A “AUTORIDADE” DO GRANDE MESTRE
“Ele as ensinava como quem tem autoridade,
não como os escribas” (Mc 1,22)
Esta frase nos remete a imaginar a forma, o
jeito, a maneira como Jesus falava das coisas, como se posicio-nava diante dos
fatos da realidade, como era a sua atitude diante da sociedade e da religião de
seu tempo. Suas palavras despertavam a confiança nas pessoas, ativando
esperanças e fazendo desaparecer os medos. Suas parábolas atraiam para o amor a
Deus, não para a submissão cega à lei. Sua presença fazia crescer a liberdade,
não a servidão; suscitava o amor à vida, não o ressentimento.
A este modo de falar, Marcos o
chama “ensinar com autoridade”. “Autoridade” é o oposto à imposição. Do latim
“augere”, significa “aumentar, elevar, sustentar...” “Falar com autoridade”
não significa, falar “grosso”, “falar alto” ou “falar agressivamente”, pois são
formas dos autoritários quererem se impor.
Podemos fazer aquí a distinção
entre “autoridade” e “poder”: este último se baseia na
força; aquela, no carisma pessoal e no reconhecimento merecido pelo próprio
comportamento. Um busca a submissão; a outra só tem como objetivo o bem da
pessoa e seu crescimento. Frente ao poder, o ouvinte pode sentir medo; diante
de quem tem autoridade, sente confiança e ânimo.
O Mestre da Galiléia fala do que viu e
experimentou. Por isso, se atreve a falar em primeira pessoa. Passou por um
processo no qual foi aprendendo a “pôr nome” àquilo que ia vivendo.
Nesse percurso, foi levado a profundezas que
lhe permitiam conectar com as vivências mais profundas das pessoas que, por sua
vez, se sentem reconhecidas e “lidas” em seu interior.
No entanto, os “letrados e mestres da lei” de
todos os tempos e lugares tendem a oferecer “doutrina enlatada”, à qual as
pessoas dão assentimento, mas que não traz nada novo. Costuma ser um
receituário de conceitos aprendidos, adornados com opiniões de letrados
anteriores ou de superiores hierárquicos; transmite-se doutrina, mas não há vida;
fixa na ortodoxia mas falta experiência pessoal naquilo que se fala e
“novidade” que nasce da interioridade. É um exercício de pura erudição que
costuma deixar frios os corações dos ouvintes. Corre-se o risco de
esclerozar-se, afastando-se cada vez mais da vida e das preocupações das
pessoas.
O contraste é patente: o mestre
de Nazaré cria algo novo; os letrados e os sacerdotes buscam, acima de tudo,
conservar. A mensagem destes tende a ser repetitivo e rotineiro; a do mestre,
no entanto, por mais vezes que o escutemos, sempre tem sabor do “novo”. Quanto
mais distante esteja uma palavra da experiência, menos dinamismo transformador
ela tem sobre as pessoas.
“Falar como quem tem autoridade” significa alguém
manifestar coerência entre o que fala e o que pratica; significa alguém falar o
que lhe vem de dentro do seu coração, de seu interior. E, com certeza, Je-sus
não tinha esta dualidade: o que Ele falava era o que Ele interiormente
acreditava e existia dentro d’Ele.
Geralmente as pessoas ficam
assombradas quando a mensagem que ouvem lhes soa como “novo” e, ao mesmo tempo,
encontra “eco” em seu interior. E isso ocorre porque quem fala “conecta” com a
realidade que, talvez ainda adormecida, habita já nos ouvintes. Se não há
novidade, não é fácil que se produza assombro; a rotina só provoca acomodação,
adormecimento e vazio.
