Teológico Pastoral

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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Homilia Dominical 1 de novembro

SANTIDADE: um “caso de amor” com a vida

A Igreja Católica celebra, neste primeiro dia de novembro, a festa de “Todos os Santos e Santas”; esta é a festa de todos os(as) amigos(as) de Deus, mulheres e homens que nos precederam e que deixaram sua “marca” na vida de tantas pessoas, melhorando uma parte do mundo. Damos graças a eles e elas por terem sido portadores da vida de Deus: de sua herança herdamos, com sua voz cantamos, de sua presença inspiradora nos alimentamos, de sua vida recebemos Vida, com Aquele que é o Deus dos Vivos.
Na celebração deste dia não temos de pensar somente nos “santos e santas” canonizados(as), nem naqueles que viveram virtudes heróicas, mas em todos os homens e mulheres que descobriram a marca do divino neles(as), e sentiram-se impulsionados a viver com intensa humanidade. Os(as) santos(as) foram e são humanos por excelência. E a plenitude do humano só se alcança no divino, que já está presente em todos nós. Não se trata de celebrar os méritos de pessoas extraordinárias, mas de reconhecer a presença de Deus, que é o único Santo, em cada um de nós.
Nesse sentido, ao invés de dizer “todos os santos e santas”, estabelecendo uma diferença entre os seres humanos, podemos afirmar “Todos santos!”. Para Deus não há diferença alguma, porque na Sua Santidade Ele nos ama a todos igualmente. Assim, no chamado à santidade, aspiramos somente a ser cada dia mais humanos, ativando o amor que Deus derramou em nosso ser.

Na vida de um(a) santo(a), mais que contemplá-lo(a) na sua glória, é bom considerar sua caminhada para a santidade: é o Espírito do Senhor que o(a) conduz.
Um(a) santo(a) é a “irrupção” original e única do Espírito de Deus. Uma maravilha sem comparação que invade a história e permite que seja dito o Indizível e experimentado o Transcendente.
A presença de um(a) santo(a) ultrapassa nossa estatura. Algo  “maior” se levanta, seduzindo-nos, atrain-do-nos e surpreendendo-nos. Uma referência se apresenta à consciência das pessoas e das comunidades.
Os(as) santos(as) são personagens de limiar, de fronteira...; eles vislumbram o novo, a outra margem... são pessoas de atitude “ex-cêntrica”: é sempre o Outro quem os conduz. O heroísmo deles é “deixar-se conduzir”, deixar que se manifeste a força divina ali onde é maior e mais evidente a fraqueza.

“Sejam santos, porque eu sou SANTO” (Lev. 11,45)
Esta é a vocação fundamental à qual somos todos chamados, enquanto seguidores de Jesus Cristo. Ser santo(a)  é ser dócil para “deixar-nos conduzir” pelos impulsos de Deus, por onde muitas vezes não sabemos e não entendemos. Seus caminhos não são os nossos caminhos.
Este “deixar-se levar” pela mão providente de Deus é uma ousadia.
Na vida espiritual a liberdade tem que ser ousada, mas a maior ousadia é “deixar-se levar”.
Ser santo(a)  é “arriscar-se” em Deus. É privar-se das humanas certezas em nome da Sua Verdade. É excluir-se das seguranças e estabilidades do mundo.
Por isso a santidade é surda aos critérios do mundo, ao cálculo utilitarista...; não sucumbe às idolatrias do progresso a qualquer custo, da eficiência, da produtividade... Ela navega no oceano da gratuidade, da compaixão, da solidariedade...
O modo de proceder do(a) santo(a) no mundo é imagem fiel do modo de proceder do próprio Deus, que é princípio e garantia da Verdade, do Bem, da Justiça, da Misericórdia, da Compaixão...

