Teológico Pastoral

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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Homilia Dominical - 01 de outubro de 2017

PRESENÇA PROVOCATIVA DE JESUS


“...os cobradores de impostos e as prostitutas entrarão antes de vós no Reino de Deus” (Mt. 21,31)

A frase acima é uma das mais cortantes, proferida por Jesus aos chefes religiosos. Os cobradores de impostos e as prostitutas constituíam as duas classes de pessoas mais odiadas e que sofriam maior pre-conceito na sociedade religiosa de seu tempo.
Com sua presença e ternura Jesus quebra as atitudes preconceituosas que delimitam friamente os espaços e alimentam proibições que impedem a manifestação da vida.
Jesus provoca um grande escândalo nos seus ouvintes, sobretudo entre os fariseus, sacerdotes e anciãos do povo, que se consideravam superiores aos outros, perfeitos cumpridores da lei, e portanto, merecedo-res da atenção de Deus.
Eles apresentavam-se como modelos para o povo, porque viviam atraídos por um Deus que somente eles encontravam. É duro viver ao lado de um fundamentalista, porque igualmente duro é seu “deus”.

De fato, há um monstro que habita as profundezas de nosso ser, devorando-nos continuamente e expelindo seu veneno mortal: trata-se do preconceito.
Ele constitui o risco permanente em nossa vida, pois limita a realidade, aumenta as distâncias, estreita o coração, inibe o olhar e nos faz incapazes de acolher o bem e a verdade presentes no outro que é diferente.
O preconceituoso está o tempo todo petrificado em suas velhas e deformadas opiniões sobre tudo e sobre todos. Ele é precipitado em julgar, apressado e ansioso na formulação de juízos sem critérios.
Geralmente, os preconceituosos são dogmáticos e fervorosos, muitos deles tornam-se fundamentalistas, com hostilidade e intolerância religiosa. Cegos para a verdade, eles preferem o auto-engano ao conheci-mento de fato; fincam pé naquilo que pensam que sabem, no que está estabelecido e normatizado; não se atualizam, não conseguem ver o novo e a necessidade de mudanças.
Ao tornarem absoluta uma verdade, condenam-se à intolerância e passam a não reconhecer e a respeitar a verdade e o bem presentes no outro. Não suportam a coexistência das diferenças, a pluralidade de opini-ões e posições, crenças e idéias. Daí surgem o conservadorismo radical, o medo à mudança, a violência diante da crítica, a suspeita, a vigilância, o controle autoritário...

Jesus, pelo seu modo de ser e pela sua pregação, toca as profundezas da vida. Ele convive, a maior parte de seu tempo, com aqueles que não tinham lugar dentro do sistema social-religioso existente. Ele se coloca ao lado dos excluídos e dos últimos da história: acolhe os “imorais” (prostitutas e pecadores), os “marginalizados” (leprosos e doentes), os “hereges” (samaritanos e pagãos), os “colaboradores” (pu-blicanos e soldados), os “fracos e os pobres” (que não tem poder nem saber); os que não tem lugar passam a ser incluídos.
Jesus se revela “excêntrico” com relação aos sistemas, poderes e costumes de seu tempo, e isto numa dupla dimensão:  - o centro, para Jesus, está nas margens,
                 - os marginalizados e excluídos são trazidos por Ele para o centro.

Jesus assume a tal ponto a indigência e a fragilidade do ser humano, que aqueles que o encontram e o escutam reconhecem de imediato estar diante de um homem profundamente humano.
Jesus “entra” na realidade, sem discriminá-la nem classificá-la. Simplesmente acolhe tudo quanto é desprezível e aparentemente desprovido de valor. A atuação de Jesus revela-se como abraço da realida-de. Sua visão de vida não o afasta da realidade; manteve-se sempre em contato com a fragilidade da existência; sentou-se à mesa com pecadores e misturou-se com prostitutas; voltou-se para aqueles pelos quais as pessoas não nutriam qualquer interesse: os pobres, os oprimidos, os excluídos...
Jesus derruba as barreiras da religião e raça. A revelação messiânica se expande como o sol do meio-dia e atinge a todos, sobretudo aqueles de “má-fama”. O Reino encarna-se na história dos pequenos e despre-zados. O vinho novo faz arrebentar os odres velhos.

