ADVENTO: FOME E SEDE DE ESTRADAS
"Preparai o caminho do Senhor,
endireitai suas estradas!” (Mc 1,3)
Neste tempo de preparação para o Natal, aparece
na liturgia cristã um personagem sumamente interessan-te e provocador: seu nome
é João; “a
terra se chama João”,
escreveu Pablo Neruda. Ou seja, um nome universal; um nome que revela a
identidade de um homem que rompe os esquemas estabelecidos; sua missão
profética se dá no deserto, longe dos templos e da religião oficial.
A partir da margem ele grita e este grito é o
que melhor revela o espírito de Advento.
Ele denuncia que nossos caminhos estão
bloqueados e que as veredas da humanidade estão torcidas, impedindo que venha e
se manifeste o Deus da justiça.
Uma
frase de Fernando Pessoa poderia sintetizar o quão inspirador é este tempo do Advento:
“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas
usadas, que já têm a forma do nosso cor-po, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos
mesmos lugares. É o tempo da travessia:
e, se não ousarmos fazê-la teremos ficado, para sempre, à margem de nós
mesmos”.
Por isso,
Advento é tempo propício para destravar nossa vida, colocando-a em
movimento.
É nesse
contexto de uma realidade atrofiada, pessoal e social, que ressoa forte a voz
de João: “preparai...”. Somos
nós que devemos nos mobilizar, fazendo-nos Caminho de Humanidade,
precursores de “Alguém” maior. Somos peregrinos que preparam o Caminho para o
verdadeiro Enviado de Deus, para os homens e as mulheres da paz e da plenitude
futura.
“Preparai” significa estar atentos para não
permanecermos fechados em nossos pequenos reinos e abrir um espaço de esperança
frente a um mundo que gira em torno a si mesmo. Se estamos apegados ao que
temos e somos, jamais seremos capazes de “fazer estrada com Deus” e participar da preciosa vida que Ele nos oferece.
É preciso “endireitar-se”, ter um
horizonte de vida, preencher nosso vazio de vida interior, “aplainar” e descer
de nossas montanhas de orgulho e soberba... Vivemos instalados em certos
costumes, estilos de vida medíocres…Vivemos no centro de uma humanidade
torcida, retorcida e, no fundo, envenenada. Para endireita-la é preciso forçar,
fazer que se quebrem e se rompam as resistências interiores, a fim de que tudo
se aclare, se desvele.
Estamos decididos a percorrer os caminhos novos que a novidade de Deus
nos apresenta?
Ou nos entrincheiramos em estruturas caducas
que perderam a capacidade de resposta?
Caminhar
é sair do
centro, das seguranças, da acomodação... e ir em busca das surpresas, das novas
descobertas; implica arriscar, ter ousadia, não ter medo de fazer a travessia
para o outro lado. Somos passageiros, um Caminho aberto à vida de Deus que
permanece, caminho que anuncia e prepara a Vida. Por isso precisamos, mais do
que nunca, da figura do profeta; autênticos profetas que, sem medo e partindo
de sua experiência de Deus, nos ajudem a encontrar o verdadeiro caminho; pessoas que por sua dedicação
e experiência pessoal possam lançar alguma luz nesse emaranhado de caminhos que
se entrecruzam e que a imensa maioria são sendas perdidas que não levam a lugar
nenhum.
A humanidade
deveria ser caminho de vida, jamais caminho de morte.
Nunca foi oferecido ao ser humano
tantos falsos caminhos de salvação como agora:caminho
fechados, caminhos obstruídos que veda passos e impede a circulação da vida, caminhos
que paralisam mobiliza-ções, caminhos que travam saltos históricos, caminhos
que barram transformações sociais, caminhos embrutecidos que conduzem à
crueldade e à violência, caminhos mortíferos que precipitam à morte.
Nada mais
desolador do que ser “inviável”,
ficar “sem via”, ficar sem caminho,
sem saída, sem futuro.
