Pai e a sua força difusiva (...) Com obras e gestos, a comunidade
missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se
até à humilhação e assume a vida humana, tocando a carne sofredora de Cristo no
povo”. (Evangelli Gaudium).
O evangelho de hoje conclui que
os discípulos saíram e anunciaram por toda parte o que o Mestre anunci-ou: a
boa notícia do mundo novo inaugurado com Ele. Este anúncio será acompanhado de “sinais”:
- os dois
primeiros sinais (expulsar demônios em nome de Jesus e falar novas línguas)
mostram que a ação dos discípulos é libertadora e comunicadora do mundo novo, eliminando
tudo o que despersonaliza, oprime e marginaliza as pessoas, e libertando as
pessoas de todo tipo de alienação.
- o terceiro e
quarto sinais (pegar serpentes ou beber veneno mortal) falam dos confrontos e
conflitos que aparecerão no caminho daqueles que, a partir da fé no
Ressuscitado, vivem o compromisso com a vida: quem anuncia e realiza o projeto
de Deus sofre oposições imprevistas e veladas (serpentes) ou evidentes e
abertas (tentativa de matar os discípulos por envenenamento).
- o quinto sinal
(impor as mãos sobre os doentes, curando-os); os discípulos, em estreita
comunhão com a ação de Jesus, prolongam Suas mãos, curando, abençoando,
levantando os caídos, sustentando os fracos.
Como o pe. Vitor Codina sj, podemos
também nós, sonhar e permitir que a festa da Ascenção desate em nós um profundo dinamismo pascal e eclesial:
- passagem de uma Igreja poderosa,
distante, fria, endurecida, medrosa, reacionária, da qual as pessoas se afastam
e abandonam... a uma Igreja pobre, simples, próxima, acolhedora, sincera,
realista, que promove a cultura do encontro e da ternura;
- passagem de uma Igreja moralista,
legalista, doutrinária... a uma Igreja que vai ao essencial, que se centra em
Jesus Cristo contemplado e seguido, que difunde o bom odor do Evangelho e
convida a que todos coloquem Jesus Cristo no centro de suas vidas;
- passagem de e uma Igreja centrada no
pecado e que fez do sacramento da confissão uma tortura e converteu o acesso
aos sacramentos em uma alfândega inquisitorial... a uma Igreja da misericórdia
de Deus, da ternura, da compaixão, com entranhas maternais, que reflete a misericórdia
do Pai, uma Igreja sobretudo hospital de cam-panha que cura feridas, que cuida
da criação, na qual os sacramentos são para todos, não só para os perfeitos;
- passagem de uma Igreja centrada nela
mesma, autorrefencial, preocupada com o proselitismo... a uma Igreja dos pobres,
preocupada sobretudo com a dor e o sofrimento humano, a guerra, a fome, o
desemprego juvenil, os anciãos, onde os últimos sejam os primeiros, onde não se
possa servir a Deus e ao dinheiro; uma Igreja profética, livre em relação aos
poderes deste mundo;
- passagem de uma Igreja fechada em si
mesma, relíquia do passado, com tendência a olhar para o próprio umbigo, com
cheiro de mofo, que espera que os outros venham até ela... a uma Igreja que sai
às ruas, que vai às margens sociais e existenciais, às fronteiras, aos que
estão longe, mesmo sob o risco de sofrer acidentes; uma Igreja que seja semente
e fermento, que abra caminhos novos, que vá sem medo para servir, uma Igreja ao
ar livre, que sai às sarjetas do mundo, uma Igreja em estado de missão;
- passagem de uma Igreja que discrimina
os que pensam diferente, os diversos, os outros... a uma Igreja que respeita os
que seguem sua própria consciência, as outras religiões, os ateus, dialoga com
não crentes... uma Igreja de portas abertas, atenta aos novos sinais dos
tempos;
- passagem de uma Igreja com tendência
restauracionista e que tem saudades do passado... a uma Igreja que considera
que o Vaticano II é irreversível, que é preciso implantar suas intuições sobre
a colegialidade, desclericalizar-se, evitar o centralismo e o autoritarismo no
governo, caminhar em meio às diferenças, confiar maiores responsabilidades aos
leigos, dar maior protagonismo à mulher...;
- passagem de uma Igreja com pastores
fechados em suas paróquias, clérigos de despacho, que buscam fazer carreira,
que estão no laboratório e às vezes acabam sendo colecionadores de
antiguidades...a pastores que “cheiram a ovelha”, que caminham na frente, atrás
e no meio do povo;
- passagem de uma Igreja envelhecida,
triste, com gente com cara de velório, a uma Igreja jovem e alegre, fermento na
sociedade, com a alegria e a liberdade do Espírito, com luz e transparência,
sem nada a ocultar, com flores na janela e cheiro de lar, onde os jovens sejam
protagonistas, pois são como a menina dos olhos da Igreja;
- passagem de uma Igreja ONG piedosa,
clerical, machista, monolítica, narcisista... a uma Igreja Casa e Povo de Deus,
mesa mais que estrado e tapete, que respeita a diversidade, onde os leigos, as
mulheres, as famílias jogam um papel relevante. É a Igreja de Aparecida, de
discípulos e missionários para que os nossos povos em Cristo tenham vida, uma
casa eclesial onde reina a alegria.
Texto bíblico: Mc 16,15-20
Na oração: É Ele o
Senhor que com seu chamado planta a Igreja
em cada coração, filialmente configurado por
e com seu Espírito. O seguidor descobre n’Ele
o centro
de sua vida e Ele o vai levando
à Igreja, como os seus
primeiros discípulos. Essa identificação
progressiva com Ele desemboca na comunidade eclesial. Por isso, a Igreja é o lugar dos identificados com
Cristo. Ser de Cristo, trabalhar para Cristo, é não só ser da Igreja, senão ser Igreja, sentir-se Igreja.
Rezar a sua
pertença e seu compromisso na comunidade eclesial