A partir da fragilidade, Jesus impulsiona o salto para a vida; Ele reconstrói o ser humano na própria raiz do seu ser, precisamente onde ele se revela limitado, frágil. Pois é quando se reconhece fraco e limitado que o ser humano se abre para Deus e para os outros; ele sente-se necessitado de salvação; sua indigência e fragilidade fazem-no disponível, aberto à graça de Deus e lhe permitem abraçar o dom da salvação.
Por isso, o específico da vida cristã é buscar, através do seguimento, fazer e viver o que fez e viveu Jesus: adotar as atitudes, o olhar e a capacidade de contemplação da realidade que o mesmo Jesus adotou.

No seu “exceder-se”, Jesus abraçou diferenças e novos horizontes. O Seu ministério ultrapassou as fronteiras.  Convidou-nos a tomar consciência da ação de Deus em lugares e pessoas que estamos inclinados a evitar: cobradores de impostos, doentes, prostitutas, pecadores e pessoas de todos os tipos, que eram marginalizadas e excluídas. Jesus “deslocou” Deus do Templo para as periferias.
Como água que dá vida a todo aquele que tem sede, Jesus mostrou-se interessado por todas as zonas áridas do Seu mundo. O Reino de Deus, que pregava constantemente, tornou-se uma visão de um mundo onde todas as relações são reconciliadas em Deus.
E foi nas “fendas da humanidade” que o próprio Jesus revelou o novo rosto do Pai e entrou em comunhão com Ele. Jesus nos aponta o Deus presente e atuante nos meandros de nossa história, de nossas feridas, de nossos fracassos...; Aquele que não tem vergonha de se aproximar e de se misturar com a pobreza e a fragilidade dos seus filhos; é o Deus santo que mergulha e santifica toda nossa existência.
Ele se revela como um “Deus errante”, que corre ao encontro daqueles que estão perdidos.

Nas encruzilhadas desafiadoras de hoje somos chamados a estabelecer, também com aqueles que não compartilham nossa fé, nem são de nossa cultura, mentalidade..., relações de proximidade, reciprocidade e intercâmbio; somos movidos a compartilhar com eles obscuridades e perguntas e também momentos de luz e de revelação.
A partir das “fendas da humanidade” se faz visível o rosto Deus que toma partido pela vida de qualquer ser humano e que nos chama a fazer-nos presentes nos lugares onde essa vida está ameaçada, algo que foi sempre a “especialidade de Jesus”.
Uma profunda experiência cristã nos faz “virar a cabeça” e dirigir nosso olhar para as “margens”, para as “periferias”  da história... comprometendo-nos com os prediletos de Deus.

Textos bíblicosMt. 21,28-32   

Na oração:  Nossa vocação é a de construir pontes em situações de
                     fronteira. Num mundo dilacerado pela violência, preconceito, indiferença... como você coopera com o Senhor para uma “globalização na solidariedade”?
* O papa Francisco nos dirige um contínuo apelo a viver a “cultura do encontro” em meio a uma “cultura da indiferença”. Concretamente: qual seria sua “ajuda” específica e original neste grande empreendimento?




quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Homilia Dominical - 24 de setembro de 2017

O AMOR É SEMPRE SURPREENDENTE


“Ou está com inveja, porque estou sendo bom? (Mt 20,15)

