Teológico Pastoral

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terça-feira, 20 de janeiro de 2015

HOMILIA DOMINICAL - 25 DE JANEIRO DE 2015

UMA VOZ QUE MOVE...

“E, passando à beira do mar da Galiléia, Jesus viu Simão e André... e lhes disse: ‘segui-me’... (Mc 1,16)

Agora começa o tempo do “caminho”; agora começa do tempo do “chamado”; agora começa o tempo do “seguimento”. E tudo começa pelo anúncio do grande acontecimento: podemos mudar nossa mente e nosso modo de pensar; podemos mudar nosso coração e aventurar-nos em uma nova vida.
Um forte apelo tem ressonância universal: “convertei-vos e crede no Evangelho”.
E tudo começa junto a um lago; tudo começa junto a umas barcas envelhecidas pela tarefa de pescar; tu-do começa junto a umas redes gastas e que precisam ser remendadas a cada dia. E alí estão quatro traba-lhadores: Simão e André, Tiago e João... Uma grande causa os espera: “o Reino de Deus está próximo”.
Deixai de pescar no lago estreito; a humanidade os espera; as pessoas esperam algo novo.
E tudo começa por um apelo muito simples, cujas consequências são imprevisíveis: “imediatamente deixaram as redes e o seguiram”.

Começa a primeira aventura humana da fé; começa a primeira aventura de sonhar e construir um mundo melhor. Um novo movimento é desencadeado e algo novo surge na história.
Hoje, a barca de nossas vidas recebe a ordem de zarpar. Para onde o Senhor quererá nos levar?
Todos teremos nossas barcas e nossas velas abertas ao vento do Espírito. Muitos, com medo, permanece-rão na praia, contemplando aqueles que, com coragem, darão início à grande travessia. Onde me situo?
Não somos os primeiros a serem convidados; mas somos os convidados de hoje. Haverá ventos favoráveis e ventos contrários ao nosso navegar. Mas nós zarparemos hoje, agitando nossos lenços da fé, despedin-do-nos daqueles que não se atrevem a deixar suas velhas barcas e suas redes remendadas.

O “mistério de Deus” nos supera. Parece que Ele se faz mais acessível pelos caminhos cotidianos da vida. É na vida pessoal ou coletiva onde Deus se revela presente e manifesta sua voz. Esta foi a experiência do povo de Israel (Dt. 26,6-10) e a experiência dos primeiros discípulos de Jesus.
Nosso Deus é um Deus de pessoas: Abraão, Isaac, Jacó, Maria, Pedro...
Um Deus de pessoas que se encontra mais na vida que nas idéias e nas doutrinas.
A pessoa é o lugar de encontro com Deus.
Jesus é, precisamente, a presença de Deus na vida humana. Um homem entre os homens.  Ele vai em busca de pessoas, chama-as pelo nome; sua presença e sua voz arranca-as do seu ambiente, da sua rotina... e lança-as para novos desafios.
Tudo começou às margens do mar da Galiléia... um encontro. Jesus entra no cotidiano de 4 homens, no meio daqueles movimentos difíceis e repetitivos, próprios de pescadores. Não estamos no templo, nem num dia sagrado, mas junto do mar, depois da fadiga de um dia de trabalho.
Jesus caminha e, ao passar ao longo do mar, entra no espaço vital daqueles homens, que estavam retornando da pesca. Exatamente ali, naquela vida tão normal, acontece algo novo.

A voz divina escutada no batismo – “este é meu filho amado” – invadiu a interioridade de Jesus e agora é o mesmo Espírito quem o impulsiona para a relação e a proximidade humana. Jesus se deixa levar por essa corrente de proximidade e começa a falar às pessoas, se aproxima, faz contatos, cria comunidade e busca colaboradores para que lhe ajudem a compartilhar o melhor que tem: a boa notícia do amor incondicional do Pai.
Ao contemplar a cena do evangelho de hoje observamos que no começo Jesus está só, enquanto que, no final, está em companhia de quatro seguidores. Jesus propõe, àqueles que chama, a entrar numa relação privilegiada com Ele. A expressão “segui-me” os convida a ficar “associados” à sua maneira de ser, de falar e de compartilhar com Ele em uma missão comum.
O chamado individualiza e personaliza de um modo irrepetível e inconfundível, dá um sentido completa-mente novo à própria vida. Jesus toma em suas mãos o futuro daqueles que o acompanham: junto a Ele irão adquirindo uma nova personalidade definida pela referência a outros.