Ser santo(a)  é ter a audácia de reinventar o humano; é resgatar a paixão por um ideal irrecusável; paixão rebelde e inquieta diante dos fatos; paixão pela vitória da esperança; paixão pelo sonho de melhorar a si mesmo e o mundo; paixão pelo futuro; enfim, ser  santo(a) é ter capacidade ilimitada de paixão.
O seguimento de Jesus pede uma nova forma de santidade: a santidade da vida comum, da resposta à Providência divina em meio às rotinas do tempo, uma caridade tecida nos pequenos gestos...
Surge, então, a imagem de um(a) santo(a) que é filho(a) do momento e da situação presente, cujo agir se processa no mundo em que está encarnado. O santo é aquele que, na “loucura santa”, revela uma pulsão de vida para com o mundo; é um biófilo (amigo da vida); é um co-operador, agindo sob o primado da escuta da Palavra de Deus dita na e pela situação cotidiana.
Não é o trivial ou o excepcional que distingue a santidade do ato: o que importa é sua sintonia à Vontade de Deus expressa na situação concreta. O importante é verificar qual é a intenção, qual é a motivação que está por detrás de cada ato, de cada atividade: para quê? para quem?...

Deus colocou no coração de cada pessoa a busca da santidade. Uma busca que se experimenta como impulso vital, sopro do Espírito, aqui e agora, nas circunstâncias concretas da vida.
Nesse sentido, santos e santas são os portadores de vida, homens e mulheres que buscam viver intensa-mente; que acolhem a vida e a expandem, que bebem do prazer da vida e que ajudam os outros também a beberem, sabendo que a vida é dom, presente que compartilhamos, todos, no mundo. São pessoas em cujo entorno se desatam correntes de vida, esperança, alegria de viver, reconciliação e amor.
“Os(as) santos(as), como os poetas, vivem de encantamentos…” encantados com a vida, com a beleza, com a verdade...
Perguntaram a uma criança de 7 anos quem eram os santos. Ela deu uma resposta magistral: “Um santo é quem deixa passar a luz”. Sem dúvida, em sua imaginação estavam presentes os vitrais da Igreja onde sua mãe a levava. É evidente, os(as) santos (santas) deixam passar a luz de Deus para nós. Essa transpa-rência é sua santidade.
Os(as) santos(as) são pessoas humanas que nos mostram o que se pode atingir quando nos abrimos à luz de Deus, à maravilhosa “influência divina”, à potencialidade de seu Reino.

Santidade  é dizer sim à vida. Experimentamos isso quando nos submergimos na vida, quando crescemos nela, buscando, saboreando até o final o que ela nos oferece em cada circunstância. Nunca alheios à vida, nada desprezando, nada lamentando. Esta concepção da Santidade des-vela um modo de viver que nos converte em irmãos(ãs) das pessoas, da Criação e filhos(as) de Deus.
A santidade não é um programa. É uma experiência de vida, um modo de estar no mundo a partir da confiança numa promessa. Enraizado na fé-confiança na pessoa e promessa de Jesus, o chamado à santidade propõe um estilo próprio de vida aberta e expansiva: uma maneira alegre, pacífica, compassiva, responsável e generosa de se fazer presente neste mundo onde são centrais o cuidado de todo o vivente e o trabalho em favor da justiça.
Convida-nos a transformar o que, com frequência, é terra hostil ou deserto inós-pito em um mundo mais humano e em um lar habitável.

Texto bíblico:   Mt 5,1-11  

Na oração: As bem-aventuranças não são leis
                    para simplesmente evitar o mal, mas o potencial divino que, criativamente, estende a todos os lugares a Bondade e a Beleza. Expressam de modo conciso e explícito o coração mesmo de Jesus e seu desejo ardente de contagiar a todos os que se encontravam com Ele.
Nas Bem-aventuranças Jesus proclama que o verdadeiro segredo para uma humanidade totalmente re-criada é a força do amor e da misericórdia, cimentadas no comum denominador da humildade. Aqueles(as) que percorrem o caminho de sua vida guiados pelo espírito das bem-aventuranças são os(as) santos(as).
- Como ser presença visível das Bem-aventuranças no seu cotidiano?



terça-feira, 20 de outubro de 2015

Homilia Dominical - 25 de outubro de 2015

CEGO DE JERICÓ: tudo começou com um grito...

“Mas ele gritava mais ainda: ’Filho de Davi, tem piedade de mim!’” (Mc 10,48)

Jesus está a caminho de Jerusalém, onde vai acontecer o desenlace de sua “missão”.
Ele tem pressa; não está sozinho: os discípulos e as multidões o acompanham.
O barulho dos passos, a balbúrdia e o vozerio das pessoas despertam a curiosidade de um cego, que estava sentado, mendigando às margens da estrada. Tendo sido informado de quem passava por perto, da sua boca brota uma invocação incontrolável, cada vez mais persistente; uma oração, um ato de fé:
                                      “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim!”.