Sabemos que toda parábola é um relato provocativo, instigante, que envolve o ouvinte...
A partir de conceitos simples, tomados da vida cotidiana e que todo mundo conhece, a parábola projeta nossa consciência para um horizonte maior; por estar profundamente conectada à vida, toda parábola mantém sua atualidade através do tempo e das culturas.
O objetivo das parábolas é substituir uma maneira míope de ver o mundo por outra, aberta a uma nova realidade cheia de sentido; igualmente, elas ativam a olhar o mais profundo de nós mesmos e a descobrir possibilidades ainda não conhecidas.
A parábola revela uma pedagogia que permite não dizer nada a quem não está disposto a mudar, e a dizer mais do que se pode dizer com palavras a quem está disposto a escutar. Quem a escuta, deve deixar transparecer em sua presença a mensagem do relato e começar a viver de acordo com o que foi narrado.

A parábola, em si mesma, dá o que pensar, pois questiona nossa maneira de ser, nos diz que outro mundo é possível e espera de nós uma resposta vital.
Nesse sentido, as parábolas de Jesus não foram dadas por concluídas; elas estão sempre abertas às novas realidades dos ouvintes; por isso, não podem ser entendidas em atitude passiva, pois elas abrem espaço para que cada um entre nelas de maneira criativa. A parábola não é verdade fechada, mas verdade dialoga-da, onde todo ouvinte deve interpretá-la com sua vida.
Em toda parábola existe um ponto de inflexão que rompe a lógica do relato. Nessa quebra se encontra a verdadeira mensagem. Na parábola do evangelho de hoje, a ruptura se produz no final do relato.
É evidente que, em chave de lógica econômica, esta parábola é estranha, fora do normal. Mas Jesus, semeador de parábolas do Reino, sabe que há uma lógica mais alta, a do poeta criador.
Esta é a lógica da gratuidade e da bondade do dono da vinha que se expressam no gesto generoso de pagar a mesma quantia para os trabalhadores que foram chamados em diferentes horários do dia.
O contexto da parábola é a controvérsia de Jesus com as autoridades judaicas por sua contínua relação com pessoas de duvidosa reputação como os publicanos, pecadores, enfermos, crianças, pagãos e mulhe-res. Precisamente aqueles que eram considerados impuros e, portanto, excluídos do círculo de santidade.

Com a parábola do dono da vinha que contrata trabalhadores, Jesus não pretende dar uma lição de rela-ções trabalhistas. Qualquer referência a esse campo não tem sentido. Jesus fala da maneira de comportar-se de Deus para conosco, que está para além de toda justiça humana. Ele nos desafia a entrar em sintonia com esse modo de agir original e gratuito de Deus, contrário à nossa mentalidade utilitarista. A partir dos valores de justiça que manejamos em nossa sociedade, será impossível entender a parábola.
O proprietário daquela vinha tinha uma estranha forma de organizar sua empresa agrícola; não parecia se importar muito com o dinheiro que investia na mão de obra. A relação entre diária e tempo trabalhado não se ajusta aos cânones empresariais do nosso mundo capitalista: não havia feito nenhum MBA em “racio-nalização de recursos humanos”, “índices de produtividade” ou “salários mínimos, máximos benefíci-os”... Incompreensível sua atitude: pagou a todos igualmente sem valorar tempo e trabalho realizado.

A partir da lógica humana, não há nenhuma razão para que o dono da vinha trate com essa deferência ao trabalhador de última hora. Por outra parte, o proprietário da vinha atua a partir do amor absoluto, coisa que só Deus pode fazer. O que a parábola nos quer dizer é que uma relação de “toma lá e dá cá” com Deus não tem sentido. O trabalho na comunidade dos seguidores de Jesus deve fundamentar-se no modo de agir de Deus e ser totalmente desinteressado.
O sistema religioso do tempo de Jesus centrava a prática religiosa no mérito e no pagamento. A salvação se havia convertido num mercado de compra e venda. Jesus questiona a fundo esta mentalidade que tanto mal fez ao povo. A salvação é dom gratuito de Deus. E a graça, que é sempre surpreendente, tem a ver com o amor misericordioso. Deus não maneja nossos esquemas contábeis de rendimento e lucros. Para Deus, tanto os primeiros como os últimos são objeto de seu imenso amor e misericórdia.

