Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

sábado, 29 de novembro de 2014

1o. domingo do advento

ADVENTO: NOVO DESPERTAR


“Para que não suceda que, vindo de repente, ele vos encontre dormindo” (Mc 13,36)

Estamos iniciando um Novo Ano litúrgico. Começamos com o Advento, que não é somente um tempo litúrgico, mas toda uma atitude vital que atravessa toda nossa existência. Sempre há o risco de vivê-lo como “mera repetição”, como um “tempo parecido” com o tempo anterior.
Não entenderemos a mensagem de Jesus se ela não nos motiva a viver em continuo e criativo Advento. Cada Advento é único e original, pois já não somos mais os mesmos: passamos por contínuas mudanças, amadurecemos mais, estamos vivendo problemas e desafios diferentes, acumulamos experiências... Deus também não se repete; Ele se aproxima de cada um de nós com um novo olhar e um novo apelo. Ele quer suscitar vibrações novas em nossas vidas e sua Presença instigante desperta em nós o grande desejo de entrar em sintonia com o Seu coração. Novo tempo, que pede de nós amplitude de visão e sensibilidade.  

“Ficai despertos!” “Vigiai!” “Tende os olhos abertos!”: são apelos para o início deste Advento.
A chave do relato do Evangelho de hoje está na atitude dos servos. Para provocar essa atitude, Jesus nos fala da chegada inesperada do dono da casa. Deus é Aquele que sempre está vindo. Ele é “o que vem”.
Se passamos a vida adormecidos, nada acontece. Isto é o que deveria nos dar medo: poder transcorrer nossa existência sem ativar as possibilidades de plenitude que nos foram dadas.
Mas não basta ter os olhos abertos; é preciso ampliar a visão para além de nossos pequenos interesses e preocupações; precisamos também de mais luz.
Despertar é simplesmente abrir nossos olhos, cada dia, à luz que provém de Deus e confiar que tal luz transforme nossa maneira de ver; é preciso deixar que esta luz ilumine nossas sombras interiores, des-velando e trazendo à tona nossas aspirações e esperanças mais duradouras. Abrir os olhos à luz de Deus e escutar atônitos, fascinados, a voz divina que cada dia ressoa em nosso interior. Trata-se de estar despertos para assumir a vida com uma consciência lúcida. O amor, a inspiração, a vida, nos movem por dentro. Tudo o que esperamos já temos dentro de nós. Um dinamismo misterioso nos abre e nos atrai, nos impulsiona a ser, a viver. Basta “destravar” este impulso e nos deixemos levar.
Advento é tempo que nos convida a abrir os corações, escutar o Espírito e pôr-se a caminho, enquanto “a luz da vida” nos ilumina.

É preciso despertar e ativar um fogo novo em nosso interior; há algo importante, essencial na vida humana que ainda está adormecido; há uma dimensão existencial profunda onde é cada vez mais difícil a inteligência e a vontade terem acesso.
Hoje o ser humano está desperto por fora, mas por dentro revela um coração descontrolado, sacudido entre forças de gravidade que ora o arrastam para o exterior, o imediato e a superficialidade, ora despertam a experiência de um desejo interior com uma forte nostalgia de vida, de paz, de plenitude...
A humanidade quer viver. O coração humano precisa escutar este desejo, não só como sede de terra seca, mas como uma palavra de vida, como o rumor de uma fonte de água viva. Talvez ele precise colocar outro ritmo em sua existência, que lhe permita estar atento e à escuta das surpresas que a vida des-vela.

O Advento constitui também um tempo habitado; é um tempo de espera, de paciência, de confiança em Deus que não só se revela na história, mas também na temporalidade. Deus é o que marca o ritmo do tempo, é Aquele que tem a iniciativa. Ao ser humano lhe corresponde estar atento aos movimentos do Espírito e dos acontecimentos. Mas é um tempo de espera ativa.
Acolher os momentos de Deus é estar preparado para o mais “in-esperado”.
A dinâmica da espera inclui a surpresa. Esta certeza forma parte central da experiência da fé.
Brota uma certeza: o esperado, quando chega, ultrapassa sempre o que se espera.
Pede ser esperado em gratuidade, sem pressas, sem ansiedade, porque sabe que tudo é dom e graça.
Esperar é uma forma de viver. Esperar é ser fiel ao dinamismo profundo da vida, deixar-se levar simplesmente pelo Espírito que nos habita, o Espírito que tudo une e liberta, que tudo move e atrai.
A espera, quando é carregada de amor e presença, faz crescer e conhecer regiões do coração até então desconhecidas e inexploradas.

“Despertar”  também nos abre a uma sintonia, a uma relação profunda, com o universo que nos envolve, com os outros com quem convivemos, com o Criador que tudo sustenta. Poderíamos nos perguntar: o quê nos pede Deus em cada acontecimento e em cada situação da vida.
Esta é a maneira de entender e viver uma espiritualidade aberta a um “Deus sempre surpreendente”, sempre novo. Um Deus de quem tudo procede, que habita nas criaturas, que trabalha por nós, que desce às nossas vidas e aos nossos tempos.
Isto é contemplação, e que faz toda a diferença: talvez não transforme de imediato as dificuldades, os desafios, uma situação dura, mas, pode sim mudar a textura de nossos corações, a qualidade de nossas respostas, a profundidade de nossos sentimentos e pensamentos.

