CAMINHO DE EMAÚS: conversação
que transforma
“Enquanto conversavam e discutiam, o próprio Jesus se aproximou e começou
a caminhar com eles” (Lc 24,15)
O relato dos
discípulos de Emaús revela-nos que o
conhecimento
de Jesus Cristo, a amizade com Ele, a inserção na comunidade dos seus
seguidores(as) e o testemunho de sua ressurreição são progressivos.
Para conhecer o
Senhor, é necessário caminhar com
Ele, escutar longa e atentamente sua
Palavra, deixar-se cativar por Ele, sentar-se à mesa com Ele e deixar que
Ele parta e reparta o pão da vida.
E, depois de
reconhecê-lo, é necessário realizar imediatamente o “caminho de volta” para a
comunidade, para partilhar com os outros a experiência
do encontro com o Senhor, professar juntos a fé comum e realizar as obras
do Reino.
Lucas gosta de apresentar Jesus a caminho. No relato do Evangelho deste domingo, os termos “cami-nhar,
caminho” aparecem no início, no meio e no fim. No livro dos Atos, a
palavra “caminho” desig-nará a identidade e o modo de vida das
comunidades cristãs.
É essa experiência que, em última instância, muda
nosso modo de pensar, de sentir e de agir. É essa experiência
que nos converte em seus (suas) discípulos(as) e seguidores(as).
A graça de Deus pode nos atingir nos caminhos mais variados e
inesperados: passando pelas fendas de nossa existência, pelas brechas abertas
em nós pelas grandes decepções, ou soprando as últimas brasas que, sob as
cinzas da desilusão, ainda permanecem acesas.
Os caminhos
que levam ao encontro com Jesus podem ser os mais diversos e mais ou menos
longos, mas a experiência do encontro
pessoal com Ele é imprescindível para conhecê-Lo.
Fazer o caminho
com os discípulos de Emaús é uma privilegiada oportunidade para recuperar o
lugar e o sentido da conversação nas
nossas diferentes relações pessoais.
De
fato, vivemos num mundo hiper-conectado; o uso dos aplicativos de mensagens
cresceu assustadora-mente. O mundo,
nossa vida, se converteu num “chat” contínuo.
Na verdade, não é coerente traduzir a expressão
“chat” por conversação, porque estamos assistindo a um preocupante paradoxo: em
meio a este “chat universal”, a conversação emudeceu; nem é tumulto nem é
sussurro. Grande parte de nossas “conversações” fica prisioneira das telas
(celulares, tablets, compu-tadores, smarths...). Corremos o risco de reduzir a
comunicação à conexão. Banalizam-se os conteúdos, mas também são amputadas
dimensões fundamentais da experiência humana da comunicação, sobretudo a
presença física.
Sem essa presença, sem o encontro
pessoal, há um empobrecimento da verdadeira comunicação dialógica cara a cara, diante
do olhar do outro; fora desta comunicação vivente com o outro, já não é
possível autentificar a experiência do nosso próprio eu pois nos falta a
relação primordial com um tu.
O processo mesmo da conversação produz
mudanças em nós: uma determinada frase, dita ou escutada, uma experiência de
vida que tocou nosso coração, uma pergunta que nos tirou de nossa maneira
habitual de pensar… são sementes para transformações posteriores.
No caminho de Emaús, Jesus, como mestre
sábio na arte da conversão, parte da situação existencial em que os dois discípulos
se encontravam naquele momento: provoca-os para que falem à vontade das causas
de sua tristeza.
No fundo do coração dos discípulos há um grande vazio que, inconscientemente, querem preencher “conversando
e discutindo entre si”.
A pergunta de Jesus sobre o problema que
causava tamanho sofrimento neles foi o ponto de partida para encontrar a
resposta que, no fim do itinerário, iria esclarecê-los, iluminá-los e
devolver-lhes a alegria e a esperança perdidas.