Na realidade, o que está em jogo na parábola é uma maneira de entender a Deus, completamente original. Tão desconcertante é esse Deus de Jesus que, depois de vinte séculos, ainda não o temos compreendido. Continuamos pensando em um Deus que retribui a cada um segundo suas obras. Uma das travas mais fortes que impedem nossa vida espiritual é crer que podemos e temos que merecer a salvação.
O dom total de Deus é sempre o ponto de partida, não algo a conseguir graças ao nosso esforço.
O caminho de cada pessoa é saber-se filho(a) de Deus e comprometer-se na construção do Reino, sendo este um caminho de conhecimento que dura toda a vida. Uns tem o privilégio de compreendê-lo ao ama-nhecer; outros, no meio da manhã, dão-se conta de que estão sendo chamados; e ainda ao cair da tarde, uns quantos mais entendem que são enviados; por fim, ao anoitecer, todos receberão o pagamento pela sua entrega, seu esforço e sua confiança em Deus.
Considerando o denário da parábola como o amor total de Deus, que não pode ser fragmentado, que não faz distinções e que não considera ninguém como forasteiro ou excluído, é preciso e urgente colocá-lo em circulação como “moeda única mundial”.
O amor de Deus não se fraciona como o dinheiro. Ele é total; paga sem importar-lhe quando as pessoas se deram conta de sua presença. No amor misericordioso de Deus estão implícitas a justiça e a alegria. E a justiça aqui significa “ajustar-se ao modo de agir de Deus”.
Se sairmos de nossos esquemas e entrarmos em sintonia com o modo de agir de Deus, não teremos dificuldades em entender a estranha maneira d’Ele realizar os pagamentos; também nós passaremos a desejar aos nossos irmãos aquilo que Deus sempre desejou: que todos compartilhem igualmente do seu amor surpreendente, superando a estreita visão do mérito e da recompensa; também vibraremos de alegria quando aqueles que, ao cair da tarde, vierem se integrar à nobre missão de construtores do Reino e rece-berem o único pagamento possível: o denário do Amor de Deus.

Não percamos tempo pensando e esperando ingenuamente que o FMI ou qualquer outro organismo financeiro vá interessar-se por esta mudança de moeda, já que ela nem é cotada nas bolsas, nem é protegida em paraísos fiscais, nem flutua seu valor conforme convenha a quem move os fios financeiros.
O denário da parábola é cotado no coração humano e quem compreende seu valor quererá compartilhá-lo com cada pessoa que habita este mundo, começando pelos que “ao cair da tarde” estão parados: refu-giados, enfermos, excluídos, crianças sem acesso à educação nem atenção sanitária, anciãos que não podem ter uma velhice digna e feliz junto às suas famílias, imigrantes, jovens sem futuro enredados pela violência, profissionais que não podem exercer o que sabem... São tantos os que aguardam!
Quando conseguirmos a “mudança de moeda” em nosso coração, estarão em alta valores como a paz, a tolerância, a fraternidade, o equilíbrio entre a natureza, a justa satisfação das necessidades...
O amor será a única “moeda” aceita por todos; o amor será o único meio para fazer que as diferenças caiam, as distâncias desapareçam, os erros se emendem e a violência se extinga, o perdão sane e o abraço reconforte... Está em nossas mãos a possibilidade e a esperança de concretizar tudo isso.