O tempo do Advento nos oferece uma oportunidade única de aprender a esperar e fazer da esperança nossa condição existencial. Somos, na medida que esperamos. Somos aquilo que esperamos ser. Por isso, o Advento pede vincular esperança e responsabilidade, justamente para dar mais consistência humana e maior sentido a esse futuro que está aberto à nossa frente, carregado de motivações e inspirações.
O ser humano pode esperar o que quiser, mas não pode esperar qualquer coisa. É preciso ter os olhos bem abertos para “ver” e acolher o que acontece ao nosso redor:  as alegrias e os sofrimentos daqueles que nos cercam, as esperanças dos povos que estão mais além de nossas fronteiras, muitas vezes em situações dramáticas, os sonhos de tantos que buscam um mundo mais fraterno, livre e justo...
Viver conectados, em redes, unidos, entrelaçados, para potenciar a esperança e a vigília, iluminando-nos uns aos outros, despertando sonhos e buscando soluções alternativas, ressuscitando as aspirações profundas, vivendo continuamente comprometidos com outro mundo mais fraterno e justo.
Vigiemos, observemos, abramos os olhos a “outra realidade” que já está presente nas entranhas da nossa própria cotidianidade. Advento é indicar e ativar a “nova vida” que quer se fazer visível.
O dia esperado está começando. Estamos apenas na aurora, mas os primeiros raios trazem a suavidade que enche o nosso coração. Resta-nos a esperança; com ela, damo-nos as mãos, colocamo-nos a caminho.
Como Maria, tenda humilde do Verbo, podemos nos converter em pessoas de esperança, abertas à novidade do Espírito, que espreita oculto nas dobras de nossa história. Podemos chegar a ser sentinelas do amanhã.

Texto bíblicoMc 13,33-37

Na oração: o que o faz permanecer adormecido, alienado da
                  realidade e incapaz de “ler” os sinais d’Aquele que vem vindo?
Como se situa diante dos desafios que você é chamado a enfrentar? Não se sente cansado, desanimado ou sem esperança por já ter vivido tantas mudanças? Ou talvez desanimado porque as coisas não aconteceram como havía previsto? Ou, ao contrário, cheio de energia, entusiasmado por ser protagonista de uma época considerada de graça e de bênção?







sexta-feira, 21 de novembro de 2014

HOMILIA DOMINICAL - 23 DE NOVEMBRO DE 2014

DEUS TEM ROSTO HUMANO

“...todas as vezes que fizestes isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizestes”

Como dizia o biblista Jean-Pierre Prévost: “Para ser honesto com vocês, devo dizer francamente que nãotenho nenhuma predileção particular pela realeza e que, em si, o título de rei aplicado a Jesus não é aquele que mais me inspira”. Por essa razão, devemos redefinir a realeza, se quisermos aplicá-la ao Cristo ressuscitado na Igreja de hoje; caso contrário, corremos o risco de confundir a realeza de Cristo com aquela dos homens, a ponto de deformar o rosto de Jesus.
Felizmente, em cada época, houve discípulos, homens e mulheres, que souberam devolver ao Cristo a sua verdadeira realeza, que consiste em servir e não em ser servido.
Jesus nunca atribuiu a si o título derei; pelo contrário, o evangelho nos mostra que esse título foi dado a Ele de maneira irônica e sarcástica por um rei, Herodes, e por um representante de César, Pôncio Pilatos...
Por outro lado, se dizemos que Cristo é rei, é porque reconhecemos nele o servidor que quis estabelecer o reino de justiça e de paz, tão desejado pelos homens e pelas mulheres de todos os tempos. Mas Ele não tem nada de outro rei: seu trono é a cruz; sua coroa é de espinhos e seu cetro é o bastão de pastor.

No Evangelho indicado para a liturgia desta festa, todos nós esperávamos um discurso mais triunfalista da parte de nosso Rei. Esperávamos que nos falasse de príncipes valentes, de “armas e heróis poderosos”. Mas acabou nos falando de famintos e doentes, de maltrapilhos e presidiários, de cordeiros e cabritos... Esperávamos que nos falasse de batalhas, de vitórias e territórios conquistados. Mas acabou nos falando de pão e de água, de remédios, de roupa e de visitas fraternas... Esperávamos que ele exaltasse a importân-cia das leis e da disciplina, da teologia e da moral. Mas acabou exaltando os valores presentes na vida cotidiana. Enfim, estediscurso do Rei nos desinstala energicamente, porque nos convoca a investir na vida, a lutar pela vida, a colocar o ser humano no centro das atenções.

Em Mt. 25,31-46,todo o discurso nos revela uma imagem de Deus revolucionária: Ele se identifica com aqueles que sofrem, que passam fome e sede, que são estrangeiros, que estão nus...
À hora da verdade, quando se decide o destino definitivo de cada ser humano, o que vai ser levado em conta não são as crenças de cada um, nem as práticas religiosas ou a observância das leis; o único determi-nante será a atitude compassiva e acolhedora na relação com o outro.
Ou seja, não resta mais nada a não ser o ser humano. Tudo isso para deixar bem claro onde e como podemos encontrar o Deus a quem buscamos e em quem acreditamos: na medida em que tomamos a sério o sofrimento e também a felicidade dos outros. Esta é a verdadeira religião.
A imagem de Deus mais surpreendente encontrada nos Evangelhos é que Ele se “fundiu” com o hu-mano. É no “humano” onde Deus se revela a nós e é no “humano” onde nós podemos encontrá-Lo.
Quem crê em Jesus como “revelação de Deus”, crê num Deus que está intimamente vinculado ao humano, encarnado no humano e, portanto, fundido com o humano.
Mais ainda,“Deus se funde e se confunde com todo ser humano”. De maneira que, quem se “hu-maniza” até o mais profundo de seu ser e se relaciona com os outros, com sentimentos e atos de profunda humanidade, na realidade esse é o que se “esbarra” em Deus, na vida, no cotidiano, nas relações...
A identificação de Deus com o ser humano é tão forte e tão decisiva que, no momento do encontro definitivo com Ele, o critério para entrar no Reino não é o que cada pessoa fez ou deixou de fazer “para” Deus, mas o que ela fez ou deixou de fazer “para” os seus semelhantes, com os quais conviveu.