O cego ouve a multidão passar com Jesus e aproveita da única e última oportunidade, pois não desfruta da vida em plenitude. Depende dos outros. Sem ver o trajeto, está impossibilitado para seguir a marcha com Ele. Encontra-se deslocado, fora do percurso. À margem do caminho cresce a passividade e o conformis-mo. Seu lugar revela carência de futuro. Junto à margem não vingam seus projetos e o sentido da existên-cia desaparece.
Encontrando-se incapacitado para progredir por uma rota desconhecida, o cego reage da única maneira que pode, gritando; não lhe basta pedir, grita para ser escutado.
Frente àqueles que querem fazê-lo calar, grita mais forte ainda e atrai a atenção de Jesus. Se seus olhos não podem ajudar-lhe, a potência de sua voz expressará sua vontade firme de curar-se e sua tenacidade na busca da recuperação da visão. Porque seus gritos por ajuda foram escutados e seu clamor teve resposta, abriu-se para este homem a possibilidade de uma história com futuro.

A multidão procurava interrompê-lo, porque seu grito incomodava. Aquele grito parecia desviar Jesus do seu objetivo e interromper o “clima sereno” que se criara em torno do Mestre.
Merece atenção a atitude das pessoas que caminham com Jesus. É curioso como no início mandam Barti-meu ficar calado e logo mais adiante, quando Jesus lhe chama, o animam. Em tão poucas linhas revela-se o melhor retrato da reação de uma multidão. Dispersos numa massa é difícil manter uma atitude pessoal e diferenciada. No meio de um grupo muito grande as pessoas são mais propensas à mudança rápida e à contradição. A conclusão se impõe: em nossa relação com Jesus não podemos depender do ambiente.
Bartimeu nos ensina a ter personalidade e a buscar Jesus para além do apoio ou da oposição do ambiente.

O gesto e a resposta de Bartimeu ao chamado de Jesus que as pessoas lhe transmitem é muito significati-vo. Reage com rapidez. Deixa de lado seu manto, sem hesitar: sua riqueza, sua segurança, seu teto... e dá um salto. Sai de seu fechamento (o manto era considerado um prolongamento da pessoa). Desfaz-se daquilo que lhe traz segurança e recupera sua dignidade: “pôs-se de pé”.
Jogar seu manto supõe desfazer-se não só de algo importante que serve para se proteger e que confere dignidade à pessoa, mas é sobretudo algo sobre o qual estava sentado e na qual se encontravam as esmolas recebidas. Bartimeu, ao lançá-lo fora, se desfaz de seu sustento na vida, de tudo o que tem nesse momento. Seu salto adquire então toda sua força.
Esquece o que deixa para trás e se fixa no que está à frente. É um autêntico salto na fé, é o salto para o seguimento de Jesus. Seu duplo gesto é toda uma oração que contrasta com a atitude do homem rico preso por suas riquezas, apresentado um pouco antes neste mesmo evangelho (10,17-22).

O cego, que ainda não podia ver, mas consegue entender que está diante de Alguém que o olha, que lê no fundo do seu coração e que vai mudar o rumo, o horizonte e o sentido de sua vida, que vai acabar com seu sofrimento. Ambos se põem um diante do outro. A multidão, ao invés, quase desaparece atrás deste cena-rio. Bartimeu não está mais excluído, às margens da estrada. Agora, ele se encontra no centro da cena: face a face com o “Filho de Davi”.
- “o que queres que eu te faça? – pergunta-lhe Jesus. É um diálogo de tu a tu, sem intermediários, que lhe oferece a possibilidade de se revelar diante de alguém, de expressar os desejos mais profundos de seu cora-ção. O espaço de diálogo experimentado lhe devolve a confiança, lhe confere autonomia e o ganha para o Reino. A palavra acolhida e oferecida é geradora e criadora.
A resposta do cego foi rápida; já estava pronta, preparada dentro de si, cultivada no seu íntimo, há muito tempo, no segredo e na noite do desejo, no silêncio da espera, na obscuridade do sofrimento.
Seu pedido foi claro e direto, cheio de confiança; as migalhas não lhe bastam mais; não se satisfaz mais apenas com esmolas: quer mais, muito mais (“Mestre, quero ver de novo”).


