Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

domingo, 10 de janeiro de 2016

Batismo de Jesus

BATISMO: operação saída

“E, enquanto rezava, o céu se abriu e o Espírito Santo desceu sobre Jesus...” (Lc 3,21-22)

Terminado o ciclo natalino, somos convidados a fazer o caminho com Jesus durante sua vida pública. Liturgicamente, este longo percurso contemplativo é conhecido como “Tempo Comum” (este ano segui-remos o Evangelista Lucas), tempo de intimidade e de identificação com Aquele que é nossa referência e inspiração na nossa maturidade cristã.
Ao inaugurar a vida pública de Jesus, o Batismo significa o alvorecer dos novos tempos, o novo início para toda a humanidade, a Nova Criação: “O Espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gen. 1,2).
A fé da comunidade cristã vê no batismo de Jesus uma ação definitiva de Deus em favor da humanidade.
À luz deste acontecimento “fontal”, situado no início  da vida pública de Jesus, deve ser visto tudo o que vai ser relatado em continuação nos Evangelhos. Com o batismo de Jesus, começa uma nova era na história do mundo, na história da intervenção salvífica de Deus em favor da humanidade.
A “abertura dos céus” que se rasgam significa a abertura de novas relações entre Deus e a humanidade,       o início de um novo diálogo de Deus com o ser humano, um novo tempo de graça, de novos dons dados      por Deus a todos. Jesus é o lugar do novo, definitivo e pleno encontro de Deus com os homens, dos homens com Deus  e dos homens entre si.
“Jesus sai das águas elevando consigo o mundo que estava submerso, e vê rasgarem-se e abrirem-se os céus que Adão fechara para si e sua posteridade” (S. Gregório Nazianzeno).

Segundo os estudiosos da Cristologia, em Jesus, a tomada de consciência de quem era Ele e qual era sua missão,  foi um processo de contínuo discernimento que não terminou nunca. O relato do batismo está nos falando de um passo a mais, ainda que decisivo, nessa tomada de consciência.
Nesse sentido, o Batismo de Jesus é um acontecimento fundamentalmente vocacional. É muito provável que Jesus, já adulto, vivesse com uma inquietação em seu coração, conectado com seu desejo profundo, e uma pergunta estivesse ressoando com força no seu ser mais íntimo; essa mesma pergunta com a qual cada um precisa conectar, em algum momento da vida, e que faz brotar as decisões mais cruciais:
                 “Quem sou? Para quê nasci? Quê sentido quero que minha existência tenha?...”

Depois de ter passado trinta anos de sua vida no anonimato em Nazaré, dedicado aos trabalhos cotidianos e simples de uma vida campesina, Jesus decidiu um dia deixar para trás suas pequenas seguranças e pôr-se a caminho em direção ao sul, junto ao rio Jordão, onde João estava batizando. Despediu-se dos seus e se lançou a uma aventura da qual não regressaria mais. Tomou uma decisão que se revelou central para sua vida e para a nossa.
Para Jesus, a experiência vivida no Jordão, funda sua vocação, ou seja, a partir de então compreende quem é Ele para Deus: o Filho Amado. Com essa consciência, configura todo seu ser e aposta plenamen-te por seu projeto de vida. Então, Ele experimenta a presença de Deus de um modo claro e contundente. Nesse momento, confirma-se tudo o que sentiu e viveu em toda sua vida em Nazaré: a profunda sintonia com Deus, experimentado como um Pai amoroso e próximo.
Agora Jesus sente que o Pai o chama a mudar o estilo de vida escondido. Ele está atento aos “sinais dos tempos e sabe discernir nesses sinais a Vontade do Pai que o chama a mudar de caminho, a deixar sua terra, a lançar-se numa aventura. Começa uma vida itinerante, missionária, despojado de tudo.
A novidade de Jesus não cabia mais nos estreitos espaços de Nazaré, nem nos moldes da sinagoga e da religião oficial. Ele começou a buscar e transitar por outros espaços alternativos onde ativar a vida expansiva do Reino.
Jesus não se move preso à estrutura da sinagoga, mas está aberto à surpresa e ao dinamismo do Reino, que irrompe como graça no centro da vida mesma, surpreendendo a cotidianidade. Jesus vive sintonizado no Espírito, que se revela em meio aos tempos humanos como sua dimensão mais profunda e definitiva.

