Teológico Pastoral

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sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Homilia dominical - 22 de Janeiro de 2017

A HORA DE LEVANTAR VÔO


“Eles, imediatamente deixaram as redes e o seguiram” (Mt 4,20)

Mudanças são a essência e o sabor da vida. O ser humano é um ser de mudança; só é humano quem vive em “estado de mudança”. A mudança é o elemento que traz energia, variedade, surpresa, côr e vida à vida. Trata-se de um “hábito do coração”: descobrir, examinar, purificar e substituir os hábitos inertes, os esquemas mentais fechados, as condutas petrificadas, os projetos sem horizontes...
É saudável questionar-se, abrir-se e aventurar-se a ver as coisas de maneira diferente e a responder às circunstâncias com espontaneidade nova.
Deus não nos deu um espírito de timidez, de medo, de fuga, de acomodação... mas de audácia, de criatividade, de luta, de participação... Movidos por sua força, vemos a possibilidade de questionar toda nossa atitude conformista, sacudir nossas convicções, ampliar nossos horizontes e animar nossa vida.
Toda mudança implica sair de nós mesmos, de nosso estreito mundo, de nossas práticas arcaicas, daquilo que nos protege e nos esteriliza para que possamos avançar  em direção às novas fronteiras do espaço sem limites, que nos espera aberto e acolhedor.
Ser seguidor de Jesus, portanto, consiste em colocar-nos nos seus “passos”, com suficiente visão da realidade para ir adiante, e com bastante disponibilidade para mudar de caminho quando o sopro do Espírito assim nos sugerir.

O texto do evangelho de hoje nos situa diante de um denominador comum que é a mudança. O próprio Jesus vive um momento de mudança radical: rompe com sua família, com seu ambiente, afasta-se da estrutura religiosa centrada na Lei e no Templo e opta por deslocar-se para a margem social e religiosa de seu tempo (Galiléia e terra de Zabulon). Sua mudança de vida desencadeia um processo de mudanças nas pessoas, de maneira especial no grupo dos primeiros seguidores.
O olhar e o chamado de Jesus ativam um movimento na vida dos primeiros discípulos: deixam seu estreito mar e seu rotineiro trabalho para fazer caminho com o Mestre.
Tudo começou às margens do mar da Galiléia...
Jesus caminha e, ao passar ao longo do mar, viu aqueles homens que estavam retornando da pesca e entra no espaço vital deles. Exatamente ali, naquela vida tão normal, acontece algo novo.
Jesus os chama do mar, os faz descer da barca e os convida a segui-Lo, para mergulhá-los no Seu mar, para fazê-los subir noutra barca, para atraí-los a uma vida diferente.
O seguimento só se realiza quando alguém se deixa conduzir para águas profundas num novo mar.
Partindo do lugar e das coisas que representam as esperanças, as dificuldades, as decepções, os sucessos, as derrotas daqueles homens pescadores, Jesus pronuncia sua Palavra mobilizadora: “Segui-me e farei de vós pescadores de homens”, ou seja, compartilhar Sua mesma missão, “pescar” o que há de mais humano e nobre nas pessoas, ajudá-las a viver com sentido, tirando-as do mar da desumanização.
E Jesus tem a capacidade de extrair o maior bem possível do outro, de garimpar a autêntica qualidade humana de cada um, sem necessidade de dar-lhe lições ou arrastá-lo com argumentos racionais.
“Eles deixaram as redes e o seguiram”: seguir Jesus é uma libertação. Na realidade, o que eles deixam não são só redes, mas tudo aquilo que aprisiona, enreda e que impede a vida ter uma dimensão maior.

