BATIZADOS: SUBMERGIDOS NA VIDA
“...ao sair da água, viu o céu se
abrindo e o Espírito, como pomba, descer sobre ele” (Mc 1,10)
Estamos no primeiro
domingo do “Tempo Comum”; celebramos hoje uma das três manifestações de Jesus
que, nos primeiros séculos da Igreja, estavam integradas na festa da Epifania
(Magos, apresentação no Templo e Batismo)
Para o evangelista
Marcos, o relato do Batismo não é
mais um entre tantos, mas uma das chaves para compreender todo o evangelho. O
batismo de Jesus é o acontecimento mais importante de toda sua vida, fora sua
Paixão-Morte-Ressurreição.
Não foi
um ato de humildade nem uma representação diante dos outros, mas uma atitude de
total abertura e sintonia com o Pai e o Espírito. O fato de que se deixara
batizar por João nos leva muito além de um encontro fortuito. A experiência
junto ao Jordão o ajudou a descobrir o sentido de sua existência: ali Jesus viu
claro o que o Pai esperava dele, e que a força do Espírito o acompanhava para
levar a termo essa missão.
As três leituras
indicadas para a festa de hoje nos falam do Espírito como principal protagonista. O Evan-gelho, para falar do
Espírito, usa uma imagem sensível, “como uma pomba”. Certamente esta imagem nos
faz retornar até o início da Bíblia, no relato da Criação, onde se diz que o
Espírito de Deus “pairava” sobre as águas. O relato do Batismo nos revela um
“novo Tempo” e um “novo começo”: esse Espírito transfor-ma interiormente a
Jesus e o capacita para levar a termo a difícil tarefa que lhe esperava.
Sobre a terra
começa a caminhar um homem cheio do Espírito de Deus. Esse Espírito que desce
sobre Ele é o alento de Deus que cria a vida, a força que renova e cura os
viventes, o amor que transforma tudo. Por isso Jesus se dedica a libertar a vida,
a curá-la e torná-la mais humana.
Conduzido
pelo Espírito, Jesus “desce” e mergulha nas águas turvas da humanidade, onde se
encontra com a vida ferida, violentada e excluída. Sob a ação do Espírito,
Jesus vai destravando as vidas bloquea-das, oferecendo-lhes um horizonte de sentido,
alimentando uma ousada esperança e abrindo novos cami-nhos de comunhão e
solidariedade.
O Espírito não
precisou vir de nenhuma parte; já estava em Jesus desde sempre, como está em
cada um de nós. Descobrir essa presença é “nascer
do Espírito”.
O Espírito está também presente em cada
um de nós; cabe a nós tomar consciência dessa presença e nos “deixar conduzir
por Ele”, como fez Jesus. É necessário viver empapados do Espírito Santo, ou
seja, viver guiados, sustentados e fortalecidos por Ele.
É decisivo
deixar o Espírito destravar as nossas ricas “possibilidades de ser” presentes
em nosso interior; se ativamos somente nossas possibilidades biológicas e
psicológicas, desenvolveremos apenas uma parte de nosso ser. Somos também espírito
e se queremos alcançar nossa plenitude humana, temos de abrir espaço em nós à
ação do Espírito. Essa descoberta marcará um antes e um depois em nossa vida.
Aqui não se
trata mais de um rito, mas de uma realidade: a mesma vida de Deus em nós. Essa é a Vida que palpita e flui em toda a
realidade, a que nos constitui no núcleo do que somos. Por isso, podemos dizer
com verdade que todos os seres estamos já “batizados com Espírito Santo”. Como
poderíamos viver na ausência dessa Vida? Como estaríamos vivos se nos
encontrássemos desconectados da Fonte da Vida?... Estamos compartilhando a
mesma Vida da qual Jesus foi tão consciente.
“Batizar-nos no Espirito
Santo” é descer ao nosso “jordão interior”, mergulhar em nossa própria huma-nidade,
para dali sairmos recriados e impulsionados a um compromisso de vida. Não se
trata só de que temos “recebido” a Vida divina, senão que somos essa mesma
Vida, expressando-se em mil formas dife-rentes; mas todas elas são expressão da
única Vida e do mesmo Ser.
O
Espírito atua sempre da mesma maneira, silenciosamente, a partir de dentro, sem
ruídos, sem ventanias, sem violentar a natureza porque atua sempre de acordo
com ela.
Somos filhos(as)
do Vento porque estamos nascendo permanentemente da Fonte da Vida, que é nossa
mesma vida. Somos seres criados, habitados, sustentados, amados pelo Sopro
originante e amoroso de tudo o que é, ao qual as religiões chamaram “Deus”.
O Espírito é brisa, é vida, é
movimento... A vida é vivida quando sopra a força do Espírito, que impul-siona
a abrir, a avançar, progredir... Sempre foi e sempre será uma aventura
apaixonante “deixar-se condu-zir pelo
Espírito”. Quem abre espaço para
que o “Espírito desça sobre ele” não foge de si mesmo senão que se submerge em
seu espaço interior, e, a partir dali, desemboca numa atitude contemplativa no mundo
que o cerca; em sintonia com o ritmo da criação e da beleza, abre-se à relação
com o outro, entrando em um verdadeiro dinamismo de vida.
Porque a vida autêntica é a vida
movida, iluminada, impulsionada pelo dinamismo do amor, que se expres-sa numa
relação cordial, aberta e receptiva à originalidade do outro.
Precisamos de outro ritmo em
nossa vida, porque a melodia espiritual está presente em nosso mundo.
Precisamos de um outro olhar contemplativo, sobre nós e sobre a sociedade, e
não fugir de nós mesmos, senão acolher a vida com outra sabedoria.
Em suma, a
palavra “Espírito” significa vento, hálito, sopro de vida, força interior que
nos transforma a partir de dentro. Para a mentalidade cristã, o seguimento de
Jesus é considerado como uma vida segundo o Espírito, uma vida que tem como
fundamento e inspiração o modo de ser e atuar de Jesus de Nazaré. Hoje, precisamos desta força do Espírito nas
pessoas, nos povos, nas instituições e na história.
Se não nos deixamos reavivar e
recriar por esse Espírito, nós cristãos não teremos nada importante que
apresentar à sociedade atual tão vazia de interioridade, tão incapacitada para
o amor solidário e tão neces-sitada de esperança. É preciso
transformar nosso olhar, nossa atitude e nossa relação com o mundo de hoje.
Precisamos parecer-nos mais a Jesus, ou seja, deixar-nos “batizar” por seu
Espírito.
Só o Espírito pode
dar à Igreja um novo rosto.
O
Espírito de Jesus continua vivo e operante hoje no coração das pessoas. Estão
sendo criadas condições nas quais o essencial do Evangelho pode ressoar de
maneira nova. Uma Igreja mais frágil, humilde pode fazer que o Espírito de
Jesus seja entendido e acolhido com mais verdade.
Texto
bíblico: Mc
1,7-11
Na
oração: As grandes transformações sociais e culturais pelas quais estamos passando
estão pedindo hoje a
nós cristãos uma fidelidade e uma escuta do
que nos diz o Espírito de Jesus.
Como estamos
acolhendo hoje o Espírito de Jesus?
Quê caminhos
novos anda buscando hoje o Espírito de Deus para encontrar-se com os homens e
mulheres de nosso tempo? A partir do nosso Batismo, como devemos renovar nossa
maneira de pensar, de dizer e de viver a fé para que a voz do Espírito possa
atingir às grandes interrogações, as dúvidas e os medos que brotam e afligem a
humanidade?
fonte: http://www.ceijesuitas.org.br/