Jesus não foi um extra-terrestre que, por ser de natureza divina, estava dispensado da trajetória que todo ser humano tem de percorrer para alcançar sua plenitude. Geralmente não levamos a sério essa experiência humana de Jesus. Mas os primeiros cristãos tomaram muito a sério a humanidade de Jesus.
Todos nós, em um momento ou outro de nossa vida, sentimos o chamado a reorientar nosso caminho. Tivemos que tomar a decisão de deixar para trás os espaços e as pessoas conhecidas que formavam nosso entorno vital. Aventuramo-nos a estabelecer novas relações, novas práticas, novas formas de comunica-ção com nosso entorno, novas formas de pensar a mesma realidade. Caminhamos para o desconhecido, confiados na promessa e na fidelidade de Deus. Por Ele e n’Ele, saimos a descobrir novos horizontes.

Ver a Jesus dirigir-se para o desconhecido, confiado somente na proximidade de seu Pai Deus, nos anima a empreender também um caminho novo cada dia, com a confiança de que Deus nos acompanhará e repe-tirá de novo o que o mesmo Jesus escutou no Jordão: “Tu és meu(minha) filho(a) amado(a), em ti ponho o meu benquerer”. E essa foi nossa entrada na fila da humanidade, em virtude da fé de nossos pais.
Fomos acolhidos junto a outros, constituindo a grande comunidade dos seguidores de Jesus, reconhecidos como filhos e filhas do mesmo Pai, irmãos e irmãs de todos.

Viver nossa vocação batismal implica viver em contínua “operação saída”. Demasiados costumes conservados podem ser um forte herança, mas não deixam de ser um peso para quem precisa olhar longe e olhar bem. O discernimento implica investigar quê novos lugares nos quer conduzir o Espírito.
Levamos anos em que, em lugar de ir, voltamos. Temos medo frente às “novas saídas”. Há uma prefe-rência por permanecer no seguro, no conhecido, no de sempre. Buscamos as mais sofisticadas razões para “não sair”, para manter nossos “centros” e situar-nos naqueles espaços que nos dão segurança e nos permitem realizar nossos próprios sonhos e não tanto os de nosso Deus.
Quando a vida cristã não se põe em movimento de saída, ela se mundaniza e se asfixia. A Exortação do Papa Francisco nos convida a “sair”, em atitude de “intimidade itinerante”: “quando se toma gosto do ar puro do Espírito Santo, que nos liberta de estar centrados em nós mesmos, escondidos em uma aparência religiosa vazia de Deus” (EG, 97).

Tanto mais intensa será nossa vivência batismal quanto mais nos leve para “fora” de nosso próprio cen-tro, de nosso próprio mundo e de nosso modo habitual  e fechado de viver.
Nessa “saída de si” encontramos o termômetro de toda vida espiritual: “Sair de si” é olhar a própria vida de outro ângulo, de outra perspectiva... para encontrar um “sentido” maior que nos escapa.
A “saída de si” é humanizante e humanizadora, porque faz emergir tudo o que é humano em nós.
É ir mais além daquilo que nos é próximo, próprio ou afetivamente perto.
É ir aos “aforas” de nossa vida, de nosso mundo, de nossas coisas de sempre.

Assim, pois, tanto mais real e verdadeira será nossa resposta amorosa ao carinho de Deus quanto mais ex-pansiva se faz nossa vida, deslocando-nos em direção às fronteiras de nossa vida pessoal e comunitária.
Algo teremos de suspeitar quando, no fundo, por mais propósitos que façamos, não saímos nunca do mesmo lugar. No Batismo comprometemos nossas certezas, nossos valores, nossa confiança básica, nossa fé. Esta atitude requer a maturidade de saber fazer a “travessia”, de romper com os muros das idéias fixas, atitudes fechadas, situações estreitas... De sedentários nos convertemos em nômades do “sentido”, buscadores de uma reali-dade totalizante que nos ultrapassa e que está sempre além.