Tocados pelo dinamismo de Sua voz e de sua Palavra, os pescadores se dão conta d’Aquele que estava passando: eles já tinham sido vistos, conhecidos, amados, escolhidos.
Aquela Palavra que vibra forte, abre os olhos, a mente e o coração daqueles homens rudes do lago. Sen-tem-se chamados pelo nome, conseguem compreender melhor a si mesmos e re-descobrem um sentido novo, um significado inimaginável para a própria existência. Eles descobrem o quão estreito era o seu mar cotidiano e entram no dinamismo da vida de Jesus, deslocando-se para o vasto oceano do Reino.
A experiência do encontro com a pessoa de Jesus, seu olhar compassivo e terno, a proposta ousada e desafiante que Ele nos faz... despertam dinamismos profundos e desejos nobres em nosso interior, sacodem nossa rotina e ampliam nosso atrofiado olhar.
Ao “fixar seu olhar” em cada um de nós, chamando-nos pelo nome, seremos movidos a assumir opções mais radicais e integrais pelo Reino, segundo o modo de ser, de viver e de fazer do próprio Jesus.

São grandes os riscos de se viver em horizontes tão estreitos. Tal estreiteza aprisiona a solidariedade e dá margem à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças que se fazem urgentes. O próprio lugar se torna uma couraça e o sentido do serviço some do horizonte inspirador de

tudo aquilo que se faz. Ampliar os espaços do coração implica agilidade, flexibilidade, criatividade, solidariedade e abertura às mudanças e às novas descobertas.
Vivemos um tempo caracterizado por constantes mudanças e pelo movimento. No entanto, de uma maneira dissimulada, percebemos a presença de uma paralisia que perpassa nossa condição humana. E paralisia é o que ocorre quando algo que deveria mover-se e fluir, não se move, nem flui. Esse “algo” são processos, projetos, relações, aspirações, causas... E é essa mudança verdadeira que, quando não ocorre, nos faz sentir estancados, angustiados e sem brilho, embora aparentemente as coisas parecem andar bem.

Uma pergunta que normalmente costuma protagonizar nossas conversações com amigos e parentes é: “por quê você vai mudar?” Aumenta a curiosidade quando alguém que gosta muito do que está fazendo, sobretudo no campo profissional, decide mudar: “é verdade que você vai deixar? A gente percebia você tão feliz!”
Acontece que, às vezes, não há nada “mau” com o que estamos fazendo, mas sem entender muito bem por quê, há algo dentro de nós que nos impulsiona a sair, a ir além de nós mesmos, a levantar novo vôo.
Alguém poderia nos perguntar: “Mas, se estava bem, para quê complicar-se ao começar algo novo?”.
A resposta que damos nunca poderá ser totalmente racional.
Porque disso se trata: toda mudança nos leva a desatar nossa essência, isso que somos na verdade e que clama por sair.
O certo é que avançar supõe fazer opções, renunciar à comodidade do conhecido e dar lugar à mudança. Mas mudar nos dá medo e o medo, às vezes, paralisa. Temos medo de nossas próprias capacidades; tememos nossas máximas possibilidades; assusta-nos chegar a ser aquilo que vislumbramos em nossos melhores momentos. No entanto,  não podemos ser “bonsais” de nós mesmos”, atrofiando nossos recur-sos internos e tirando o brilho de nossa vida.
Desprender-nos do antigo e dar lugar ao novo implica um processo sempre enriquecedor mas também doloroso. Muitas vezes, para escapar do sofrimento, preferimos evitar os riscos em vez de assumir o fato de que, para dar à luz algo novo, necessariamente devemos tomar a decisão de soltar o que nos mantém ancorados no nosso estreito mar e não nos permite singrar os vastos oceanos.