Mas se é só “novidade”, o
assombro será superficial e passará tão rapidamente como chegou. E isso não foi
o caso de Jesus. A multidão que o escuta fica “assombrada” porque se sente
“tocada” por aquilo que o Mestre dizia: este soube “pôr palavras” naquilo que
as pessoas já sentiam ou intuíam, embora sem ter consciência disso. Poderíamos
dizer que Jesus sabia “empalavrar” a realidade; n’Ele, as palavras não se reduziam à oralidade,
mas envolviam todas as expressões humanas: gestualidade, presença compassiva,
postura ética, expressões corporais acolhedoras, sentimentos... Em Jesus, as palavras
são, ao mesmo tempo, pensamento, ação, sentimento..., que desencadeavam um
“movimento” no interior das pessoas, abrindo-lhes um novo horizonte de sentido.
Daí a sedução que Ele exercia sobre elas.
Graças à interiorização da mensagem de Jesus,
poderemos, também nós, levar algo de luz e de calor a tanta gente que busca,
porque se sentirá “alcançada” em seu coração. Isto requer que, seguindo o
“mestre interior”, passemos pela experiência, percorrendo nosso próprio caminho
espiritual: “falar com autorida-de” implica uma desapropriação e um
esvaziamento do próprio ego. Esse caminho nos conduzirá mais e mais ao nosso “centro”,
esse centro que compartilhamos com todos os seres. Por isso, quando falarmos a
partir dele, notaremos vibrar os corações daqueles que nos escutam.
No fundo, estamos todos já
conectados; somos como pequenas ilhas separadas na superfície, mas com-partilhamos
a mesma terra comum no nível subterrâneo; somos como os poços que vemos
igualmente separados, mas somos portadores da mesma água que, no manancial
subterrâneo, nos “une” a todos.
Talvez este seja um dos desafios mais fortes no
mundo contemporâneo: cristãos que falem com auto-ridade, pessoas de
uma rica profundidade, capazes de apontar caminhos para que outros também encon-trem a vida verdadeira, plena e abundante, à qual todos
somos chamados.
Nunca a humanidade esteve tão ávida de pessoas
assim. Ela não quer mais discursos vazios, desenraizados, contraditórios... ela
clama por caminhos seguros, verdadeiros, que deem sentido à vida.
Não é a forma que vai dar
autenticidade ao que se fala, mas o interior daquele que profere a palavra.
Um mundo melhor, um mundo
solidário, fraterno, amigo, deve existir, antes de tudo, dentro do ser humano;
somente a partir daí cada um tem condições de propagar este mundo desejado. Ou
seja, se dentro da pessoa existe ódio não dá para proclamar a paz; se dentro da
pessoa existe desamor, não dá para anunciar o amor; se dentro da pessoa existe
cobiça, não dá para anunciar o desapego; se dentro da pessoa existe a ambição,
não dá para anunciar a humildade.
Quem tem como rotina de vida
“ficar enredado” em redes sociais e TV, com os programas que são “vomitados”,
dificilmente terá profundidade, dificilmente terá raízes que o sustentem nos
momentos desafiadores da vida, que com certeza aparecerão. No entanto, pessoas
que conseguem parar, ter tempo para si, recompor-se, fazer silêncio,
interiorizar-se, contemplar, perceber a alegria da vida, das pessoas, da
família, das crianças, da simplicidade... estas com certeza “falarão com
autoridade”; ou seja, serão farol para conduzir e apontar caminhos.
Texto bíblico: Mc
1,21-28
Na
oração: Vivemos cercados de “palavras
vãs”, condenados a uma
civilização que teme o silêncio (há demasiado ruído em nós e em torno a nós). Fala-se
muito para dizer bem pouco; há demasiado palavrório. Carecemos de interioridade.
O
silêncio não é o contrário da palavra. É sua matriz. Talhada pelo
silêncio, mais significado ela possui. O tagarela cansa os ouvidos alheios
porque seu matraquear de frases ecoa sem consistência.
Já
o sábio
pronuncia a palavra como fonte de
água viva. Ele não fala pela boca, e sim do mais profundo de si mesmo. Sabem os
místicos
que, sem calar o palavreado crônico, é impossível ouvir, no segredo do coração,
a Palavra de Deus que neles se faz
expressão amorosa e ressonância criativa.