PERMANECER
NO JESUS PODADO: centro de nosso seguimento
“...e todo ramo que dá fruto, Ele o
poda, para que dê mais fruto ainda” (Jo 15,2)
O tempo pascal é o tempo litúrgico que nos
desperta para esta realidade: “a
sabedoria em tempos de poda”. A “passagem pascal” é passagem pela poda
para que a vida se manifeste em sua plenitude.
A sabedoria consiste, justamente, em saber ler
e perceber a inspiração e novidade que Deus nos oferece em toda poda; o Pai é o
agricultor e pode converter os golpes da poda em um futuro de vida de mais
qualidade para tempos novos.
Tal como Jesus, todos nós hoje
vivemos, de maneiras diferentes, tempos
de poda, tanto na vida eclesial e social como na vida pessoal. Buscamos
discernir por onde brota e cresce hoje a novidade de Deus nos ramos podados.
Não existe nenhuma situação pessoal ou social onde Deus não esteja trabalhando
e onde não possa ser encontrado para criar com Ele sua novidade na história.
A poda pode ser ocasião para nos
perguntarmos como enfrentar de maneira criativa os grandes desafios do serviço
ao Reino numa cultura que globaliza a sedução, a superficialidade e o
consumismo; e, ao mesmo tempo, como deixar-nos conduzir pelo Espírito que
trabalha escondido nesta mesma cultura como a seiva na videira. Sem poda, não
há criatividade, nem futuro.
Sentimo-nos impulsionados pela seiva
do Espírito que alimenta as energias do universo e a nossa própria energia
vital e espiritual. Conectar-se com a videira possibilita alcançar a
seiva, o pulsar da vida e o equilíbrio nas relações; viver em profunda fusão
com a videira desperta as energias criativas, todas as grandes
motivações adormecidas, toda bondade aí presente.
Sem a seiva divina que nos
atravessa nunca poderemos dar o verdadeiro fruto.
Nas podas o importante é permanecer unidos ao
tronco de onde nos chega a vida, embora tudo parece morte. Nesse sentido, “permanecer” é a palavra chave no Evangelho de hoje: permanecer nos
compro-missos assumidos, nos passos que buscam abrir caminhos novos; permanecer
nas lutas por defender os direitos dos mais fracos e pobres, na incansável
denúncia daquilo que atenta contra toda vida
por mais insignificante que pareça; permanecer na misericórdia
entranhável, no serviço escondido...
Permanecer
ancorados na fidelidade a Jesus e a seu Reino e consentir que as podas nos
libertem de todos os nossos velhos padrões mentais, idéias fixas e atitudes
petrificadas, preconceitos e tudo o que já está caduco e que não nos conduzem a
uma vida expansiva...; permanecer conectados somente na pessoa de Jesus e no sonho
do Reino como o melhor legado que podemos oferecer aos nossos contemporâneos,
sacudidos por tormentas que os afundam sem poderem vislumbrar um novo
horizonte.
A imagem que João apresenta no Evangelho de
hoje é deveras instigante. Quando se poda a videira, ela é despojada de todos
os ramos, os sarmentos. Só fica um tronco áspero e escuro, sem uma mínima folha
verde. Qualquer um que não entenda de podas dirá que a videira está
absolutamente morta em meio ao inverno. Só ficam presos ao tronco alguns
centímetros de ramos que deram fruto em outro tempo e que agora parecem cotocos
sem futuro.
A “poda” faz parte essencial de
todo o processo de crescimento. Poderíamos expressar assim: a poda significa
morrer ao que não somos (falsas imagens de nós mesmos, vaidade, prestígio...)
para que possa brotar, a partir de nossa interioridade, o que realmente somos.
Trata-se da poda do ego (fechado,
petrificado, sem vida...) para que possa destravar-se a Vida que carregamos por
dentro e que é a nossa verdadeira identidade.
A seiva de nosso ser essencial
constitui nossa autêntica vida. Descobri-la, abrir-nos a ela, fazer-nos
trans-parentes a ela e vivê-la cada dia constituem a plenitude de nossa
realização.
É seiva divina,
presente no eu mais profundo, que nos arranca de nosso fechamento e nos faz ir
para além de nós mesmos; ela nos abre a
uma Realidade maior que nos transcende; é ela que nos faz perceber que temos no
coração um espaço que está feito à medida de Deus.
A presença da seiva é um reforço, um
suporte, um energético do eu, uma ativadora das capacidades do eu; ela
não constrange, não violenta, mas ajuda, esclarece, mobiliza as energias
presentes em nós. É nesse conjunto de recursos e dinamismos
vitais que a Graça (seiva) de Deus trabalha; Ela pode ser
considerada como uma presença dinâmica, um estimulante das energias latentes do
eu.
Por isso, precisamos viver mais nas raízes
de nosso ser; precisamos aprender a viver de uma maneira mais profunda e
autêntica, a partir do núcleo mais íntimo de nosso ser, a partir de nosso ser
essencial.
Partindo da imagem da videira, podemos extrair dela algumas conclusões (cf. Benjamin
Buelta):
- Quando se poda um ramo, podem continuar saindo pelos cortes pequenas gotas de seiva como se a videira chorasse
a perda. O importante é acolher a poda, fazer o luto, despedir-se do perdido, e
não petrificar-se numa queixa obsessiva que gira sobre si mesma paralisando o futuro.
Se não se vive o luto e não se assume a perda, as feridas se prolongam no tempo
e deixam um rastro de dor que nunca cicatriza.
- Durante semanas, na videira podada não acontece nada por fora, mas
por dentro, no escondimento da interioridade, célula a célula, ela vai sendo
novamente gestada através de processos pequenos e invisíveis. O ritmo é lento e
não responde às impaciências do agricultor nem a hostilidade do clima que abate
sobre ela. Todo o trabalho é interior e silencioso.
- Quando chega a primavera, a casca ressecada e endurecida da videira
começa a abrir-se a partir de dentro pela força da vida que cresceu em seu
interior. O rigor do frio vai se afastando de seu entorno. Aparecem os brotos,
os ramos, as folhas e cachos de uvas.
É tempo de surpresa, uma vitalidade assombrosa em sua pequenez e
vulnerabilidade, que já não é possível esconder e deter debaixo da casca. As uvas
maduras deixam transparecer o dinamismo da seiva vital.
Texto bíblico: Jo
15,1-8
Na oração: rezar as “podas” na vida pessoal,
familiar, profissional, eclesial... como oportunidade para o surgi-
mento do novo: nova vida,
nova visão, nova sensibilidade...
Somos
chamados a assumir nossos tempos atuais de poda com “fidelidade criativa”,
pessoal e institucional, nas “fronteiras existenciais” da realidade onde nos
encontramos, ao lado do povo de Deus, podado mais cruelmente que nós, que
caminha pela história mutilado e ressuscitado ao estilo de Jesus.
Somos
desafiados a nos deixar podar de tudo o que amarra e impede o passo, os pesos
mortos que nos parali-sam, o ranço que faz perder o sabor e o sentido em nossa
missão.