Texto bíblicoMt 20,1-16

Na oração: Por que afligir-se em comparações? Não queira
                       ser o melhor, se certamente não é o pior.
Contente-se por ser diferente na missão que recebe para que algo em você passe a enriquecer os outros.
Deixe-se acompanhar pela eterna surpresa e, encantado, exercite a divina criatividade” (Frei Cláudio)





segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Homilia dominical - 17 de setembro de 2017

O PERDÃO ATREVIDO E CRIATIVO

“Senhor, quantas vezes devo perdoar...?” (Mt 18,21)


Pouca gente, mesmo entre cristãos, compreende o sentido profundo do perdão.
A maioria pensa que é forma de anistia do sentimento, esquecimento, ato interno capaz de compreender o ofensor e desculpá-lo no fundo do coração misericordioso; para uns o perdão significa passar por cima de um erro ou violência; para outros, o perdão é próprio das pessoas frágeis...
De fato, o perdão não se encaixa confortavelmente dentro dos padrões naturais do comportamento humano. Ele não nasce espontâneo dentro do coração do ser humano.
A capacidade de perdoar a si mesmo ou aos outros é a marca registrada de uma personalidade madura.
Representa considerável avanço em relação ao mais primitivo desejo de vingança, retaliação e revide.
O perdão ataca, com todo vigor, aquilo que parece ser uma lei de nossa história. Isso porque a lógica que regula as relações inter-humanas é regida pela lei do mais forte, ou, no melhor dos casos, pela lei da reciprocidade, da equivalência, como norma de justiça.
No perdão, assume-se uma atitude que não contabiliza mesquinhamente o que se fez; deve-se ter um gesto inovador, um gesto criativo. Caso contrário, fica-se prisioneiro da lógica repetitiva da violência.
Perdoar é ir além do princípio de retaliação. Por isso é uma atitude atrevida e ousada.

O perdão representa a inovação: cria espaço onde já não impera mais a lógica da norma judiciária.
Perdão não é esquecimento do passado, é o risco de um outro futuro que não aquele imposto pelo passado ou pela memória ferida. É convite à imaginação. É preciso aventurar-se no encontro com o outro.
Quem perdoa sabe estar correndo um risco, abandonando o ajuste de contas pela força ou então renunciando à força do direito. Mas sabe também que, sem esse risco, a história não terá nenhum futuro e a violência irá se repetindo indefinidamente.
Sabemos que a violência não tem regra em si mesma, é pura repetição. Já o perdão quebra a lógica do “olho por olho, dente por dente” e cancela o movimento repetitivo da violência.
Quem perdoa sai fora desse jogo, arriscando a própria vida. O perdão quebra a cadeia lógica própria das  relações humanas, submetidas ao sistema de equivalência da justiça (cf. Mt. 5,38-42).

O seguidor de Jesus, ao entrar em sintonia com o Deus fonte do perdão, ultrapassa toda imposição da justiça legal e abre espaço a uma nova relação com o outro. Assim, o perdão, transformando as relações humanas, possui a capacidade para revelar o rosto original de Deus.
O perdão é um ato não-humano, parece mesmo ser um ato puramente divino.
Joan Chittester chama o perdão “ o mais divino dos atributos divinos”.
“Perdoar - ela afirma -é ser como Deus”. Mas este ato divino nos é revelado que ele está ao nosso alcance, porque Deus nos convida a ele. O perdão é divino porque, para o ser humano, ele é verdadeiramente divino em seus efeitos e em seu próprio processo.

Por isso, Jesus insiste fortemente sobre o perdão, porque este é uma necessidade vital quando a vida foi ferida. Como presença visível do perdão, Jesus se dirige a cada um com a força da torrente que jorra para a vida eterna e quer conduzir a todos para aquela Fonte de comunhão que o Pai deseja, a fim de que toda a vida esteja exposta ao Seu Amor.
Perdão é, em última análise, uma forma de amor, um amor que acolhe o outro na sua fragilidade.
Vai ao encontro do causador da ofensa com uma compaixão que brota de uma consciência das próprias limitações, abrindo um novo tempo, sem o veneno do ressentimento e da amargura.
O perdão é superlativo do amor.
Reinhold Niebuh descreveu o perdão como a “forma final do amor”. Perdão é amor que reconstrói o passado. Só quem doa amor ao ofensor dá-lhe as condições profundas de contrição, compunção, compai-xão e arrependimento, as quatro vias através das quais o ser humano pode renascer de si mesmo e das trevas, trocando a morte pela vida.
Por ser o gesto mais difícil e elevado, o perdão é a única forma de permitir ao ofensor a entrada de amor no seu coração. Qualquer forma de cobrança, punição e vingança reforça a crueldade do ofensor e, de certa forma, vai fazê-lo sentir-se justificado.
Por isso, a originalidade do cristianismo está na descoberta da grandeza do ser humano, no exercício da única força capaz de mudar o mundo: o amor real. Não há revolução maior.