Texto bíblicoMt 4,12-23

Na oração: No fundo do seu coração cheio de velhas barcas, redes
                   inúteis, mar estreito... é aí que o Senhor passa... e com sua Palavra provocante o acorda para uma ousadia maior. Compete a você dar-lhe acolhida.
- Seguir o Desconhecido do lago significa aceitar  a vida como sacramento do encontro, onde ressoa a Palavra d’Aquele que passa, vê, conhece, ama, chama pelo nome... Aos poucos você vai intuindo que a vida não é questão de certezas, mas de busca e de desejos, de caminhar com Aquele que o chama para ficar com Ele e com Ele constituir a grande comunidade de servidores.




segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Batismo de Jesus

SOMOS HABITADOS PELO ESPÍRITO

“Eu vi o Espírito descer, como uma pomba do céu, e permanecer sobre ele” (Jo 1,32)

Estamos iniciando o tempo litúrgico conhecido como “Tempo comum”; tempo para um longo e demorado olhar centrado na pessoa de Jesus: “ver” e “mirar” nos conduzem a uma identificação com Ele. Do olhar correspondido brota o seguimento.
Como seguidores(as) de Jesus, também vivemos à luz do Espírito, não à sua sombra. Nossa existência, em sintonia com o desejo de Deus para que vivamos em plenitude, é enriquecida pelos nossos desejos pro-fundos de nos constituir como seres livres, ou seja, capacitados a tomar decisões oblativas, desafiados permanentemente por uma pluralidade de opções abertas que se apresentam diante de nós. Não somos escravos de nossa pobre condição mortal, mas o espaço livre por onde habita e transita o Espírito.
No evangelho de hoje, mais uma vez o autor do quarto Evangelho nos coloca diante da figura de João Batista, relatando a experiência dele de encontro com Jesus e revelando-o como aquele que “viu” e que “deu testemunho” de que Jesus é “o Filho de Deus”.
Daí sua insistência no verbo “ver”. Não se trata de um “ver” neutro, preso à exterioridade, mas de um olhar contemplativo, capaz de distinguir e apontar quem de fato era o Messias.
João não recebeu o encargo de divulgar uma idéia, uma doutrina... mas apontar uma pessoa.

Como nos evangelistas sinóticos, também o evangelista João faz do batismo de Jesus o acontecimento fundante com o qual Ele inicia sua atividade pública.
Quê é que João Batista “viu”? Viu um homem cheio de Espírito. Ou seja, Jesus é aquele que, habitado pelo Espírito, se deixa conduzir pelo mesmo Espírito. Ele deixa “transparecer” esta presença do Espírito e só quem tem olhar contemplativo é capaz de perceber quem O move.
Sempre quando temos a sorte de encontrar uma pessoa “transparente” (não “perfeita”, mas humana), torna-se mais fácil reconhecer, apreciar, “ver” o Mistério que a habita.
Mas não é suficiente encontrar-nos com alguém assim; é preciso também desenvolver a própria “capacidade de ver”, ou seja, um “saber olhar” que transcende para além das aparências.
Os sábios sempre foram conscientes de que existem diferentes níveis de realidade aos quais podemos ter acesso através de diferentes órgãos de conhecimento. São Boaventura fala do “olho do espírito”, ou seja o “olho da contemplação”. Empobrecemo-nos quando nos reduzimos ao “olho da carne” e também ao “olho da razão”. Precisamos ativar o “olho do espírito” que nos capacita para “ver” a realidade em sua dimensão mais profunda, para perceber o Mistério em tudo o que nos rodeia, nós incluídos.
A qualidade humana, o futuro da humanidade e do planeta depende de que saibamos “ver” deste modo.

Nossa experiência do seguimento de Jesus brota da capacidade de fixar nosso olhar n’Ele. De fato, o olhar é o primeiro sentido que nos faz sentir presentes junto ao outro. E, como João Batista, ao fixar nosso olhar contemplativo na pessoa de Jesus, o que vemos é o Espírito agindo n’Ele.
E porque se deixa conduzir pelo Espírito, Jesus não suporta lugares fechados, rompe com os “espaços sagrados”, com os esquemas fechados, com as estruturas arcaicas... O Espírito é “movimento” e Jesus inicia um movimento de vida e vida plena.
Jesus, cheio do Espírito, sempre foi o homem das praças, ruas, caminhos e campos abertos... Não foi o homem dos templos, dos lugares fechados, das cidades fortificadas, mas o “homem em saída”, revelando sua mensagem e sua missão ao ar livre da vida.
A comunidade dos seus seguidores, conduzida pelo Espírito, também não se deixa atrofiar pelo lugares fechados, cheirando a incenso mofado, nem se prende a um ritualismo e religiosidade alienante, mas é aquela que sai para os espaços públicos e ali oferece o testemunho de Jesus.
Somos seguidores de Jesus nos espaços amplos da vida, sem distinção de classes, sem hierarquias, onde todos podem comunicar-se com todos, pois são habitados pelo mesmo Espírito, a força da vida.