Bartimeu sabe que havia manifestado um desejo que, até então, lhe parecia impossível; ao encontrar-se com Jesus, percebe ter no coração um pedido bem mais profundo: finalmente ele pode ver, não apenas o rosto das pessoas, a côr de uma flôr, o sorriso de uma criança, o encanto da aurora ou o pôr-do-sol, mas, sobretudo, ver a própria existência, o sentido das coisas, da história, dos acontecimentos humanos e da vida, sob o ponto de vista justo e na direção certa.
Jesus não fez nada, não tocou os olhos turvos do cego; com grande delicadeza e profundo respeito, simplesmente pôs a fé daquele homem em evidência (“A tua fé te curou”).
Assim, ilumina a de Bartimeu e o torna livre: “Vai!”

Finalmente, Bartimeu poderá decidir onde ir, o que fazer da própria vida e como dirigir-se ao próprio Deus. Jesus não o segura; não o convida a segui-lo, mas ativa nele a capacidade de ver na direção certa; desperta-lhe a liberdade; ajuda-o a descobrir que, o desejo de viver, de caminhar, de gritar, nasce da fé. Jesus o ajuda a tomar consciência da própria fé.
E tudo isso começou de um grito...
Pela sua fé, pela sua perseverança na oração e pelo seu seguimento de Jesus, Bartimeu é apresentado como modelo do verdadeiro discípulo.
O relato acentua o contraste entre sua situação no começo e no fim. No início é apresentado como cego, mendigo, parado/sentado, imobilizado, marginalizado, na beira do caminho, na periferia da cidade, distante de Jesus... sem comunhão, sem horizonte e sem futuro. No fim, depois do encontro com Jesus, é apresentado como curado, libertado, iluminado, em movimento, seguindo Jesus como discípulo.
Bartimeu vive a experiência de uma profunda “travessia”: cego e sentado à beira da estrada pedindo esmola à recuperação da vista para seguir Jesus pelo caminho.

Texto bíblicoMc 10,46-52

Na oração: Dar nome aos seus “mantos” que o
                     mantém preso ao passado, travando sua vida e impedindo uma resposta pronta ao chamado de Jesus.
A existência humana pode ser marasmo, estagnação, medo, repetição, inércia, fixismo... Mas há um momento em que é preciso “dar o salto”: isso requer coragem, ousadia, agilidade e mobilidade para ir adiante na longa jornada que a vida apresenta.
A oração é o ambiente natural para mobilizar-se e preparar-se para o grande salto da vida: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão...
- O que paralisando você à beira do caminho, travando sua vida e impedindo o salto libertador?





sábado, 17 de outubro de 2015

Homilia dominical - 18 de outubro de 2015

OS “ZEBEDEUS” QUE NOS HABITAM


“”Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda quando estiveres na tua glória” Mc 10,37)

Outra vez um texto forte. Jesus acaba de anunciar aos seus discípulos a decisão de ir a Jerusalém, lugar da entrega da vida a serviço do Reino; os doze, no entanto, começando pelos filhos de “Zebedeu”, só pensam em “estar bem colocados” para alcançar uma cota maior de poder. Os “zebedeus” pedem trono, mas Jesus só lhes pode oferecer seu próprio gesto de entrega da vida; os dois irmãos pensam em títulos de honras e preferências, mas Jesus só lhes garante sua fidelidade no caminho do Reino: “Vós bebereis o cálice que eu devo beber e seres batizados com o batismo com que eu devo ser batizado” (Mc 10,38).
Os “zebedeus” seguiam a Jesus, mas não entendiam Sua proposta, não compreendiam que Ele não queria ocupar um trono (não queria reinar), mas doar a vida em favor dos outros, para que todos, homens e mulheres (e em especial os mais necessitados), fossem dignificados. Jesus não busca trono, nem para si nem para seus seguidores, pois seu Reino não pode ser entendido na linha da “tomada de poder”.
Eles caminham ao lado de Jesus mas só escutam aquilo que não lhes convém; fazem estrada com Jesus mas estão fechados em seus próprios interesses; seguem Jesus de perto mas estão bem longe de sua proposta de vida. Todos “sobem a Jerusalém”, mas cada um com sentimentos diferentes.