Lido numa perspectiva social, o evangelho de hoje oferece uma síntese das necessidades básicas da humanidade, estruturada em três níveis: material (fome e sede), exclusão social (exílio e desnudamento) e de sumaimpotência (enfermidade e cárcere). O texto não discute as causas desses males, mastoma-os  como fatos. Não se trata, portanto, de teorizar sobre eles, mas de buscar uma maneira de solucioná-los.
Jesus, Messias de Deus, o Filho do Homem e o Rei das nações, não aparece como situado fora ou à mar-gemdos males deste mundo. Pelo contrário, Ele assume como próprios todos os sofrimentos e as neces-sidades de todos os humanos: “tive fome, estive enfermo e encarcerado...”
Da fome (primeiro dos males) ao cárcere (último dos males) estende-se toda uma cadeia de males que deformam o rosto dos humanos, e portanto, deformam o rosto do próprio Deus.
“Esta situação de extrema pobreza generalizada adquire, na vida real, feiçõesconcretíssimas, nas quais deveríamos reconhecer as feições sofredoras de Cristo, o Senhor que nos questiona e interpela:
- Feições de crianças golpeadas pela pobreza ainda antes de nascer.
- Feições de jovens desorientados por não encontrarem seu lugar na sociedade.

- Feições de indígenas e de afro que vivem segregados e em situações desumanas.
- Feições de camponeses que vivem sem terra, em situação de dependência.
- Feições de operários mal remunerados e que tem dificuldades de se organizar e defender seus direitos.
- Feições de desempregados, despedidos pelas duras exigências das crises econômicas.
- Feições de marginalizados e amontoados das nossas cidades.
- Feições de anciãos, postos à margem da sociedade, que prescinde das pessoas que não produzem.
Compartilhamos com nosso povo de outras angústias que brotam da falta de respeito à sua dignidade de ser humano, “imagem e semelhança do Criador e a seus direitos inalienáveis de filhos de Deus”.
(Doc. de Puebla)

Esse sofrimento injusto dos últimos da Terra nos ajuda a conhecer a realidade do mundo que estamos construindo. Não se conhece o mundo a partir de seus centros de poder, mas a partir dessas “massas so-brantes”, sem rosto e sem nome, dos excluídos, os únicos para os quais não há um lugar em nosso mundo globalizado. São nossas vítimas as que mais nos ajudam a conhecer quemsomos. Ninguém pode nos interpelar com mais força. Ninguém tem mais poder para nos arrancar de nossa cegueira e indiferença. Ninguém tem mais autoridade para nos exigir mudança e conversão. Dizia Jon Sobrino, “as vítimas tem um potencial para salvar a história e a humanidade, e, em parte, essepotencial seu é insubstituível”.
Isso fica claro no Evangelho de hoje. Ali estão os sofredores de todas as raças e povos, de todas as culturas e religiões, gerações de todos os tempos.
A “autoridade dos que sofrem” é a única instância ante a qual Jesus colocou a humanidade inteira.
Vai-se escutar o veredito final sobre a história humana, a palavra que des-vela tudo. O que vai decidir a sorte final não é a religião que cada um viveu, nem a fé que confessou, nem as leis ou doutrinas que muitos defenderam. O decisivo é o compromisso solidário para com aqueles que sofrem. O que fazemos às pessoas famintas, aos imigrantes indefesos, aos enfermos desvalidos, aos encarcerados esquecidos por todos, tem um valor absoluto, pois o estamos fazendo para o mesmo Deus.

Texto bíblico:Mt 25,31-46

Na oração: Que rosto de Cristo revelamos às
mulheres e aos homens do nosso tem-po? Estamos apresentando, com nossas vidas, um rosto de Cristo amável, misericordioso, tolerante, aberto, livre, justo, respeitoso dos outros, compassivo: um rosto de Cristo que faz o homem e a mulher no mundo de hoje ter esperança?
Diante de Deus, deixe seu coração responder: Como você se coloca diante deste mundo: inconformado?
revoltado? acomodado? indiferente? otimista? ativo?...
Examinando a sociedade, sentindo de perto os seus problemas e desafios, quê esperanças você carrega?

Somos chamados a criar uma sociedade digna da liberdade humana, a partir das condições econômicas, políticas, sociais, culturais... Como você atua e se prepara para se comprometer com a transformação do mundo que o cerca?