A novidade de Jesus consiste justamente em afirmar que existe um caminho para encontrar a Deus que não passa pelo Templo. Desse modo, reconhece-se a vida como lugar privilegiado da Sua Presença.
Jesus, na Galiléia, encontrou os seus lugares: junto ao mar, nas estradas poeirentas, nas margens...
Depois do seu batismo e pleno do Espírito, Jesus se faz presente no lugar onde se encontram aqueles que não tem “lugar”, os “deslocados” e que são a razão de seu amor e do seu cuidado; faz-se solidário com os “sem lugares” e os convida a caminhar para um novo lugar.  Na Galiléia, Jesus tem suas preferências e escolhe o seu “lugar”, o lugar entre os mais pobres, vítimas daqueles que se fazem donos dos lugares.
O(a) seguidor(a) de Jesus não é aquele que, por medo, se distancia do mundo, mas é aquele(a) que, movido(a) por uma radical compaixão, desce ao coração da realidade em que se encontra, aí se encarna e aí revela os traços da velada presença d’Aquele que é a Misericórdia.
Dessa forma, “habitado pelo Espírito”, experimenta que a vida é forte e formosa e que vale a pena acolhê-la e doá-la, como Jesus fez, sabendo que o tempo da opressão, da enfermidade, da morte e da condena-ção... não tem a última palavra.
Esse é o sentido da expressão de João Batista aplicada a Jesus: “Aquele que tira o pecado do mundo”.
Por isso, Jesus e os primeiros cristãos não usaram modelos de poder centralizado para cultivar a presença de Deus. Nem tiveram a preocupação de construir um novo templo, nem formatar uma nova religião, mas descobriram o Templo de Deus na vida mesma, no diálogo e no encontro das pessoas nos espaços públicos, onde sob o impulso do Espírito, buscaram inspiração e sentido para suas existências.
E a vida não é um templo já construído mas uma rede de conexões múltiplas que vão se refazendo, recriando, de um modo incessante, por obra do Espírito de Cristo.

A presença provocativa e o chamado exigente de Jesus colocam em questão nosso costume de nos refu-giar no mundo asséptico das doutrinas, na tranquilidade de uma vida ordenada e legalista, satisfatória e entorpecida, na segurança de horários imutáveis e de muros de proteção, longe do rumor da vida que luta para ter um lugar ao sol, dos gritos daqueles que sofrem e morrem nas periferias deste mundo.
Escutar e seguir Seu chamado implica abandonar a estreiteza de nossos caminhos e deixar o nosso coração bater no ritmo do Espírito que nos faz romper nossos estreitos lugares e nos projeta em direção ao mundo dos doentes e marginalizados, vítimas da desumanização de nossa sociedade.
Como Igreja, temos perdido esse estilo itinerante que Jesus propõe. O caminhar dela é lento e pesado; não acertamos o passo para acompanhar a humanidade; não temos agilidade para deslocar-nos em direção à margem sofredora; agarramos ao poder e às estruturas que tiram a mobilidade; enredamos nos interesses que não coincidem com o Reinado de Deus. É preciso uma profunda conversão e voltar à essência do Evangelho: compromisso com a vida, sendo presença misericordiosa.