Texto bíblicoLc 3,15-16.21-22

Na oração: Lucas nos diz expressamente: “e enquanto orava...”;
                   porque só a partir do interior pode-se descobrir o Espírito que nos invade. Se assim o fazemos e se damos uma oportunidade ao Espírito de Deus, descobriremos nossa própria vocação... e, quem sabe, veremos o Cristo em silêncio, do nosso lado.
A experiência do encontro com Ele junto ao Jordão, des-vela nosso rosto, transforma nossa vida, abre caminhos e nos compromete com a causa do Reino.



Ano Jubilar da Misericórdia

ANO NOVO – JUBILEU DA MISERICÓRDIA


“E todos os que ouviram os pastores ficaram maravilhados com aquilo que contavam” (Lc 2,18)

Mais um novo Ano de Graça se inicia, agora sob o impacto de uma proclamação: Deus é Misericórdia e nossa vocação cristã é viver misericordiosamente.
Embora a compaixão e a misericórdia não estejam de moda na sociedade ocidental, renovemos nossa vida para que ela seja mais intensa e expansivamente misericordiosa.
O Papa Francisco inaugurou um Ano Jubilar especial: júbilo e atitude compassiva da misericórdia que perdoa, renova e facilita a reconciliação. Duas razões que deveriam estar presentes em quem se diz cris-tão, algo tão natural no seguimento de Jesus Cristo: alegria pela experiência de que Deus nos ama com um coração misericordioso e misericórdia como conduta libertadora que nasce de tal experiência. Aqui nos encontramos envolvidos por uma mensagem que é essencial e decisiva no nosso “ser cristão”.
Ser misericordiosos e compassivos é a vocação à qual todos nós, seres humanos, fomos chamados, inclusive aqueles que ainda não experimentaram o dom da fé ou mesmo a perderam. É o caminho para conseguir uma convivência leve, acolhedora e aberta. As Bem-aventuranças vão nesta direção, abrindo espaço para que o Amor misericordioso de Deus se transforme em motor da história.

Misericórdia. É a primeira, a última, a única verdade da Igreja, de todas as suas doutrinas, cânones e ritos. É o critério de juízo de todas as religiões. E, - porque não dizer?-, também da política ou da gestão da vida pública com todas as suas instituições, partidos, programas e conferências climáticas. Ai das políticas sem entranhas, sem alma, sem misericórdia!
A misericórdia é a luz e a chave de nossa vida tão preciosa e frágil, de nosso pequeno planeta tão vulne-rável, do universo imenso e interrelacionado e do qual fazemos parte.
Misericórdia, segundo sua etimologia, significa entranha, coração, ternura para com o desfavorecido. Por isso é um dos nomes mais belos de Deus, que é como dizer “coração da Vida” e de tudo quanto existe.
Quê é este Ano Jubilar especial que a Igreja celebra? O texto bíblico do Levítico 25 nos ajuda a compreender o que significa “jubileu” para o povo de Israel. A cada 50 anos os hebreus ouviam o alegre som do “jobel” (corneta de chifre de carneiro) que ecoava nas montanhas e nos vales, convocando a todos (“jobil”) para celebrar um ano jubilar. Neste tempo devia-se recuperar a boa relação com Deus, com o próximo e com toda a Criação, fundada na gratuidade. Era um ano do perdão, ou seja, os pobres ficavam livres de suas dívidas, os escravos recuperavam a liberdade, os camponeses obrigados a desfazer-se da propriedade de sua terra a recuperavam... Podiam respirar, podiam viver, era o jubileu.