Logo que ouviram a Sua voz, aqueles pescadores se dão conta d’Aquele que estava passando: eles já ti-nham sido vistos, conhecidos, amados, escolhidos.
Aquela voz abre os olhos, a mente e o coração daqueles pescadores do lago. Sentem-se chamados pelo no-me e conseguem compreender melhor a si mesmos, confrontam-se com Aquele que os chama e re-des-cobrem um sentido novo, um significado inimaginável da própria existência.
Finalmente, não se sentem mais sozinhos.

Os quatro homens são atraídos pela voz, mais do que pelas palavras ou pela promessa do Desconhecido que passa, vê, chama, conhece também o nome de seus pais, e sabe bem quantas e quais são as barcas e as redes que lhes davam segurança. O objetivo da promessa não se refere somente a algo que haverá de acontecer, mas a Alguém que já está presente. A promessa que os atrai é, justamente, Aquele desconheci-do, que, das margens, os chama pelo nome.
Depois de tê-los despojado de suas seguranças e levado a intuir que a vida não é questão de certezas, mas de busca e de desejos, Jesus chama aqueles pescadores para ficarem com Ele e entre eles, fazendo comunidade.

Aquele Desconhecido se aproxima, ainda hoje, do nosso mar da Galiléia, que representa os lugares, os afetos, os segredos, os costumes da nossa vida cotidiana... nos faz a proposta para entrar em outro mar.
Seguir o Desconhecido do lago significa aceitar toda a vida como sacramento, como símbolo d’Aquele que passa, vê, conhece, ama, chama pelo nome...
Cada um de nós descobre ser chamado em nossa própria vida e respondemos de acordo com o estado e a situação em que nos encontramos. O fato de sentir, em nossos desejos, que estamos insatisfeitos, cultivar aspirações sempre novas, procurar entender quem somos, o que devemos fazer, o que nos torna realmente felizes..., no fundo, é um contínuo chamado pelo nome.
Não podemos permanecer indiferentes. É preciso ter coragem de perguntar: “Quem me chama?” e “a quê me chama?”; pedir ajuda para conseguir entender, reconhecer, descobrir o nosso nome.
Deus está presente em todo o caminho do ser humano, mesmo quando este se encontra na rotina do trabalho cansativo, no silêncio, na incapacidade de entender e, até mesmo, de responder.
São muitos os chamados que, à margem do mar, se perdem no vazio.
Deus pede, cada um de nós, entrar no “fluxo da vida”, evitando deixar que uma só das suas palavras, do seu chamado, possa cair no vazio.
A dinâmica da relação com Deus passa através da nossa história, das nossas alegrias, dos nossos sofrimentos, e das nossas perguntas: “Quem sou eu?”, “O que quereis de mim?”.

Texto bíblicoMc 1,14-20

Na oração:  No fundo do seu coração cheio de velhas barcas, redes inúteis, mar estreito... é aí que o Senhor
                  passa e com sua voz provocante o acorda para uma ousadia maior. Compete a você dar-lhe acolhida.



domingo, 18 de janeiro de 2015

HOMILIA DOMINICAL - 18 DE JANEIRO DE 2015

QUÊ ANDAMOS BUSCANDO?

“Quê buscais?” (Jo 1,38)

O Evangelho de hoje marca o início da atividade pública de Jesus: um relato de busca e de seguimento. Dois discípulos, que escutaram o Batista, começam a seguir o Mestre de Nazaré, sem dizer palavra alguma. Há algo n’Ele que os atrai, embora ainda não sabem quem Ele é nem para onde os leva. No entanto, para seguir a Jesus não basta escutar o que os outros dizem dele. É necessária uma experiência pessoal.
Por isso, Jesus se volta e lhes faz uma pergunta muito instigante: “quê buscais?”. Estas são as primeiras palavras de Jesus àqueles que o seguem. Não se pode caminhar atrás de seus passos de qualquer maneira.
Aqueles homens não sabem aonde os pode levar a aventura de seguir a Jesus, mas intuem que pode ensi-nar-lhes algo que ainda não conhecem; por isso, sua resposta é outra pergunta sábia: “Mestre, onde moras?”
Não buscam n’Ele grandes doutrinas nem sábias filosofias. Querem que lhes mostre onde vive, como vive e para quê vive. Desejam que lhes ensine a viver. A resposta de Jesus é a de um verdadeiro mestre: “Vinde e vede”. Experimentai-o vós mesmos, percorrei meu caminho, caminhai por ele... Não lhes dá explicações ou uma exortação, nem lhes impõe condições, nem exige deles algum tipo de submissão.