Marcos insiste em mostrar o contraste radical entre Jesus e seus discípulos, no que se refere à atitude básica diante da vida. Para o Mestre, a vida é oferta que se expressa em serviço; os discípulos, pelo contrário, parecem reduzir a existência a uma questão de auto-afirmação do próprio eu, pelo qual se veem enredados pelo apetite de poder e grandezas.
Em certa medida, ambas atitudes manifestam os dois estilos nos quais podemos nos situar na vida: em chave de doação ou em chave de auto-centração. Jesus e “zebedeus”: qual dos dois impulsos alimentamos na vida cristã?

Jesus, com seu modo de viver, nos coloca diante da contínua tentação que nos ameaça: o gosto do poder, da comodidade, de pompas, de querer ser como os “chefes das nações”, de ter privilégios, de ser servido... Sua proposta de vida é de uma sabedoria e de uma humanidade finíssima; seu horizonte é o serviço.
A busca de poder nunca consegue unificar nem criar harmonia, mas divide as pessoas, criando ressenti-mentos, competições, vaidades...
Jesus não quer “chefes” sentados à sua direita e à sua esquerda, mas servidores como Ele, gente de entrega eficaz, que saiba gastar a vida em favor dos outros. Sua comunidade não se constrói a partir da imposição dos de cima, não haverá lugar para o poder que oprime; nela não cabe hierarquia alguma de honra e dominação, mas hierarquia de serviço; tampouco métodos e estratégias de poder; é o serviço que constrói a comunidade cristã.Quem quiser ser grande seja vosso servidor; e quem quiser ser o pri-meiro seja o escravo de todos” (Mc 10,43).

O Evangelho se torna assim um guia de servidores. Não é diretório para triunfar, nem manual para ganhar poder e dominar sobre os outros. Por isso, todos aqueles que, alguma vez, buscaram ou buscam poder e prestígio na Igreja, se equivocam de Messias e se afastam do Reino.
No grupo dos seguidores de Jesus, aquele que quer sobressair e ser mais que os outros, deve se deslocar para o último lugar; assim, a partir da perspectiva dos últimos, poderá ter melhor visão daquilo que eles mais necessitam e poderá ser servidor de todos.
A verdadeira grandeza consiste em servir com amor; o serviço é a manifestação prática do amor. E o amor busca sempre o último lugar, precisamente porque esse é o lugar mais universal; é o lugar que mais nos humaniza, o que mais humaniza a vida, a convivência, a sociedade.
A partir deste pano de fundo, os evangelhos aparecem como um manual de uma Igreja de servidores, onde a vida adquire seu mais profundo sentido, onde surgem relações novas, fundadas na gratuidade, na compaixão, na acolhida...

Para o “lider servidor” na Igreja, a liderança não significa cargo, privilégio, títulos ou dinheiro, mas é exercitar uma responsabilidade no serviço. Ele não se pergunta: “quê quero”, mas “em quê posso aju-dar?”, ou “o quê deve ser feito?”.
Assim, os líderes servidores são doadores e não receptores. Nunca se apegam a uma posição ou cargo. Escutam e aprendem daqueles aos quais lideram. São disponíveis, vão de um lugar para outro, falando e ouvindo as pessoas de todos os níveis da instituição.
E assim, servir e ajudar, em lugar de mandar e controlar, são as palavras de ordem dos novos líderes.
Portanto, liderar com autoridade implica espírito de confiança, tratar o outro com bondade, ouvir atentamente, ter verdadeiro respeito para com os talentos do outro, ter real interesse por ajudar o outro para que tenha êxito, manter acesa a chama do sonho para que cada um possa tirar o melhor de si mesmo a favor da comunidade, sintonizar com os princípios profundos e valores permanentes da vida, expressar consideração, elogio e reconhecimento pela atuação do outro, afastar todo preconceito...