No Evangelho de hoje, os pastores, ao encontrarem o recém nascido deitado na manjedoura, viram nele o rosto da misericórdia: chegou para eles um novo Jubileu; por isso, “voltaram glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido”. Chegou para eles, e para todos os excluídos da história, um novo tempo, tempo de libertação do império e da religião, o cancelamento de suas dívidas, a mesa com-partilhada com todos, a festa que nunca se acaba, a solidariedade humanizadora, a vida expansiva...
Nisto consiste o jubileu da Misericórdia.
Este é o convite que o papa Francisco expressa em sua Bula “Misericordiae Vultus”:
“Neste Ano Santo, poderemos fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática. Quantas situações de precariedade e sofrimento presentes no mundo atual! Quantas feridas gravadas na carne de muitos que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos. Neste Jubileu, a Igreja sentir-se-á chamada ainda mais a cuidar destas feridas, aliviá-las com o óleo da consolação, enfaixá-las com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a atenção devidas. Não nos deixemos cair na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói. Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda. As nossas mãos apertem as suas mãos e estreitemo-los a nós para que sintam o calor da nossa presença, da amizade e da fraternidade. Que o seu grito se torne o nosso e, juntos, possamos romper a barreira de indiferença que frequentemente reina soberana para esconder a hipocrisia e o egoísmo” (N. 15).

As consequências práticas do Jubileu da Misericórdia são imensas: que se eliminem as dívidas das pessoas e dos países explorados; que se abram as fronteiras aos imigrantes; que abramos as portas à misericórdia e os corações à esperança; que caminhemos, guiados pela ternura das entranhas, para a harmonia e o descanso da terra, para a libertação de todos os que vivem oprimidos; que situemos o amor
e a misericórdia como centrais na vida cristã, como modo de ser essencial do cristianismo, e isso implica: amar e perdoar os outros, optar pelos pobres e por nossa casa comum a Mãe Terra, lutar pela justiça,  mudar o sistema atual que só concentra riqueza, que exclui grande parte da humanidade e destrói a natureza, buscar estilos de vida alternativos ao atual paradigma tecnocrático patriarcal e consumista;  que abandonemos a pastoral do medo, do legalismo e do moralismo, aproximando-nos do sacramento da Reconciliação como um espaço de misericórdia e não de tortura; que atualizemos as obras de misericórdia descritas em Mateus 25,31-46 com reformas sociais estruturais; que nos desloquemos e nos aproximemos dos lugares de sofrimento e dor: migrantes e refugiados, indígenas, camponeses, bairros periféricos, mu-lheres abandonadas, doentes, idosos, prostitutas, crianças de rua, drogados, inválidos, creches, cárceres...
Os textos bíblicos nos mostram as “três graças” da Misericórdia: sua operosidade, ela é uma obra eficaz; sua bem-aventurança: ela estabelece na terra o Reino do céu; sua alegria: ela alegra quem a exerce e quem a recebe.
No Documento de Aparecida, as tradicionais obras de misericórdia ganham nova feição, traduzindo-se em afirmação da dignidade humana, defesa incondicional da vida, promoção do bem comum, justa distribuição de renda, inclusão social, defesa dos direitos humanos, acesso aos bens culturais, salário justo e segurança alimentar (nn. 358-359).

Se recuperarmos as atitudes de misericórdia e compaixão, teremos entrado na vivência essencial do Evangelho. O decisivo é que a Igreja toda se deixe reger pelo “Princípio-Misericórdia”, sem ficar reduzida simplesmente a somar “obras de misericórdia”.
A misericórdia é para os audazes e criativos, capazes de revolucionar a existência com atitudes maduras de amor profético, alargando espaços onde imperam somente a doutrina, os esquemas rígidos e as retóricas de poder e de juízo daqueles que não se deixam conduzir pela força humanizadora da Misericórdia.