Jesus lhes dirige uma pergunta que os remete ao centro de seu coração, àquilo que os move: “quê estais buscando?” Sua pedagogia é a da pergunta que des-vela, pois move a pessoa a entrar dentro de si e encontrar-se com a fonte que mana e corre.
Com seu modo original de perguntar, Jesus abre um horizonte novo de vida àqueles dois discípulos. Pou-co a pouco, Ele vai libertando-os de enganos, medos e dúvidas que atrofiavam e bloqueavam suas vidas.
 “O Evangelho é um itinerário para abrir com profundidade a interioridade humana” (Rovira Belloso), e nele vemos como Jesus promove o retorno ao interior;
A pergunta nos retira da cotidianidade e da mediocridade e nos põe no movimento de busca do novo.
Somos filhos da pergunta provocada pelo mistério da vida, das coisas, de Deus, de si mesmo...
Perguntar quer dizer não estar pronto, não viver em porto seguro, mas em contínua peregrinação.
Só quando acolhemos as perguntas provocativas é que emergimos da cotidianidade e percebemos quão inacabada é nossa existência e quanto temos ainda de caminhar na realização de nossa missão.
Quando a pergunta ressoa em nós, aí é que descobrimos nossa mais autêntica forma de ser, nossa originalidade, nossa identidade...; ela provoca as mudanças e a transformação torna-se possível.
A pergunta nos arranca da surdez e nos faz escutar aquilo que o barulho cotidiano abafa e esconde;
ela nos desperta e nos faz sair da ilusão de que não há mais nada de novo para aprender e ser, nem há mais o que perguntar.

Toda pergunta ativa o “ser buscador” que nos habita. O ser humano pode ser definido como buscador; a busca é inevitável e é aquela que dá sentido à nossa existência.
Em um primeiro momento, na origem da busca, podemos detectar uma insatisfação: cremos que algo nos falta, porque nos sentimos insatisfeitos. E nos lançamos em sua busca.
Geralmente, os primeiros passos nos impulsionam para fora, em busca de “objetos” – bens, posses, afetos, prestígio, poder, prazer… - que nosso eu reclama. Imaginamos que, fora de nós, deve haver “algo” que nos sacie e nos permita descansar numa sensação de plenitude.
No entanto, não demoramos em experimentar que, em lugar do sonhado descanso, o que começamos a armazenar é frustração crescente: a busca não nos traz nada estável e pleno.

A busca deve orientar-nos para o interior: a Fonte que saciará nossa sede brota no mais profundo de nosso ser. Por isso, é necessário que aprendamos a escutar nosso “mestre interior”. Na realidade, o que andamos buscando é o nosso “eu verdadeiro” , o “eu profundo”, a “identidade original”. Nesse sentido, só o que nos faz mais humanos, e na medida em que nos faça mais humanos, plenificará nossa existência.
A expressão de Pascal de que “o ser humano supera infinitamente o ser humano” resume bem esta vivência da busca que nos habita, nos move e nos faz transbordar em nossa mesma intimidade.
Podemos entrar dentro de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, a dimensão “divi-na” que nos situa acima do vai-e-vém das coisas, acima do tempo e da contingência...

A pergunta de Jesus – “quê estais buscando” – suscita nos dois discípulos outra pergunta: - “Mestre, onde moras?”. Eles não lhe pedem uma nova doutrina nem esperam respostas teóricas. O que querem é entrar no “território” onde Jesus vive e poder também eles transitar por aí.