A identificação com o “divino serviço” atua, em cada cristão, como força rompedora daquilo que é tradi-cional, o conhecido, o “status quo”... levando-o a “inventar” respostas criativas e originais aos velhos de-safios de seu tempo. Ele desenvolve uma liderança clara, realista, centrada, universal, comprometida com a vida; um líder que ama o que faz, pois é consciente de sua missão, descoberta em sua amorosa e infatigável busca da Vontade de Deus.
Ele sabe desenvolver uma liderança inserida nas realidades deste mundo, mas sempre com o olhar fixo em discernir para buscar, encontrar, sentir e fazer  o que é “melhor” no serviço divino.
Inspirados no modo de proceder de Jesus, podemos traçar o perfil do servidor cristão,
* Pessoas abertas à ação de Deus com um  projeto de vida comum, orientado por uma Espiritualidade  e
   coerentes com seu   testemunho de vida.
* Pessoas sensíveis e conscientes frente à realidade social, comprometidas em um testemunho de vida a serviço
   aos outros e com os outros, para transformar e construir uma sociedade na paz e na convivência.
* Pessoas compassivas: possuidoras de uma qualidade humana fundada no amor, na compaixão, na ternura e no
   serviço.
* Pessoas comprometidas: que acompanham o processo de crescimento do outro de maneira tolerante, justa,
   próxima e exigente.
* Pessoas com identidade espírito comunitário, capazes de trabalhar em equipe.

Texto bíblicoMc. 10,35-45 

Na oração: suplicar a graça para “des-velar” (tirar o véu) os “zebedeus ocultos” que atrofiam a vida e es-
                   vaziam o dinamismo do seguimento de Jesus; verificar em quê circunstâncias eles mais se manifestam: na família? No trabalho? Na comunidade?...




segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Homilia Dominical - 11 de outubro de 2015

PESOS MORTOS” QUE TRAVAM O SEGUIMENTO

“Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico”

A cena do evangelho de hoje ilustra bem como uma “aderência afetiva” (fixação afetiva) a coisas, posses, pessoas, idéias, cargos, status, ídolos, dependências... nos travam e impedem de nos mover com facilidade. Perdemos o “fluxo” da vida, o impulso do movimento, a suavidade do “deslizar pela existência”.
            “Diga-me o tamanho dos seus apegos, e eu lhe direi o tamanho do seu sofrimento”.

 “Seis homens que caminhavam em busca de novas terras depararam-se com um rio caudaloso que lhes impedia avançar em seu caminho. Construíram um barco, prepararam os remos e entraram nele.

Remaram juntos, e assim chegaram à outra margem. Desembarcaram para prosseguir o seu caminho, mas como o barco havia sido muito útil, carregaram-no sobre os ombros e seguiram assim penosamente sua peregrinação pela terra seca”.

Levamos “cargas” como essas em nosso interior, e são justamente elas que dificultam nossa caminhada pela vida. Se soubemos construir um barco quando foi preciso, também saberemos construir outro caso volte a se apresentar a situação; enquanto isso é melhor desfazer-nos de cargas incômodas para andar com maior desenvoltura e alegria pela vida.
O medo de perder “algo” no futuro atrapalha viver intensamente o presente. Quantos “pesos mortos” arrastamos em nossa vida, com recordações, lembranças, apegos, afetos desordenados...!
Na perspectiva bíblica, há uma incompatibilidade radical entre a paixão pelas riquezas e a paixão pelo Reino. Ninguém pode servir a dois senhores.
Não é possível amar a Deus, isto é, amar a generosidade, a entrega, a solidariedade, a compaixão, a misericórdia, e ao mesmo tempo amar a riqueza, isto é, amar ou tomar tudo para si, a acumulação que é base de toda injustiça e de todo desamor: fome, violência, exclusão, exploração...
A fidelidade ao Deus único fica interditada e o seguimento de Cristo fica fragilizado.
O apego aos “bens” apresenta-se como uma das tentações mais poderosas para todo seguidor de Jesus.
O dinheiro, os bens, as posses apresentam-se, então, como solo firme sob seus pés; eles provocam o fascínio, a adoração e as identificações mais perniciosas.