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

Se Jesus deu a Comunhão a Judas Iscariotes, com maior razão daria aos separados e divorciados que voltaram a se casar

Marco Antonio Velásquez Uribe
Revista: Reflexión y Liberación - Chile

Entre os dias 5 e 19 de outubro próximo realizar-se-á em Roma a Assembléia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos para a Família, convocado pelo papa Francisco.
As expectativas do Povo de Deus foram realçadas com o chamado “Questionário do Papa” que, apresentado em 2013, surpreendeu pela audácia evangélica ao entrar nas profundezas da vida familiar.
Revelava, assim, a intenção clara da Igreja por compartilhar “as alegrias e as esperanças, as tristezas e asangústias dos homens e mulheres de nosso tempo, sobretudo dos pobres e daquele que sofrem” (GS 1).
Em seguida, as respostas, analisadas no “InstrumentumLaboris” (publicado no dia 26 de junho de 2014), deixaram a descoberto o que todos intuíam: a enorme brecha entre os ensinamentos morais da Igreja e a vida dos fiéis; em síntese, a conhecida diferença entre a ortodoxia e a ortopráxis.

No intervalo de tempo transcorrido entre a convocação do Sínodo e o começo do mesmo aconteceram uma séria de fatos significativos, que trouxeram à tona a existência de um grave conflito no interior da Igreja e que se refere ao chamado problema da “comunhão dos separados e divorciados que voltaram a se casar”. O conflito atualiza as diferenças entre aqueles que defendem as questões dogmáticas e os pastoralistas. Trata-se de esclarecer teologicamente o âmbito da Lei e o da Misericórdia. Replica-se, assim, a mesma polêmica com a qual o Filho de Deus era reiteradamente confrontado pelos mestres da Lei.

Antecipando-se em alguns dias à convocação do Sínodo, o cardeal Gerhard Muller publicou no L´Osservatore Romano (23 de outubro de 2013) o documento “A força da graça”, onde enfatizava a doutrina da indissolubilidade do matrimônio. Poucos dias depois (7 de novembro de 2013) o cardeal Reinhard Marx declarou publicamente que “o Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé não pode acabar com adiscussão” sobre o tema dos divorciados que voltaram a se casar, por ser matéria do esperado sínodo. Posteriormente, no consistório realizado em fevereiro de 2014 em Roma, o cardeal Walter Kasper expôs um extenso documento, encarregado pelo próprio papa Francisco, para iluminar os caminhos de abertura à comunhão dos separados e divorciados que voltaram a se casar. O papa, no dia seguinte, elogiou efusivamente o trabalho do cardeal Kasper dizendo que “isto se chama fazer teologia de joelhos”, numa clara alusão à teologia da misericórdia.

Faltando poucos dias para o Sínodo, um grupo de cinco cardeais (Gerhard Muller, Raymond Burke, Walter Brandmuller, Carlo Caffarra e Velasio de Paolis) e quatro teólogos (Robert Dodaro, John Rist, Paul Mankowski e Cyril Vasil) publicaram o livro “Permanecendo na verdade de Cristo: matrimônio e comunhão na Igreja”, destinado a dar uma resposta contundente ao documento do cardeal Kasper que sustenta o espírito de misericórdia do papa. Recentemente, no dia 17 de setembro, o mesmo cardeal Kasper manifestou com gravidade a surpreendente irrupção deste livro, dizendo “nunca me havia acontecido nada parecido em toda minha vida acadêmica”, e acrescenta que “durante o Concílio Vaticano II e no pós-Concílio existiam asresistências de alguns cardeais frente a Paulo VI, inclusive por parte do então Prefeito do Santo Ofício. Mas, se não me equivoco, não com esta modalidade organizada e pública”.
Articula-se assim uma oposição organizada contra a práxis da misericórdia. E sendo a misericórdia o selo distintivo do pontificado de Francisco, fica assim também definida a oposição organizada para com seu pontificado.

O argumento em favor da abertura (fundado na misericórdia) recorre a considerações escatológicas frente à realidade do fracasso conjugal. Em tal caso apresenta a obrigação da Igreja de oferecer uma “tábua de salvação” que permita às pessoas envolvidas, enfrentar as exigências da vida familiar.  Justifica assim a acolhida de alguns casos de segundas núpcias que permitiriam saltar os impedimentos que a inquestionável indissolubilidade conjugal impõe. Paralelamente busca-se expedir os processos de anulação matrimonial, removendo assim um obstáculo para o acesso à Comunhão Sacramental.


É evidente que o núcleo do conflito teológico enraíza-se no princípio da indissolubilidade do matrimônio; um conselho que emana do direito natural como a melhor garantia para fundar o núcleo essencial da família e da sociedade, referendado pelo mesmo Jesus Cristo, que recorda a Lei mosaica dizendo: “O que Deus uniu, ohomem não separe” (Mt 19,6).
Se a indissolubilidade do matrimônio é inquestionável, os argumentos em favor da abertura parecem aproveitar daoportunidade para habilitar a centralidade da misericórdia que permita aos separados e divorciados recasados o acesso à comunhão .
Mas, é a indissolubilidade o núcleo do problema do acesso à Comunhão Sacramental?
O núcleo da dificuldade para ter acesso à Comunhão Sacramental parece estar na condição dogmática da faculdade para comungar, qual seja, o comungante encontrar-se em estado de graça, vale dizer, livre de pecado mortal.