Trata-se do território perdido que todos andamos buscando: a verdade de quem somos nós.
Esta nossa busca começa no retorno ao interior, onde o Senhor nos habita e nos move. Podemos então afirmar que a busca de Deus e o encontro com ele, a partir de Sua iniciativa, coincidem com a busca e o encontro de si mesmo, de modo que buscar a Deus é buscar-se a si mesmo, na própria interioridade.
Todo o resto são “mapas”, explicações, crenças, informações, opiniões...  Mapas que talvez tenham sido úteis durante algum tempo, mas que não podem saciar nosso desejo. Ninguém pode ficar satisfeito porque possui muitos mapas. A busca não se deterá até que não pisemos o território do coração.
Ninguém nos pode ensinar isso a partir de fora; o máximo que pode fazer é nos oferecer “mapas”, dar ânimo, sustentar-nos e acompanhar-nos, mas é cada qual deve fazer seu caminho.

Não é comum prestar atenção ao que acontece no território interior. São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibi-lidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio território se tor-na uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.
Ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade, solidariedade e abertura às mudanças e às novas descobertas. Algumas fortalezas e seguranças pessoais caem quando os “espaços interiores”, abrasados e iluminados pela força do Espírito, começam a romper as paredes e se encarnam em “lugares exteriores”, marcados pela beleza e encantamento.
Não tem sentido transitar pelos “territórios” por onde Jesus transita se nossa mente permanece estreita, se nosso coração continua insensível, se nossas mãos estão atrofiadas, se nossa criatividade sente-se bloqueada... Ampliar os espaços interiores é convite a sonhar alto, a pensar grande, a aventurar-se... ousar ir além, lançar por terra nosso modo arcaico de proceder, romper com os espaços rotineiros e cansativos.
Texto bíblicoJo 1,35-42

Na oração: a pergunta de Jesus continua ressoando no interior de cada um de nós:
                   Porquê o seguimos? Quê buscamos?
Quem se põe a caminho atrás d’Ele, começa a viver com mais verdade e genero-sidade, com mais sentido e esperança; tem a sensação de que começa, finalmente, a viver a vida a partir de sua raiz, com mais inspiração e criatividade. Tal experiência é expansiva, pois o faz mais humano e o move a despertar a humanidade travada no outro. Tudo começa a ser diferente.
Na Igreja e fora dela são muitos os que vivem hoje perdidos no labirinto da vida, sem caminhos e sem orientação. Alguns começam a sentir com força a necessidade de aprender a viver de maneira diferente, mais humana, mais sadia e mais digna.
Encontrar-se com Jesus pode ser para eles a grande notícia.



quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Homilia Dominical - 11 de Janeiro de 2015

BATIZADOS: SUBMERGIDOS NA VIDA

“...ao sair da água, viu o céu se abrindo e o Espírito, como pomba, descer sobre ele” (Mc 1,10)

Estamos no primeiro domingo do “Tempo Comum”; celebramos hoje uma das três manifestações de Jesus que, nos primeiros séculos da Igreja, estavam integradas na festa da Epifania (Magos, apresentação no Templo e Batismo)
Para o evangelista Marcos, o relato do Batismo não é mais um entre tantos, mas uma das chaves para compreender todo o evangelho. O batismo de Jesus é o acontecimento mais importante de toda sua vida, fora sua Paixão-Morte-Ressurreição.
Não foi um ato de humildade nem uma representação diante dos outros, mas uma atitude de total abertura e sintonia com o Pai e o Espírito. O fato de que se deixara batizar por João nos leva muito além de um encontro fortuito. A experiência junto ao Jordão o ajudou a descobrir o sentido de sua existência: ali Jesus viu claro o que o Pai esperava dele, e que a força do Espírito o acompanhava para levar a termo essa missão.

As três leituras indicadas para a festa de hoje nos falam do Espírito como principal protagonista. O Evan-gelho, para falar do Espírito, usa uma imagem sensível, “como uma pomba”. Certamente esta imagem nos faz retornar até o início da Bíblia, no relato da Criação, onde se diz que o Espírito de Deus “pairava” sobre as águas. O relato do Batismo nos revela um “novo Tempo” e um “novo começo”: esse Espírito transfor-ma interiormente a Jesus e o capacita para levar a termo a difícil tarefa que lhe esperava.
Sobre a terra começa a caminhar um homem cheio do Espírito de Deus. Esse Espírito que desce sobre Ele é o alento de Deus que cria a vida, a força que renova e cura os viventes, o amor que transforma tudo. Por isso Jesus se dedica a libertar a vida, a curá-la e torná-la mais humana.
Conduzido pelo Espírito, Jesus “desce” e mergulha nas águas turvas da humanidade, onde se encontra com a vida ferida, violentada e excluída. Sob a ação do Espírito, Jesus vai destravando as vidas bloquea-das, oferecendo-lhes um horizonte de sentido, alimentando uma ousada esperança e abrindo novos cami-nhos de comunhão e solidariedade.