A pergunta
de Jesus (“o que ides conversando pelo caminho?”) faz com que os discípulos levantem os olhos do chão e olhem para o
rosto do peregrino desconhecido. Sem perceber começam a sair de seu fechamento
e a alegrar-se porque alguém está interessado em saber quais são as causas de
sua tristeza e quer escutá-los.
A pedagogia amorosa de Jesus deu certo: eles abrem o
coração e contam “o que aconteceu a Jesus de Nazaré”. No entanto, o que aconteceu com Jesus não é contado
por um coração ardente e exultante, mas por um coração ferido, desiludido e
triste. A resposta dos discípulos é um resumo do querigma cristão; mas esse conteúdo é relatado como uma tragédia
irreparável.
Depois de um longo diálogo com o peregrino, os discípulos
não discutem mais entre si, mas unânimes, insistem para que ele permaneça com
eles naquela noite. O pedido “permanece conosco”, em Lucas, ex-
pressa o desejo de
ser discípulo de Jesus.
Depois que Jesus aceitou o convite, a casa de Emaús, em vez de tornar-se um lugar de
fuga e fecha-mento, como os discípulos pretendiam, tornou-se um lugar de
acolhida e de partilha, de iluminação e ponto de partida para a retomada da
comunhão com a comunidade dos demais companheiros.
Foi durante a “fração do pão”, que os olhos dos
discípulos se abriram e reconheceram Jesus.
A fração do pão
continua a ser para os discípulos de Jesus de todos os tempos o
“sinal
por excelência da presença do Ressuscitado, o lugar onde eles podem e devem
descobrir essa presença e a partir do qual poderão dar testemunho da
Ressurreição”
(J. Dupont).
O diálogo é consubstancial ao cristianismo. Deus é
Palavra criadora e geradora de vida, mas em Jesus ela se manifesta como uma
grande conversação. Sua presença junto
aos discípulos de Emaús, é que possibili-ta a passagem de uma “conversa e
discussão” marcada pela tristeza, dor e fuga a uma nova conversação, cheia de
sentido e alegria. Os dois discípulos viveram uma verdadeira “páscoa”, isto é, passaram da dis-cussão
ao reconhecimento, do fechamento à abertura, do lamento ao agradecimento, do
desânimo ao en-tusiasmo. Em
resumo, a “passagem” do coração vazio e duro para o coração transbordante
e abrasado.
A nova conversação os arranca da
solidão e os faz retornar à comunidade para relatar a boa nova da experiência
que fizeram. Conversação expansiva, desencadeadora de outros relatos vitais. E
assim, os laços são reatados.
Sabemos que, a partir de uma posição
conservadora, estática, rígida, é muito difícil que haja uma verda-deira
conversação. É preciso sair de si mesmo, colocar-se em marcha. Só nesse
deslocamento é onde podemos nos abrir às novas experiências e reconhecer a
presença do outro.
O modo eminente de conversação entre as
pessoas é aquele no qual se dá uma mútua atualidade da presença, e, portanto,
um modo de comunicação no qual toda a pessoa se expressa, com gestos e
palavras, e tem um caráter pascal, ou seja, a passagem para a comunhão, a paz,
a iluminação...
Texto
bíblico: Lc 24,13-35
Na oração: em um mundo permanentemente conectado,
com
um medo cada vez mais difuso de
perder/esquecer seu celular, ou de “ficar sem bateria”, o aprender a “desconec-tar”,
a gerir a solidão, o encontro consigo mesmo, é um dos grandes desafios,
sobretudo para os chamados “nomofóbicos digitais”.
- Reservar tempos de deserto para viver a experiência de uma conexão
interior é altamente humanizador; somente esta cone-xão profunda possibilita
ter acesso à reservas interiores de compaixão, bondade, amor.
- O “ofício da palavra”, para além de designar isto ou aquilo, é um ato
de amor: criar presença.
- Suas conversas cotidianas: são carregadas de calor humano ou marcadas
pela frieza das telas digitais?