No Novo Testamento, onde nasce a Comunhão Sacramental, não existe nenhuma evidência que indique que para receber o Corpo e o Sangue do Filho de Deus seja necessário estar em estado de graça. Mais ainda, na Primeira Comunhão da história, ocorrida por ocasião da Última Ceia (na instituição da Eucaristia), comunga-ram com Jesus Cristo seus doze apóstolos, incluído Judas Iscariotes. Alguns Evangelhos dão conta que Judas já não estava em estado de graça no momento de comungar.
Com efeito, o Evangelho de Lucas relata: “Satanás entrou em Judas, chamado Iscariotes, que era um dos Doze.Então ele saiu, e foi tratarcom os sumos sacerdotes e os oficiais da guarda do Templo, sobre a maneira de entregar Jesus”.  (Lc 22,3-4)

Judas, levando em seu coração o gravíssimo pecado da traição, tem acesso à Comunhão Sacramental com pleno consentimento do próprio Filho de Deus, que, logo após compartilhar “o cálice da nova aliança”, adverte seus apóstolos: “Cuidado! A mão do homem que me atraiçoa está servindo comigo, nesta mesa. Sim, o Filho do Homem segue o caminho que lhe foi fixado; mas, ai daquele que o entrega!”(Lc 2,21-22).
(Inclusive no Evangelho de João, o apóstolo explicita um gesto significativo de Jesus: “Tendo umedecido o pão,ele o toma e dá a Judas Iscariotes, filho de Simão. Nesse momento, depois do pão, Satanás entrou em Judas. Então Jesus lhe disse: ‘o que tens a fazer faze-o depressa” (Jo 13,26-27).
Então, é evidente que o próprio Jesus Cristo, “o que tira o pecado do mundo”, estava em total consciência do grave pecado de Judas; condição que não impediu que o Filho de Deus lhe concedesse o sacramento da comunhão. Como consequência, Jesus Cristo deu a Comunhão Sacramental a Judas Iscariotes, embora tivesse plena consciência de que não estava em estado de graça.

Com o gesto eloquente de Jesus Cristo na Última Ceia, fica o desconcertante testemunho que Jesus não impede a Comunhão Sacramental em um caso de pecado de extrema gravidade, como é a traição de Judas.
Logo, tudo indica que o Filho de Deus não negaria o sacramento da comunhão às pessoas que com muitíssimo menos culpa, fracassaram na vida, como é o caso das pessoas separadas e divorciadasque voltaram a se casar.
Assim, fica claro que Jesus Cristo ao instituir o Sacramento da Eucaristia, elevou também a misericórdia à altura do sinal mais sublime da acolhida cristã manifestado na Comunhão. Nesse momento solene, Jesus Cristo – Sumo e Eterno Sacerdote – testemunha com fatos o que ensinou previamente: “Não são os que tem saúde que precisam de médico, mas sim os doentes. Ide, pois, e aprendei o que significa: Misericórdia é que eu quero, e não sacrifício. Com efeito, eu não vim chamar os justos mas os pecadores” (Mt 9,12-13). Atualizava assim aquela advertência profética de Oséias: “Quero misericórdia e não sacrifícios” (Os 6,6).

Visto assim, fica claro que Jesus Cristo, antes de padecer, estava deixando a seus apóstolos um novo mandamento pastoral:“Não negarás meu Corpo e meu Sangue”. Porque é impensável imaginar Jesus Cristo negando a Comunhão Sacramental a uma mulher ou a um homem, deixando-os famintos e sedentos do amor sacramental de Deus, especialmente quando mais precisam do alimento fecundo de seu Corpo e de seu Sangue para animá-los a assumir os duros desafios da vida e das obrigações familiares.


www.reflexionyliberacion.cl


FAMÍLIA

Pode haver mais amor cristão em uma união irregular que em um casal casado pela Igreja»

Foi o que afirmou, em entrevistaa GiacomoGaleazzi (VaticanInsider) o pe. Adolfo Nicolás, superior geral dos jesuítas, sobre o Sínodo da Família. Ele é um dos padres sinodais e acredita que “o Sínodo está completando o Concilio”.
O padre Adolfo Nicolás, superior geral dos jesuítas, atravessa a pé a entrada vaticano do “Petrino” com uma pasta preta na mão, onde se pode ler o lema dos jesuítas escrito em árabe: “Tudo para maior glória de Deus”.

Será atualizada a moral familiar?
A discussão, livre e franca, está se dirigindo para uma mudança, ou seja, a adequação pastoral à realidade dos tempos de hoje. É um sinal histórico, porque nestes anos tem havido forças que se empenharam em fazer a Igreja retroceder no que diz respeito à grande estação conciliar.

E, enquanto à comunhão aos divorciados que voltaram a se casar?
Não se pode impedir que o Sínodo discuta a este respeito, como queriam alguns. Os bispos não foram convocados para insistir em idéias abstratas a golpes de doutrina, mas para buscar soluções para questões concretas. É muito significativo que o Papa e muitos padres sinodais tenham feito referência, em suas intervenções, aos textos do Concílio Vaticano II. Também o cardeal Martini, até nos seus últimos dias de vida, esperava que se expressasse essa Igreja que escuta.

Os “conservadores” dizem que a doutrina está em perigo...
Não é correto absolutizar. Por exemplo, o caso das uniões de fato. Isso não quer dizer que se existe um defeito tudo está mal. Mais ainda, há algo bom onde não se causa dano ao próximo. Francisco insistiu a esse respeito: “Todos somos pecadores”. É preciso alimentar a vida em todas as instâncias. Nossa missão é fazer as pessoas se aproximarem da Graça, e não rejeitá-las com preceitos. Para nós, jesuítas, é uma prática cotidiana. A Inquisição sabe muito bem disso.