Texto bíblico:  Lc 2,16-21

Na oração: Ao longo deste ano jubilar, deixe-
                   mos nos inspirar pela oração de Santa Faustina, humilde apóstola da Divina Mi-sericórdia de nosso tempo:
“Ajuda-me Senhor, a que meus olhos sejam misericordiosos, para que eu jamais suspeite ou julgue segundo as aparências, mas que busque o belo na alma de meu próximo e acuda em ajudá-lo;
- a que meus ouvidos sejam misericordiosos, para que leve em conta as necessidades de meus próximos e não seja indiferente às suas penas e gemidos;
- a que minha língua seja misericordiosa, para que jamais fale negativamente de meus próximos mas que tenha uma palavra de consolo e perdão para todos;
- a que minhas mãos sejam misericordiosas e cheias de boas obras;
- a que meus pés sejam misericordiosos para que sempre me apresse em socorrer meu próximo, dominando minha própria fadiga e meu cansaço.
- a que meu coração seja misericordioso, para que eu sinta todos os sofrimentos de meu próximo”.






Epifania

EPIFANIA: o Deus das portas abertas

“Quando entraram na casa, viram o menino com Maria, sua mãe”. (Mt 2,11)

 Em sua misericórdia, Deus sempre nos surpreende, sempre excede nossas estreitas expectativas, para abrir caminho a partir de nossas fragilidades. Só o amor misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro, destrava nosso coração e nos move em direção a horizontes maiores de busca, responsabilidade e compromisso.
A força criativa da sua misericórdia põe em movimento os grandes dinamismos de nossa vida; debaixo do modo paralisado e petrificado de viver, existe uma possibilidade de vida nova nunca ativada.
E foi nas “fendas da humanidade” que o menino Jesus revelou o novo rosto misericordioso do Pai. A fragilidade de uma criança aponta o Deus presente e atuante nos meandros de nossa história, de nossas feridas, de nossos fracassos..., Aquele que não tem vergonha de se aproximar e de se misturar com a pobreza e a fragilidade dos seus filhos; o Deus misericordioso mergulha e santifica toda nossa existência. Ele se revela como um “Deus errante”, que corre ao encontro daqueles que estão em busca.

Nesta festa da Epifania, a imagem de Deus que nos transparece é a d’Aquele das portas sempre abertas.
Esta imagem se fez visível na Gruta de Belém, simples estábulo sem portas ou portões, que só servia para guardar as ovelhas e protegê-las da chuva e dos perigos. Por isso, carecia de portas.
Deus nasceu em um espaço sem portas.
Por isso, quando os Magos chegaram, não precisaram tocar a campainha, nem abrir a maçaneta e esperar que alguém, pela abertura da porta, lhes perguntasse: quem são? de onde vem? quê buscam?...
Simplesmente chegaram e entraram, porque tudo estava aberto.

É impressionante a descrição que Edith Stein faz, quando um dia, ainda antes de se converter ao cristianismo, entrou na catedral de Francfurt.
“Entramos por alguns minutos na catedral e, enquanto permanecíamos ali dentro num silêncio respeitoso, entrou uma mulher com a sacola de compras. Ajoelhou-se em um dos bancos. Permaneceu nessa postura o tempo suficiente para rezar uma breve oração. Aquilo era algo completamente novo para mim. Nas sinagogas e nas igrejas protestantes que eu havia visitado só se entra para os atos litúrgicos da comunidade. Mas aqui alguém pode entrar numa igreja vazia, durante as horas de trabalho de um dia qualquer da semana para manter uma conversação familiar. Jamais pude esquecer isto”.
A presença dos Magos em Belém foi um pouco como a visita de Edith Stein à catedral de Franckfurt. O mais maravilhoso de Deus é que as portas lhe causam repugnância. Ele as quer sempre abertas para que todo aquele que queira “vê-lo”, falar-lhe e adorá-lo, não precisa nem chamar, nem tocar a campainha, nem marcar visita com hora fixa. Deus está aberto sempre e a todos. Não faz distinção de pessoas.
O Menino Jesus não se fixou se um Mago era negro, o outro branco e o outro amarelo. Nem se assustou vendo o quão grande eram os camelos. Simplesmente os recebeu com um sorriso. Por isso, esse encontro é conhecido como festa da Epifania, da manifestação, da revelação do Deus de “portas abertas” ao mundo. Revelou-se como o Deus de todos e para todos.