Texto bíblicoJo 1,29-34

Na oração: “Fazer caminho” com Jesus implica sair pelas
                    estradas e encruzilhadas para escutar o clamor das pessoas e para alargar a nossa vida no contato com elas. A novidade do Espírito aparece sempre fora dos lugares seguros, protegidos e convencionais.
- Não estaremos desperdiçando as nossas melhores forças para conservar atitudes arcaicas e nos deliciamos com um estilo de vida que nos atrofia?
- Não chegou, talvez, o momento de deixar de repetir aquilo que fazíamos antes, e de abrir-nos àquilo que está diante de nós, à novidade que o Espírito está criando?



quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

EPIFANIA: viver em saída…

“E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mt 2,9)

A “travessia” vivida pelos Magos é a mesma que todos experimentamos; somos seres “em saída”, em contínua busca. Quem busca não permanece sentado olhando o teto ou paralisado com o comando da tv na mão; hoje somos milhões de pessoas buscando permanentemente no Google, no Facebook, no WhatsApp..., sentados, parados, anestesiados...
Quem “sai” está deixando sua acomodada segurança, expondo-se ao que não conhece ou lhe dá medo conhecer. Há milhões de pessoas saindo sem pôr os pés na rua, de garagem em garagem, de centro comercial em centro comercial, viajando de metrô com os olhos fixos no celular, transitando por circuitos perfeitamente estabelecidos para não ver o que há mais além do “parque temático” que lhe é apresentado. Há muitos milhões que vivem com uma venda nos olhos, quer estejam em casa ou saiam para fazer exercícios. Quê buscam? Quê as animam a sair? O quê encontram?

O relato dos Magos não faz referência a pessoas concretas, mas a personagens. Não eram reis, mas “magos”, ou seja, sábios que investigavam os céus para entender melhor o que se passava na terra. Porque estavam buscando, descobriram, encontraram. Notemos que são os que estavam longe que descobriram, enquanto que aqueles que estavam próximos do Menino não se inteiraram de nada.
Para descobrir a presença de Deus, o único definitivo é a atitude. Ao descobrir algo surpreendente, puse-ram-se a caminho. Não sabiam para onde iam, mas arriscaram.
No caminho que os Magos percorreram para aproximar-se de Jesus estão representadas as atitudes daqueles que buscavam a Jesus e se aproximavam das primeiras comunidades cristãs para conhecê-lo. E está também representada nossa busca.

O importante, no texto de Mateus, não é deter-nos na veracidade histórica dos Magos, mas descobrir a “pérola preciosa” que o evangelista oferece, tanto para as primeiras comunidades cristãs como para os judeus que se aproximavam para conhecer Jesus através de seu testemunho.
Como eles poderiam situar-se diante do nascimento de Jesus? Segundo o Evangelista, diante de Jesus podem ser adotadas atitudes muito diferentes.
O relato dos magos nos fala da reação de três grupos de pessoas. As autoridades religiosas, que conheci-am muito bem a lei judaica e sabiam o que significava Belém para a corrente profética, não souberam ler os sinais dos tempos e não puderam encontrar Jesus. A religião, quando se reduz a simples práticas rituais, atrofia a sensibilidade da pessoa, impedindo-a abrir-se às surpresas de Deus.
O poderoso rei Herodes, preocupado em preservar seu poder, só vê perigo diante de qualquer situação diferente. Nenhum poder é mediação para deixar-se provocar pelo novo.
Somente alguns pagãos, guiados pela pequena luz de uma estrela, buscaram, puseram-se em marcha e encontraram Jesus.

O relato é desconcertante. Deus, escondido na fragilidade humana, não é encontrado pelos que vivem instalados no poder ou fechados na segurança religiosa, mas se revela àqueles que, guiados por pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança para o ser humano, na ternura e na pobreza da vida.
Os Magos não pertenciam ao povo eleito, não conheciam o Deus vivo de Israel. Nada sabemos de sua religião nem de seu povo de origem. Só sabemos que eles viviam atentos ao mistério que se encerra no cosmos. Seu coração buscava verdade.
Em algum momento acreditaram ver uma pequena luz que apontava para um Salvador. Precisavam saber quem era e onde estava. Abriram-se à luz da estrela e rapidamente puseram-se a caminho. Seria uma perda de tempo? Valia a pena fazer a travessia?
Não conheciam o itinerário preciso que deveriam seguir, não sabiam para onde a estrela os conduziria e o caminho implicava riscos. Mas em seu interior ardia a esperança de encontrar uma Luz para o mundo.