O Espírito não precisou vir de nenhuma parte; já estava em Jesus desde sempre, como está em cada um de nós. Descobrir essa presença é “nascer do Espírito”.
O Espírito está também presente em cada um de nós; cabe a nós tomar consciência dessa presença e nos “deixar conduzir por Ele”, como fez Jesus. É necessário viver empapados do Espírito Santo, ou seja, viver guiados, sustentados e fortalecidos por Ele.
É decisivo deixar o Espírito destravar as nossas ricas “possibilidades de ser” presentes em nosso interior; se ativamos somente nossas possibilidades biológicas e psicológicas, desenvolveremos apenas uma parte de nosso ser. Somos também espírito e se queremos alcançar nossa plenitude humana, temos de abrir espaço em nós à ação do Espírito. Essa descoberta marcará um antes e um depois em nossa vida.
Aqui não se trata mais de um rito, mas de uma realidade: a mesma vida de Deus em nós. Essa é a Vida que palpita e flui em toda a realidade, a que nos constitui no núcleo do que somos. Por isso, podemos dizer com verdade que todos os seres estamos já “batizados com Espírito Santo”. Como poderíamos viver na ausência dessa Vida? Como estaríamos vivos se nos encontrássemos desconectados da Fonte da Vida?... Estamos compartilhando a mesma Vida da qual Jesus foi tão consciente.

“Batizar-nos no Espirito Santo” é descer ao nosso “jordão interior”, mergulhar em nossa própria huma-nidade, para dali sairmos recriados e impulsionados a um compromisso de vida. Não se trata só de que temos “recebido” a Vida divina, senão que somos essa mesma Vida, expressando-se em mil formas dife-rentes; mas todas elas são expressão da única Vida e do mesmo Ser.
O Espírito atua sempre da mesma maneira, silenciosamente, a partir de dentro, sem ruídos, sem ventanias, sem violentar a natureza porque atua sempre de acordo com ela.
Somos filhos(as) do Vento porque estamos nascendo permanentemente da Fonte da Vida, que é nossa mesma vida. Somos seres criados, habitados, sustentados, amados pelo Sopro originante e amoroso de tudo o que é, ao qual as religiões chamaram “Deus”.

O Espírito é brisa, é vida, é movimento... A vida é vivida quando sopra a força do Espírito, que impul-siona a abrir, a avançar, progredir... Sempre foi e sempre será uma aventura apaixonante “deixar-se condu-zir pelo Espírito”.  Quem abre espaço para que o “Espírito desça sobre ele” não foge de si mesmo senão que se submerge em seu espaço interior, e, a partir dali, desemboca numa atitude contemplativa no mundo que o cerca; em sintonia com o ritmo da criação e da beleza, abre-se à relação com o outro, entrando em um verdadeiro dinamismo de vida.
Porque a vida autêntica é a vida movida, iluminada, impulsionada pelo dinamismo do amor, que se expres-sa numa relação cordial, aberta e receptiva à originalidade do outro.
Precisamos de outro ritmo em nossa vida, porque a melodia espiritual está presente em nosso mundo. Precisamos de um outro olhar contemplativo, sobre nós e sobre a sociedade, e não fugir de nós mesmos, senão acolher a vida com outra sabedoria.
Em suma, a palavra “Espírito” significa vento, hálito, sopro de vida, força interior que nos transforma a partir de dentro. Para a mentalidade cristã, o seguimento de Jesus é considerado como uma vida segundo o Espírito, uma vida que tem como fundamento e inspiração o modo de ser e atuar de Jesus de Nazaré.  Hoje, precisamos desta força do Espírito nas pessoas, nos povos, nas instituições e na história.