A mulher que entrou na Catedral de Franckfurt, seguramente que vinha ou ia às compras, porque entrou com sua sacola; não a deixou à porta da catedral, por respeito. Também com a sacola se pode falar com Deus. Não sabemos de que falaram, ela e Deus. Possivelmente de quão caras estão as coisas e que com certeza o dinheiro não ia dar para encher a sacola de compras. E Deus se sentiu lisonjeado com aquela visita. Os outros tinham entrado por simples curiosidade turística. E mesmo assim, alguns deles saíram diferentes, como a Edith, que ficou impressionada e tocada em sua alma por esta disponibilidade de Deus.
O Deus da Epifania não é o Deus das portas fechadas; tampouco o Deus a quem é preciso marcar visita previamente. É o Deus das portas sempre abertas a todos; é o Deus que sempre está disponível a receber-nos; é o Deus que nunca está ocupado para atender-nos; é o Deus sempre acolhedor de todos nós, levemos ouro, incenso e mirra, ou simplesmente levemos uma sacola de compras.
Por isso, todos os dias deveriam ser “Epifania”, Deus com as portas abertas de seu coração misericordi-oso, pronto a nos receber a todos e a nos aceitar como somos. Deus que a cada dia nos diz: “Passai por aqui, a porta está sempre aberta”.

É altamente significativo e simbólico que a abertura do Jubileu da Misericórdia tenha começado com o destravamento das portas das igrejas em todo o mundo.
Mais significativo ainda foi o gesto do papa Francisco de abrir a Porta Santa do Ano da Misericórdia em Bangui, na África, antes mesmo de fazê-lo em Roma, sede central do Cristianismo. 
O Santo Padre declarou Bangui a capital espiritual do mundo no dia 29 de novembro, dando  início ao Jubileu da Misericórdia a partir daquela cidade, marcada pela miséria e pela violência.
Como os Magos, também nós nos dirigimos primeiramente aos palácios de nossa sociedade do bem-estar e aos Herodes contemporâneos, até que nos damos conta de que ali não encontramos o que estamos buscando, que ali se anula e se anestesia a vida, essa vida de Deus que quer crescer em nós. Somente quando nossos olhos se abrirem, descobriremos assombrados que não há nada que não seja sua epifania, que não é que Deus não se manifeste, senão que nos faltam olhos para descobri-lo.
O Espírito que sopra desde a África, com a abertura da Porta Santa, nos abre então a porta para palmilhar a estrada deste Novo Ano rumo a um mundo marcado pela luz da Misericórdia.

Os Magos do Oriente são o símbolo de tantos homens e mulheres que, em qualquer parte do mundo, a partir de outras sendas e tradições espirituais, se perguntam, buscam e caminham. Uma lenda os apresenta como um rei jovem, outro ancião e outro negro, querendo significar que todos os âmbitos do ser humano se fazem patentes ao longo do caminho, até poder encontrar o Menino e adorá-lo.
Segundo esta lenda, os magos perdem a estrela justamente antes de chegar, e foram os pastores, as potên-cias do coração, aqueles que lhes ensinaram o caminho. O ouro do amor, o incenso de nossos desejos e a mirra de nossas dores e daquilo que cura as feridas são entregues Àquele que nos deu tudo primeiro.

Texto bíblicoMt 2,1-12

Na oração:  A obscuridade e as dúvidas
                    pairam sobre nosso presente e nosso futuro. A situação social que vivemos é certamente muito confusa. Por isso buscamos uma luz, uma estrela para orientar-nos.
Precisamos de uma luz que dê sentido e orientação à nossa vida.
Uma vez que a Luz do Menino nos toca, já não podemos seguir pelo mesmo caminho; o caminho da epifania é agora o nosso caminho: descobrir o amor e manifestá-lo. Descobri-lo onde não esperávamos e levá-lo a outros por onde ainda não sabemos. Como cegos tocados por uma luz que nos indica os modos: em vulnerabilidade, em pobreza, em humildade, em alegria.
Ao celebrar a Epifania ou manifestação do Senhor devemos nos perguntar se vamos caminhando para onde essa luz nos leva, ou se permanecemos instalados no caminho. Somos portadores desta nova luz para que ela também chegue aos rincões do mundo e a todos os seres humanos. Quando todos se abrirem a ela, certamente se envolverão na construção de uma sociedade fraterna onde a justiça e a paz se abraçarão e permanecerá vivo o mistério do Natal.