Cómo?
Nosso fundador, S. Inácio de Loyola, foi submetido oito vezes ao exame da Inquisição depois de ter falado de escutar o Espírito. Naquele momento, como agora, para nós conta mais o Espírito, porque vem de Deus; as regras e as normas, no entanto, vem dos homens.
O que a moral familiar e sexual precisa é doçura e fraternidade. Não se trata de dividir, mas de harmonizar. Não se pode evangelizar as pessoas a golpe de Evangelho. Somente a decisão de concentrar-se em Cristo nos salva de estéreis disputas, das controvérsias ideológicas abstratas. As lacunas e as imperfeições não invalidam a inteireza da evolução da família na sociedade das últimas décadas. Se há algo negativo, não significa necessariamente que tudo seja negativo.


segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Divórcio e divorciados: reflexão a partir do Sínodo da Familia

José María Díaz Moreno, jesuíta canonista

Há 14 anos escrevi algumas páginas intituladas “Sobre o matrimônio canônico. Três questões abertas à reflexão”. Diante da petição que agora me faz o atual diretor da Revista “Razón y Fe”, voltei a ler aquelas páginas. Sinceramente tornaria a assiná-las hoje, sem mudar nada.
As questões abertas  às quais me referia (ocidentalismo estrutural do matrimônio canônico, a fé necessária para administrar e receber o sacramento do matrimônio e a situação eclesial dos divorciados que voltaram a se casar) continuam sem se fechar. Prescindo aqui das duas primeiras, que considero de vital importância e me limito ao problema dos divorciados que voltaram a se casar.
Procuro refletir, com a maior objetividade possível, minha experiência pessoal em quase meio século de atenção a casais canônicos irreversivelmente fracassados e nos quais, um ou os dois contraentes, ao não encontrar solução na normativa canônica vigente, refizeram seu matrimônio apoiando-se só nas leis civis.

Divórcio e divorciados. Este repetido encontro com casais em situação “irregular”, desde cedo me fez cair na conta da complexidade do problema e de que não se podia aplicar a todos uma mesma solução. Assim como em medicina se diz que não há enfermidades, mas enfermos, na questão a que me refiro é preciso dizer que não há divórcios, mas divorciados, cada um com sua irrepetível história. Esta afirmação que parece óbvia, nem sempre é levada em conta.
Complementariamente, sempre neguei que a doutrina oficial da Igreja sobre a recusa da Eucaristia aos divorciados que voltaram a se casar, fosse uma doutrina absolutamente fechada e definitiva. A atenta leitura das Cartas Pastorais dos Bispos alemães do Reno Superior (1993 e 1994),  confirmou minha opinião. Mas, sobretudo, quem me deu maior segurança foi Bento XVI, quando no início de seu pontificado, no colóquio com sacerdotes na Catedral de Aosta, ao ser perguntado sobre a situação na Igreja dos divorciados que voltaram a se casar e sua proibição de se aproximarem para comungar era uma questão fechada, afirmou: “Nenhum de nós tem uma receita já pronta; sobretudo porque as situações são sempre diferentes. Sempre pensei que de nenhuma maneira se podia dar a mesma orientação e solução a quem tinha padecido a ruptura do matrimônio sacramental que a quem tinha sido o causante da ruptura”.

Lei e consciência. O respeito à própria consciência foi outra constante em meu trato com os casais em “situação irregular”, quando me colocavam o problema da recepção da Eucaristia. Nunca ocultei, nem margeei a doutrina e normativa oficial da Igreja (Familiaris Consortio, 84), nem a enfeitei com minha opinião pessoal, mas nenhum casal saiu de meu escritório sem solução em sua busca para viver na paz dos filhos de Deus. Porque, em definitiva, não é o Evangelho que é preciso interpretar segundo o Código de Direito Canônico, mas o Código Canônico segundo o Evangelho da paz e do perdão.
Quando na lei positiva da Igreja não via solução possível, sempre me remeti à própria consciência em relação à possibilidade de aproximar-se da Eucaristia, porque a consciência, segundo o texto definitivo do Vaticano II (GS, 16), é uma lei interior que não procede do homem, mas de Deus. Sempre deve prevalecer o respeito à consciência, mesmo no caso de que objetivamente a razão da decisão tomada fosse objetivamente errônea (Dignitatis humanae, 2).

Tenho, neste momento, muito presentes em minha recordação, os casos de casais, divorciados e recasados, que conservaram sua fé e formaram uma família cristã, quando chegava o momento da Primeira Comunhão dos filhos e estes perguntavam a seus pais por quê eles nunca comungavam, se acreditavam que Jesus está realmente na Eucaristia. Se nesse momento, os pais tomavam a decisão de comungar com seus filhos, essa decisão deve ser respeitada e ajudá-los para que possam viver a alegria da fé que conservaram e souberam transmitir.
É preciso continuar pensando. O Papa Francisco convocou a III Assembléia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, sobre os desafios pastorais da família no contexto da Evangelização. Como novidade, muito razoável, será realizado em duas etapas: a primeira, agora em outubro (2014) e a segunda em 2015.
Já conhecemos o “Instrumentum Laboris” para a primeira etapa. Nele são recolhidas e analisadas as respostas à ampla pesquisa realizada em toda a Igreja sobre a situação atual da família cristã.
A pesquisa, por seu conteúdo e sua universalidade constitui uma novidade muito esperançosa. Outros Sínodos dos bispos – talvez a instituição teológico-jurídica mais importante do Vaticano II – se limitaram a perguntar e recolher a opinião do setor clerical (hierárquico) da Igreja. Para este Sínodo foi perguntado a toda a Igreja, que é majoritariamente laical. Esta novidade é um sinal de esperança.
A situação da família tal como é e não como os clérigos às vezes imaginam. Por isso, é um acerto a ser muito agradecido, que este Sínodo supere em muito a visão clerical da família.