No evangelho, o “jovem rico” aproxima-se de Jesus, correndo, movido por uma angustiante inquietação que o devorava  por dentro e lhe pergunta: “Quê devo fazer para ganhar a vida eterna?”
Ajoelhou-se diante do Mestre com respeito, como se visse nele seu último recurso para encontrar resposta à questão que era urgente resolver. Não se dirigia a Jesus como os outros personagens, oprimidos pela enfermidade ou pela pobreza, mas a partir de um mal-estar interior: por quê, apesar de ter tudo e levar uma vida irrepreensível, continuava sentindo-se insatisfeito?
Isto nos causa surpresa, pois tinha tudo o que hoje nos é proposto como meta: juventude, riqueza e status. A vida terrena não lhe preocupava: tinha sua subsistência resolvida; ele perguntava por uma “outra vida”, que lhe desse o sentido e a plenitude que lhe estavam faltando.

O diálogo de Jesus com o jovem rico está marcado por contrastes. O jovem começa com uma pergunta focada no âmbito do “fazer”: “quê devo fazer?”. E a finalidade do “fazer” se formula com o verbo “ter”: “...para ganhar a vida eterna”.
Jesus, no entanto, situa sua resposta em outra dimensão. Primeiro, reconduz o objeto direto do “fazer” a um sujeito com maiúsculas: “Por quê me chamas de bom? Só Deus é Bom”. Logo, não é questão só de “fazer o que é bom”, mas de “ser” como Deus: pura bondade.
O verbo “ter” também se transforma por “entrar” na vida eterna. A vida eterna não se “obtém”; na vida eterna “entra-se”.
Os quatro imperativos que o jovem recebeu como resposta (“vai, vende, dá, segue-me”), lhe descon-certaram: ele explicitara sua inquietação pela vida eterna em termos de posse (“quê devo fazer para ganhar”?), pois até os mandamentos ele os havia cumprido. Mas Jesus o orientou em outra direção: não para a acumulação, a posse ou a herança, mas para a desapropriação, o esvaziamento e a entrega.
Isso era “o que lhe faltava”.

Todos nós somos como o jovem rico no momento em que nos aproximamos de Jesus.
Todos nós carregamos no coração a mesma inquietação do jovem; nele podemos nos reconhecer, sobretudo neste tempo em que nos ronda a insegurança, a obscuridade do horizonte, a dúvida...

É possível viver, desde agora, uma “vida eterna”, transbordante e plena, apesar das limitações do tempo, da fragilidade e da caducidade das relações humanas, para além das gratificações e das buscas de recom-pensas? Quais são os condicionamentos afetivos que de fato limitam e atrofiam nossa liberdade e que nos desviam da vivência do evangelho?
Estranhas atitudes estas que Jesus propõe, tão contrárias em uma cultura como a nossa que nos apresenta a apropriação e a acumulação como meta da existência. Ele, imperturbável, apresenta sua alternativa: perder, vender, dar, deixar, não armazenar, não entesourar, não reter avidamente, desapropriar-se, esvaziar-se, partilhar...
Eleger a partilha, o despojamento e a simplicidade de vida é a base e condição para poder seguí-Lo no trabalho do Reino; barcos, redes ou mesa de negócios devem ser abandonados.
A escolha de uma vida despojada expressa a liberdade para colocar-se a serviço do Reino.
A afeição aos bens, à acumulação, pelo contrário, acarreta o enorme risco de se ficar cego e surdo para atender ao chamado de Jesus.
Estamos em tempo de soltar as ataduras que nos travam e de iniciar, despojados e libres, um caminho novo junto ao Mestre.

Texto bíblicoMc. 10,17-30

Na oração: Temos muitas atitudes, posses, idéias, cargos, posições,
                   bens... que consideramos como Vontade de Deus; na realidade é tudo “projeção” de nossos medos, de nossa insegurança...
* Quê “tesouros” estão travando nossa vida e impedindo-nos de seguir a Cristo mais livremente?  
Quantas projeções!... Quantas transferências!... Às vezes, parece que cada um vive à mercê dos ventos dos seus sentimentos!... Por quê você se dedica a tal pastoral?... O que você procura?... Qual a compensa-
ção afetiva que espera?... Qual sua “agenda oculta”? O que espera “ganhar ou perder”?
           Suas decisões são tomadas a partir de que parâmetros: prazer? compensação? Vontade de Deus?...



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