Sagrada Família

Família,  espaço humanizador

“Olha que teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura” (Lc 2,48)

Os laços de sangue e o ambiente amoroso e afetivo, próprios de uma família, deveriam ser pontos de apoio para aprender a sair de nós mesmos e ir ao encontro dos outros, com nossa capacidade de comu-nhão e de serviço. As relações familiares deveriam ser espaço de humanização e nos motivar a não nos deixar determinar pelo nosso individualismo e egoísmo. Se na família superamos a tentação do egoísmo amplificado, aprenderemos a tratar a todos com a mesma humanidade.
Não nos deve assustar o fato de que a família, hoje, esteja em crise. O ser humano está sempre em cons-tante evolução; se assim não fosse, já teria desaparecido há muito tempo.
Com o Evangelho da Infância na mão, devemos buscar dar resposta aos problemas que a família hoje apresenta. A Igreja não deve esconder a cabeça na areia e ignorá-los ou continuar acreditando que isso se deve à má vontade das pessoas.
Como cristãos, temos a obrigação de fazer uma séria autocrítica sobre o modelo de família que encontra-mos hoje. Jesus não sancionou nenhum modelo, como não determinou nenhum modelo de religião ou organização social. O que Jesus revelou não faz referência às instituições, mas às atitudes que os seres humanos deveriam ter em suas relações com os outros.

Não basta defender de maneira abstrata o valor da família. Tampouco é suficiente imaginar a vida familiar segundo o modelo da família de Nazaré, idealizada a partir de nossa concepção da família tradicional. Seguir a Jesus, às vezes, pode questionar e transformar esquemas e costumes muito enraizados em nós. A família não é para Jesus algo absoluto e intocável. Mais ainda. O decisivo não é a família de sangue, mas essa Grande Família que, nós seus seguidores, devemos ir construindo, escutando o desejo do único Pai-Mãe de todos.
O Evangelho de hoje deixa claro que Maria e José tiveram de aprender isso, não sem problemas e conflitos. Seus pais “não compreenderam as palavras que lhes dissera”. Só aprofundando em suas palavras e em seu comportamento diante de sua família, descobrirão progressivamente que, para Jesus, o primeiro é a família humana: uma sociedade mais fraterna, justa e solidária, tal como o Pai deseja.

Iniciado no templo de Jerusalém, o evangelho da Infância também se encerra neste ambiente, que é o coração espacial da encarnação. De fato, como dirá Jesus na sua última entrada na cidade santa, as pedras de Jerusalém gritam.
É a primeira iniciativa independente e consciente do adolescente Jesus: Ele está cortando muitos vínculos com um só gesto; não pede permissão aos seus pais, pois vive em sintonia profunda com o Pai.
À medida  que Jesus vai crescendo em idade, cresce também nele a consciência da sua relação com o Pai celeste. E, a partir dela, toma decisões por sua conta, sem consultar seus pais terrenos; decisões que não os surpreendem, mas que os fazem sofrer. O filho é um mistério para a mãe.
Embora feita com todo o carinho de um coração de mãe, a pergunta de Maria – “Meu filho, porque agiste assim conosco?”-  mostra  sua perplexidade diante do comportamento de Jesus.