A primeira coisa era procurar ouvir a família. É um bom começo. À vista dessas respostas, substancialmente recolhidas no “Instrumentum laboris”, não creio que seja uma aventura pensar que a reflexão e o ensinamen-to sinodal não vai se limitar ao problema dos divorciados que voltaram a se casar e sua possível admissão à comunhão eucarística. E não se limitará a este problema porque, por mais grave que seja, não é o principal problema da família cristã neste momento da história.
Infelizmente, os divorciados que voltaram a se casar e que pedem aproximar-se da Eucaristia são uma minoria.
O problema, mais amplo e grave, é o descenso impressionante da natalidade, a diminuição dos matrimônios, e especificamente dos matrimônios canônicos, a falta de autenticidade cristã na decisão de contrair matrimônio sacramental, o aumento das uniões de fato, sem nenhum vínculo jurídico (que na legislação de muitos países, essa aberração jurídica é chamada de “divórcio expres”), o aumento progressivo dos fracassos matrimoniais e sua inevitável incidência na transmissão da fé aos filhos, etc...

A familia cristã, a partir da vertente religiosa, passa por momentos de especial e grave dificuldade. Com esta afirmação, de nenhuma maneira diminuo a importância ao problema dos divorciados recasados e sua admissão à Eucaristia, mas procuro situá-lo em uma perspectiva necessariamente muito mais ampla.
Mas, voltando a este problema concreto, como canonista e buscando uma solução na doutrina e normativa da Igreja, pessoalmente pediria duas resoluções sinodais:
a)      Uma simplificação dos processos de nulidade canônica. Porque é verdade que nem todos os matrimônios que fracassam são, na realidade, nulos, mas muitos deles, sim, o são. E sem trair a verdade, é preciso facilitar o máximo possível o procedimento processual para podê-lo provar. A experiência de quase meio século assim me tem ensinado.
b)      A admissão, na doutrina e na normativa eclesial, daquilo que se conhece como solução de foro íntimo: quando não há dúvida sobre a validez canônica do primeiro matrimônio, mas estamos diante de um fracasso irreversível do mesmo e diante da estabilidade e vivência cristã do matrimônio que contraíram só a partir da lei civil. Nesses casos, o definitivo deveria ser a decisão tomada  em consciência pelo casal em nova união, depois de uma séria reflexão na qual se poderia contar com o parecer e o conselho de outras pessoas de fé, sacerdotes e leigos. Sinceramente, não creio que a admissão desta solução, nestes casos, seja praticar uma falsa misericórdia. Seria, antes, “testemunhar de um modo crível a Palavra de Deus nas situações humanas difíceis, como mensagem de fidelidade, mas também como mensagem de misericórdia”  (cardeal Walter Kasper)

(Fonte: www.religiondigital.com)


HOMILIA DOMINICAL - 08 DE NOVEMBRO DE 2014

O TEMPLO É A VIDA


“Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!” (Jo 2,16)

Os profetas de Israel costumavam recorrer a “gestos proféticos” para expressar, de um modo visual e contundente, mensagens que lhes pareciam decisivas.
Na mesma linha dos profetas de seu povo, Jesus realiza também gestos repletos de simbolismo: suas refeições com os pecadores, o lava-pés, a ação contra o Templo...
É disso que trata o Evangelho da festa de hoje (Dedicação da Basílica do Latrão), ou seja, uma ação sim-bólica na qual se pretende mostrar que o tempo do Templo terminou. A expressão “purificação do Tem-plo” não é a mais adequada, porque não se trata de purificar o espaço que se tinha convertido em centro comercial, mas de substituí-lo. Jesus prescindiu do Templo para relacionar-se com o Pai.
A partir de seu projeto, que chamava “Reinado de Deus”, foi questionando uma religião que desuma-nizava às pessoas. Ele mesmo, durante sua vida, foi relativizando e esvaziando os pilares da religião judaica: o sábado, a “pureza” legal, o Templo, o culto, os sacrifícios, as doutrinas, os sacerdotes... E pouco a pouco foi colocando tudo isso em questão, transgredindo suas normas e atacando a hipocrisia de um culto a Deus que desprezava as pessoas.
O simbólico ataque final ao Templo foi determinante para ser considerado um subversivo pelo sistema político e um blasfemo pelo sistema religioso
Aquele Templo já não era a casa de um Deus Pai, pois não era espaço de acolhida mas de exclusão.
Jesus se sentia como um estranho naquele lugar. O que seus olhos viam nada tinha a ver com o verdadeiro culto ao Pai. Deus não pode ser o protetor e encobridor de uma religião tecida de interesses e egoísmos. Deus é um Pai a quem só se pode prestar culto trabalhando por uma comunidade humana mais solidária e fraterna.