Se não nos deixamos reavivar e recriar por esse Espírito, nós cristãos não teremos nada importante que apresentar à sociedade atual tão vazia de interioridade, tão incapacitada para o amor solidário e tão neces-sitada de esperança. É preciso transformar nosso olhar, nossa atitude e nossa relação com o mundo de hoje. Precisamos parecer-nos mais a Jesus, ou seja, deixar-nos “batizar” por seu Espírito.
Só o Espírito pode dar à Igreja um novo rosto.
O Espírito de Jesus continua vivo e operante hoje no coração das pessoas. Estão sendo criadas condições nas quais o essencial do Evangelho pode ressoar de maneira nova. Uma Igreja mais frágil, humilde pode fazer que o Espírito de Jesus seja entendido e acolhido com mais verdade.

Texto bíblicoMc 1,7-11

Na oração: As grandes transformações sociais e culturais pelas quais estamos passando estão pedindo hoje a
                     nós cristãos uma fidelidade e uma escuta do que nos diz o Espírito de Jesus.
Como estamos acolhendo hoje o Espírito de Jesus?
Quê caminhos novos anda buscando hoje o Espírito de Deus para encontrar-se com os homens e mulheres de nosso tempo? A partir do nosso Batismo, como devemos renovar nossa maneira de pensar, de dizer e de viver a fé para que a voz do Espírito possa atingir às grandes interrogações, as dúvidas e os medos que brotam e afligem a humanidade?


fonte: http://www.ceijesuitas.org.br/




segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Homilia dominical - 4 de janeiro de 2015

EPIFANIA: viver em terra de andanças

“E eis que a estrela que tinham vista no Oriente ia à frente deles até que parou sobre o lugar
 onde se encontrava o menino” (Mt 2,9)

Guiados pela estrela no céu e pela estrela de uma grande esperança no coração, os Magos começam a caminhar. Na sua busca, examinam o céu e auscultam o próprio coração. Porque buscam, empreendem o caminho. Põem-se a caminho porque tem perguntas e inquietações no coração.
Caminharam juntos, em comunidade. Só ajudando-se e animando-se mutuamente, carregando o peso uns dos outros, durante o calor do dia e durante a escuridão da noite, é possível chegar à meta.
O símbolo dominante no caminho é a Luz que, na Bíblia, é manifestação do mistério de Deus nas suas dimensões fundamentais de vizinhança (imanência) e de alteridade (transcendência).
A luz, de fato, está fora de nós, é exterior, impalpável, intocável; mas também está em nós e sobre nós, nos ilumina, individualiza, é vida e calor. Em sua etimologia, a palavra “epifania” nos fala de um “vir à luz”, de um “aparecer” que se mostra no brilho da aparência.
A palavra epifania nos fala, portanto, do brilhar de uma luz que se “des-cobre” a nós. Esta eclosão da luz, este “brilhar-para”, acontece em um momento que não provém de uma decisão nossa, mas de uma atenção nossa.

O simbolismo da luz conduz-nos a uma outra imagem dominante na narração dos Magos, a espacial.
O quadro geográfico-espacial que decorre da narrativa de Mateus é denso: Oriente, Jerusalém, Belém, Judéia, Egito, Ramá, Galiléia, Nazaré. Mas não se trata apenas de um mapa topográfico. O espaço bíblico é dinâmico, é percorrido por um formigueiro de vida, de movimento... É a história de uma viagem arriscada, de um itinerário “abraâmico”,  que partiu, “mas sem saber para onde ía”. (Heb. ll,8).
Aqui se unem a história de Abraão e dos Magos, que deixam a pátria por uma terra desconhecida.
O que os olhos dos Magos vêem ao entrar na gruta é a fragilidade e a impotência de um recém-nascido. Mas o que esses mesmos olhos – acostumados a auscultar os céus e treinados no discernimento do que o coração sente – reconhecem, depois de guiados pela estrela e ilustrados pelas Escrituras, é o Esperado de todos os povos e de toda a Criação. O longo itinerário da busca de Deus só pode terminar na adoração e na entrega.
Os Magos visitam e se vão; retomam a itinerância na fidelidade a uma estrela; isto significa novamente fazer a experiência da busca, da esperança...
Toda viagem que culmina na manjedoura, é ponto de partida para novos caminhos.