Quando os Magos desviaram-se da rota de Belém e entraram em Jerusalém para perguntar onde é que estava o rei dos judeus recém-nascido, a estrela desapareceu de suas vistas, como que indicando que não é na riqueza e no luxo das cortes que a Luz de Deus brilha para os corações
A estrela também moveu os magos a que deixassem de olhar para ela; que olhassem antes para o lugar, na Terra, para onde ela apontava e sua luz iluminava. Pois é na simplicidade e pobreza de uma criança que resplandece a luz de Deus.
Os magos não caem de joelhos diante de Herodes: não encontram nele nada digno de adoração. Não entram no Templo grandioso de Jerusalém: tem acesso proibido. A pequena luz da estrela os atrai para o pequeno povoado de Belém, longe de todo centro de poder.
Ao chegar ao lugar indicado, vêem somente o “menino com Maria, sua mãe”. Nada mais. Um menino sem esplendor nem poder algum. Uma vida frágil que necessita dos cuidados de uma mãe. É suficiente para despertar nos magos o assombro.
Eles prostram-se e adoram o Menino Jesus. Cena poética onde Mateus nos ajuda a romper nossos esquemas mentais. Aqueles que conheciam as escrituras de memória e sabiam interpretá-las não vão ao encontro de Jesus. Aqueles que sabem ler as estrelas são capazes de ver mais além das aparências. E o que veem nesse Menino é tão profundo que caem prostrados, tiram seus tesouros, esvaziam-se e enchem-se da nova Luz descoberta.
Foi assim que a longa jornada dos Magos começou, seguindo o caminho que a luz da estrela indicava. E ao final de longa peregrinação chegaram ao lugar procurado.
“Banhado pela suave luz da estrela, em meio a vacas, jumentos e palha, se encontrava um nenezinho. Eles, então, foram iluminados. Não pela luz da estrela, mas pela luz da criança.
Perceberam que sua busca havia chegado ao fim. Aquilo que os adultos esqueceram e que a sabedoria busca – as crianças sabem.
Ser sábio é ser criança. O universo é um berço onde dorme uma criança. E desde aquele dia eles deixaram de olhar para as estrelas e passaram a olhar para as crianças.
Os sábios vêem o avesso. O avesso é esse: os adultos são os alunos; as crianças são os mestres. Por isso os magos, sábios, deram por encerrada a sua jornada ao encontrarem um menino numa estrebaria...
No Natal, todos os adultos rezam a reza mais sábia de todos, escrita pela Adélia Prado:
     “Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande...”     (Rubem Alves)

Texto bíblicoMt 2,1-12

Na oração: Inspirados nos Magos, que descobriram sinais e co-
                    meçaram um caminho de busca, podemos nos pergun-tar: quê sinais descobrimos durante o ano de 2016? Para onde nos conduzem esses sinais, como se fossem estrelas? Eles nos fazem sair de nossa “zona de conforto”, de nossas seguranças...?
Eles nos ajudam a priorizar a viagem ao interior de nós mesmos?
- A estrela que seguimos nos mobiliza ter acesso à nossa “gruta” interna, onde nova vida pulsa por nascer, ou preferimos alimentar uma multidão de contatos superficiais através das redes sociais, afogando-nos nas experiências de solidão?
- Nossas “viagens” despertam o espírito solidário e nos comprometem a responder às necessidades dos mais frágeis ou permanecemos confinados em nós mesmos, “adorando” nosso “ego”?




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