Nesse gesto ousado de Jesus, fica claro o que Ele pretende: denunciar os “templos e as religiões” que se absolutizam como lugares da presença divina, criando dicotomias ou dualismos estranhos entre “o reli-gioso” e “o profano”. A novidade de Jesus consiste em afirmar que existe só um caminho para encontrar a Deus e que não passa pelo Templo. Na religião, o determinante está no “sagrado”; no projeto de Jesus, o centro de tudo está no “humano”, na dignidade e felicidade das pessoas, na vida. Jesus não suprimiu o “sagrado”, mas o deslocou do religioso ao humano. Para Ele o sagrado é o ser humano como pessoa, com os demais seres humanos. Desse modo, supera-se definitivamente aquele dualismo e se reconhece a vida como lugar da Presença. Os templos não são fronteiras que dividem o sagrado e o profano; são espaços onde vivemos a sacralidade de toda a vida. O verdadeiro “templo” é a vida, e vida destravada, aberta...
Ao “substituir” o Templo por seu Corpo, Jesus nos convida a viver o encontro com Deus no centro de nossa pessoa e da vida mesma. E Ele torna-se referência para nos ajudar a ver o que é uma vida vivida desse modo: uma existência marcada pelo amor compassivo e pela alegria de uma vida plena.
Ali é onde vamos encontrar Deus com certeza; ali se enraíza o “segredo” do viver humano: no amor e na alegria intensa. As pessoas não serão mais ou menos santas porque vão rezar no templo; sua santidade se fará presenta na vida cotidiana.

A superação do Templo significa a superação da religião. Não no sentido de que é preciso deixá-la de lado (tanto a religião como o templo podem ser meios valiosos para muitas pessoas), mas no sentido de não absolutizá-la. A absolutização da religião provocou muita exclusão e sofrimento entre os humanos.
As religiões se fazem indigestas e sumamente perigosas quando pretendem apoderar-se do Absoluto.
Devemos fazer de nossas comunidades cristãs um espaço onde todos possamos nos sentir na “casa do Pai”; uma casa acolhedora e calorosa onde não se fecham as portas a ninguém, onde ninguém se exclui nem se sente discriminado; uma casa onde aprendemos a escutar o sofrimento dos filhos mais desvalidos de Deus e não só nosso próprio interesse; uma casa onde podemos invocar a Deus como Pai porque nos sentimos seus(suas) filhos(as) e buscamos viver como irmãos(ãs).

Com seu gesto Jesus põe abaixo todas as barreiras existentes: religiosas, sociais, culturais, éticas... De maneira especial, Ele acaba com o predomínio do poder sagrado, que tanta divisão, submissão, margina-lização e sofrimento causaram durante séculos aos seres humanos. Aqueles que acreditam em Jesus, seguindo suas pegadas, não iniciam uma nova religião com caráter sagrado, senão um novo estilo de vida, assimilando os principais critérios do reinado de Deus, que Ele nos deixou nos evangelhos.

Jesus tem consciência que o poder sagrado divide, discrimina e subordina, enquanto que o serviço e a solidariedade criam irmandade e igualdade.
Jesus desencadeou um movimento que teve inicio nas periferias da Galiléia. Ele não foi sacerdote do Templo, consagrado a cuidar e promover uma religião; nem funcionário do Templo, nem ostentou cargo algum relacionado com a religião, nem  foi um mestre da Lei, fechado em seu legalismo.
Jesus, como os profetas de Israel, não formou parte da estrutura política nem do sistema religioso. Não foi nomeado por nenhum poder. Sua autoridade não vinha da instituição, não se baseava nas tradições religiosas. Provinha de sua experiência de Deus empenhado em conduzir seus filhos e filhas pelos caminhos da justiça.
Jesus fugiu de todo poder e se preocupou especialmente das pessoas marginalizadas. Não organizou nenhuma religião; pelo contrário, entrou em conflito com a religião judaica e suas instituições (sinagoga, Templo de Jerusalém, Lei). Cercou-se de pessoas, homens e mulheres, dispostas a continuar seu caminho anunciando a mensagem do Reino de Deus. Proclamou as bem-aventuranças, como projeto do reino de Deus. Denunciou as opressões e injustiças, tornando realidade a salvação do Deus pai e Mãe, através de suas curas.

Jesus supera as antigas divisões (sacerdotes ou laicos, judeus ou gentios, homens ou mulheres...) e a estru-tura social dominante que geram exclusão e violência.. Não veio para sancionar os bons costumes e vanta-gens dos justos, na linha do poder ou do conhecimento, senão para romper esse esquema de valores e privilégios. Esta é a sua novidade messiânica.
Ele Não nos impõe uma lei, não exige que cumpramos simplesmente alguns preceitos religiosos... Ao contrário, quer que todos vivamos e possamos desenvolver em plenitude nossas potencialidades.
Jesus não veio para sancionar uma ordem existente, deixando cada um com sua exclusão, senão para oferecer a todos um caminho de humanização. Por isso tornou-se um transgressor: rompe as fronteiras que foram traçadas pelos poderosos, abrindo um caminho de humanidade a partir de baixo, do lado dos excluídos e dos últimos...
Um transgressor consequente, a serviço da vida e dos últimos; isso foi Jesus. Assim devem viver seus seguidores.

Texto bíblicoJo 2,13-22

Na oração: Muitas pessoas pensam que é somente no  templo (capela, lugar santo e cerimônias sagradas) onde
                    é possível fazer uma experiência de encontro com Deus. Se o Deus que é experimentado no templo não coincide com o Deus que move nossa vida na rua, na convivência com os outros, no compromisso com os últimos,... então o templo e  seu suposto “deus” não tem nada a ver com o Deus de Jesus, e a prática religiosa é vazia.
- O decisivo é o “templo interior”, com portas abertas a todas as pessoas que queiram se aproximar e entrar.
- Somos também o “novo templo”, morada do Espírito, presença que alarga nosso interior para que todos pos-
  sam ali ter acesso.  Quem são os “frequentadores”  do nosso “templo interior”?




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