A viagem dos Magos se torna, assim, o símbolo da vida cristã, entendida como seguimento, como discipulado, como procura. Para chegar ao encontro com Deus é necessário atravessar, como eles, desertos escaldantes e noites escuras, desinstalar-se e romper com o convencional, vencer novos obstácu-los e refutar  velhos argumentos. Quem quer encontrar Deus, não pode ficar preso ao passado.
Precisa partir sempre de novo, com o coração cada vez mais leve, porque mais livre; mudando, cada manhã, o lugar, o modo de pensar, a maneira de esperar e a forma de viver.
A viagem exige desapego, coragem, procura, esperança. Quem está preso à terra pelo peso das coisas, pelos apegos, pelos egoísmos, não é capaz de se tornar peregrino.
Quem está convencido de possuir tudo, inclusive o monopólio da verdade, não tem a gana da procura contínua. Quem está bem instalado na cidade não precisa de Belém.
Para chegar ao encontro com Jesus é necessário deixar-se comover pelos sinais percebidos e discernidos, é necessário deixar-se mover e guiar por eles ao longo de toda a caminhada.
Quem parte impelido por esse dinamismo, é porque de alguma maneira já vislumbrou o que busca. Quem é movido por uma grande esperança, tem força e entusiasmo para deixar tudo e partir.

“Fazer estradas” é preciso. Caminhar consciente: nada está definido no caminho. Há rumos diversos e ritmos diferentes de andar. Em cada ser humano brilha uma luz que aponta para uma fonte e conduz a uma meta que o faz peregrinar.
Se o caminhante é uma pessoa de fé, transforma-se em peregrina diante de horizontes abertos e futuros distantes. É um engano pensar que a chegada é a parte mais importante.
Em nossas entranhas, fomos feitos com “fome de estrada”. Nascemos com essa inquietude: nossa vida é uma longa jornada.
                “Quando descanso meus pés, minha mente também pára de funcionar”. (J.G. Hamann)

Na pequena procissão dos Magos rumo à verdade e à luz, podemos ver a grande procissão da humanidade Para todos é indispensável a procura, a viagem, o risco.
Ao fim da viagem, depois de muitas peripécias e muita escuridão, depois de silêncios e estradas erradas, eis que surge, para  todos, Belém. Para quem O procura de coração sincero, Deus se faz encontro.
A estrela que guia nossa busca continua sempre apontando para mais verdade, mais entrega, mais justiça, mais comunhão. Ela continua a brilhar sempre no firmamento do coração.
Sobre e em torno ao menino Jesus se projeta e se desenrola o grande duelo da história:
- à Belém, cidade de Davi se opõe Jerusalém, a cidade de Herodes;
- à busca homicida de Herodes, a busca amorosa dos Magos; ao medo sucede a alegria;
- a interrogação “onde está o rei dos judeus?” dá lugar ao festivo “viram o menino e sua mãe”;
- à noite se sobrepõe a estrela, que ilumina a escuridão; a estrela indica, mas desaparece;
- os sumos sacerdotes e os escribas conhecem a verdade sobre o Messias, mas não sabem reconhecê-
   lo; a meta, Jerusalém, é substituída por “uma outra estrada para a qual se encaminham os Magos
                           
No deserto de nossas vidas, os mapas de estradas não são muito úteis.
Nós não temos necessidade de mapas; no deserto, onde não há mais estradas, para que servem os mapas? No deserto temos necessidade de bússolas e faróis. Podemos perder todos os mapas, todos os nossos pontos de referência, todas as nossas escalas, mas não podemos perder a bússola; não podemos perder a nossa orientação, a nossa orientação para a gruta.
Isto é muito importante para nós quando estamos, muitas vezes, sem re-ferência, porque neste momento temos de fazer uso de nossa bússola, isto é, do nosso coração. Um coração que busca o Senhor.

Texto bíblicoMt 2,1-12        
   
Na oração: - saber esperar é abrir-se para a revelação do mundo enquanto
                      Epifania, luminosidade que se manifesta no mais comum e cotidiano de nossa vida. Neste momento o Mago nos visita, nos habita.
- O presente dos Magos é a aceitação e o reconhecimento da manifestação do Deus no presente.
- Esta Presença sempre presente só é recebida por aquele que, livre e despojado, se encontra diante da
   manjedoura, na plenitude da simplicidade.

fonte: http://www.ceijesuitas.org.b


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