É a segunda estadia de Jesus no templo, depois da visita da circuncisão.
Trata-se do seu ingresso oficial na comunidade hebraica, inaugurando sua maioridade.
É nessa ocasião que Jesus pronuncia as primeiras palavras registradas pelos evangelhos. E a primeira palavra, na prática é “Pai”, dirigida a Deus; “Pai” será também a última palavra pronunciada por Jesus, ainda em Jerusalém, mas no novo templo do Calvário: “Pai, em tuas mãos entrego meu espírito” (Lc. 23,46).
Jesus voltará a Jerusalém outras vezes; aí vai morrer e ressuscitar, porque Jerusalém é o sinal da vida e da morte, das lágrimas e da beleza, do sangue e da luz.
Em Jerusalém, Jesus encontrara alegria e dor, morte e vida, acolhimento e rejeição;
Jerusalém é a cidade da história humana e da história salvífica: lá está a “casa” do templo, a “casa” do Senhor, e a “casa” da dinastia de Davi, da qual descende o Cristo.

Nas primeiras palavras de Jesus temos a afirmação condensada do que será a sua vida, a revelação do seu mistério mais profundo. A relação com o Pai é, com efeito, a que determina todas as suas atitudes e ações.
Para Jesus é uma “necessidade” realizar na história concreta de sua vida o desígnio salvífico do Pai. Ela tem uma prioridade absoluta. Sobrepõe-se a todos os outros deveres, inclusive ao dever sagrado da piedade para com os pais.

Porque não se pertence a si mesmo, Jesus também não pertence a seus pais terrestres.
Ele – sua pessoa, sua vida e sua missão – pertencem inteiramente ao Pai.
Estas primeiras palavras de Jesus nos revelam onde está o centro de sua identidade e de sua missão: na sintonia e na comunhão com o Pai.

Na “perda e encontro” de Jesus no Templo se condensa toda sua vida, que é buscar a Vontade do Pai.
Mas Jesus não é somente este jovem que decide “perder-se” no templo; é todo cristão que busca a Vonta-de de Deus; somos todos nós, convidados a “perder-nos” na busca de Deus, de seu Reino, da missão que Ele tem reservada para nós.
Hoje só há uma condição para poder entrar em sintonia com o coração do Pai: sentir-se “perdido”, como Jesus, buscando o bem dos demais, o serviço da Igreja, do Reino de Deus... Diferentes maneiras de expressar nosso chamado a servir.
Hoje, certamente Jesus não se “perderia” nos Templos (tão vazios) mas nos grandes centros, nos grandes shoppings, onde estão os novos sacerdotes, sem história e sem futuro, fazendo sacrifícios nos grandes altares do consumo. Ali poderíamos encontrá-Lo arguindo sobre a humanidade, criticando-os por fazer destes lugares um templo fechado, um verdadeiro bunker, um mercado de privilegiados, que fecha as portas aos irmãos mais pobres e necessitados.
Igualmente, Ele se “perderia” buscando os filhos do Pai abandonados à sua sorte, excluídos, perdidos nas ruas fedidas, explorados nos lugares de trabalho e sem nenhum tipo de segurança social.
Hoje Jesus se “perderia” de novo em nossas peregrinações, se perderia  nos “novos templos”. E é ali onde podemos encontrá-Lo. É a partir dali que Ele nos convida a encontrar a vontade de Deus nos imigrantes, nos excluídos, nos irmãos e irmãos que arriscam tudo para dar vida, uma vida, às vezes mínima, sem privilégios, nem extras, para que suas famílias vivam com um mínimo de oportu-nidade.

Texto bíblicoLc 2,41-52

Na oração: Para inverter a “solidão desumanizante” na qual muitas
                   famílias estão mergulhadas, é fundamental “re-tecer vínculos”. Para isso é preciso re-aprender a dizer e a ser “nós”, sem que ninguém fique sobrando. E, na família, há espaços onde isto se pode viver, fazer visível e viável.
Somente uma vivência familiar humanizada nos capacita para construir “comunidades de solidariedade”.
- Usando a imaginação, coloque sua família junto à Família de Nazaré: há aspectos comuns? Discrepantes?
- O que é preciso ativar para que sua família seja o rosto visível da Família de Jesus?



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