O perdão, então, re-situa as pessoas na grande corrente da vida; busca restabelecer um vínculo positivo entre vidas feridas, vidas que se ferem e a vida que as rodeia.
O perdão é uma experiência forte que re-conecta com a vida; ele quer abrir uma porta à vida, em um muro fechado de dores, de sentimentos feridos, de auto-agressividade. O perdão busca estabelecer uma aposta pela vida. É um ato de realismo, em profundidade e a longo prazo.
Podemos falar, então, que o perdão ativo é terapêutico pois desencadeia um processo de conversão, mobi-liza todas as dimensões da pessoa, reestrutura o universo relacional e abre a interioridade à alteridade.
O perdão reconstrutor, libera em nós as melhores possibilidades, riquezas escondidas, capacidades, in-tuições... e nos faz descobrir em nós, nossa verdade mais verdadeira de pessoas amadas, únicas, sagra-das, responsáveis... É ele que “cava” no nosso coração o espaço amplo e profundo para desvelar nossa própria interioridade.
A força criativa do perdão põe em movimento os grandes dinamismos da vida; debaixo do modo paralisado e petrificado de viver, existe uma possibilidade de vida nova nunca ativada.
Por isso, o perdão é expansivo, ele abre um novo futuro e desata ricas possibilidades latentes em cada um. Ele não se limita ao êrro, mas impulsiona cada um a ir além de si mesmo; ele destrava a vida, potencia o dinamismo do “mais” e o coloca em movimento em direção a um amplo horizonte de sentido.
É gesto gratuito e positivo de encontro, de acolhida, de cordialidade, que se torna hábito de vida: até “setenta vezes sete”.

O perdão é aquele que melhor revela a natureza do Deus Pai e Mãe de infinita bondade. É a que revela igualmente o lado mais luminoso da natureza humana. Por isso é a que mais humaniza as relações entre as pessoas. Não apenas afetivo, mas efetivo. Não apenas implica mudança na disposição da pessoa que per-doa, mas leva também a modificar a situação da pessoa perdoada. O perdão liberta as pessoas para poderem cuidar de outras questões importantes na vida; é uma obra de amor para com o outro e para consigo mesmo.
O ser humano é quebradiço por dentro e por fora. Mas o perdão o redime, depositando nele algo que é maior que sua fragilidade. Trata-se de um dinamismo que o ressuscita, o vivifica e o resgata.
O que era sucata, torna-se material para a construção do ser humano novo; o que era motivo de vergonha, agora é impulso confiante e esperançoso; o que era sinal de morte, agora ressurge para uma vida nova. A novidade interior se dinamiza para fora e configura, por sua vez, a modalidade do comportamento diante dos outros.
Em última análise, o perdão é um ato de fé na bondade fundamental do ser humano.

Texto bíblicoMt 18,21-35

Na oração: O caminho para a libertação, a con-
                    versão e a reconciliação conduz a uma nova identidade. Esta se revelará e será experimentada no “colóquio de misericórdia”, com os olhos fixos no Crucificado: que fiz? que faço? que farei por Cristo?
- Fazer “memória” dos momentos em que você experimentou a força criativa do perdão do outro, ou foi presença por onde fluiu o verdadeiro perdão.




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