Nada mais
trágico do que perder o caminho.
“O ser
humano é Terra que anda” (Atahualpa Yupanqui). O caminho está dentro de nós. Sem caminho
nos sentimos perdidos, confusos, sem rumo, sem bússola e sem estrelas para
orientar as noites de nossa existência. Somos
peregrinos. A vida cristã é um movimento constante de passagem. Somos seres em
trânsito, rumo ao novo. Itinerantes. Caminhar sempre. O próprio caminhar
desvenda mais caminho.
Enquanto
amadurecemos no caminho, importa colher e acolher o que o próprio caminho
oferece. Expandir a esperança que ilumina a mente e o coração.
Mais do que ser-de-caminho, o ser humano é ser-caminho: caminho da vida, caminho
da verdade, caminho da justiça, caminho do coração, caminho do amor, caminho da
ciência, caminho da ética, caminho da solidariedade. Cada pessoa tem a
responsabilidade de ser caminho para os outros.
Caminho escancarado à passagem da humanidade peregrina. Caminho
acolhedor; caminho aberto e solidário; caminho ecumênico; caminho plural;
caminho sedutor.
“Senhor, mostra-nos teus caminhos!”
Para o povo que peregrina no deserto, é essencial
conhecer direções e entender ventos. E para o coração que peregrina
no deserto da vida, é essencial conhecer os caminhos do Espírito e os ventos
da Graça.
De Deus
viemos. Dele somos. Nele vivemos. Para Ele vamos. Peregrinos espertos em
discernir rumos e encruzilhadas. Somos caravana que avança em êxodo continuado.
Vida nômade, provisória.
Peregrinar
sem morada permanente. Tenda ambulante, não casa sólida de pedra. Somos Pessoas
de muitas tendas, de muitos acampamentos. Nada definitivo. Estado de
itinerância evangélica, traço característico de Jesus e de todo seu seguidor. O
mundo, nossa casa sem paredes.
Caminhar em
direção a Quem é sempre maior, rumo ao destino prometido.
Somos todos peregrinos, mas os viajantes são
diferentes. A estrada não é igual
para todos. Vivemos uma caminhada que começa dentro de nós mesmos, nas estradas e trilhas do nosso eu profundo.
Mas, ao mesmo
tempo, é um caminho solidário: no caminho de cada pessoa estão presentes
milhões e milhões de experiências de caminhos vividos e percorridos por
incontáveis gerações. A missão de cada um é prolongar este caminho e vivê-lo
tão intensamente que aprofunde o caminho recebido, endireite o caminho
retorcido e ofereça aos futuros caminhantes um caminho enriquecido com suas pisadas.
Caminhamos juntos,
acompanhados por Aquele que é o Caminho: “Emanuel, Deus conosco”.
Quem caminha quer ser mais. Seu horizonte é o seu sonho, o seu ideal. Aceita o desafio de caminhar com os pés no chão e o coração
na eternidade.
Pioneiras são as pessoas que vão a lugares onde ninguém esteve antes: “gente
de fronteira”.
“Temos fome e sede de estrada, e ela está ardendo por
dentro”.
Caminhar é preciso. O seu caminho tem coração?
Texto bíblico:
Mc 1,1-8
Na oração: rezar a bagagem
de sua vida; imagine-se diante de sua mo-
chila... onde colocou tudo o que você leva consigo, desde
os anos de sua infância até agora (os dias felizes e menos felizes, as
experiências plenificantes e as experiências frustrantes, tudo o que lhe pesa e
lhe aborrece, o que você sente que o importuna, o que lhe pressiona e o abate,
talvez alguma coisa que lhe parece insuportável...).
- Contemple as experiências
bonitas e enriquecedoras em sua bagagem, as
“coisas” que você guarda com carinho...
Faça “memória” das maravilhas
que o Senhor realizou em você, na estrada da
vida. Reze... louve... agradeça...
- Diante do Senhor, pegue a sua
mochila para sentir o seu peso... ofereça-a.