EPIFANIA: o Deus das
portas abertas
“Quando entraram na casa, viram o
menino com Maria, sua mãe”. (Mt 2,11)
Em sua misericórdia,
Deus sempre nos surpreende, sempre excede nossas estreitas expectativas,
para abrir caminho a partir de nossas fragilidades. Só o amor
misericordioso de Deus nos reconstrói por dentro, destrava nosso coração e
nos move em direção a horizontes maiores de busca, responsabilidade e compromisso.
A força criativa da sua misericórdia põe em movimento os grandes dinamismos de nossa vida; debaixo do
modo paralisado e petrificado de viver, existe uma possibilidade de vida nova nunca ativada.
E foi nas “fendas da humanidade”
que o menino Jesus revelou o novo rosto misericordioso do Pai. A fragilidade de
uma criança aponta o Deus presente e atuante nos meandros de nossa história, de
nossas feridas, de nossos fracassos..., Aquele que não tem vergonha de se
aproximar e de se misturar com a pobreza e a fragilidade dos seus filhos; o
Deus misericordioso mergulha e santifica toda nossa existência. Ele se revela
como um “Deus errante”, que corre ao encontro daqueles que estão
em busca.
Nesta festa da Epifania, a imagem de Deus que nos transparece é a d’Aquele das portas
sempre abertas.
Esta imagem se fez visível na Gruta de Belém,
simples estábulo sem portas ou portões, que só servia para guardar as ovelhas e
protegê-las da chuva e dos perigos. Por isso, carecia de portas.
Deus nasceu em um espaço sem portas.
Por isso, quando os Magos chegaram, não precisaram tocar a
campainha, nem abrir a maçaneta e esperar que alguém, pela abertura da porta,
lhes perguntasse: quem são? de onde vem? quê buscam?...
Simplesmente chegaram e entraram,
porque tudo estava aberto.
É impressionante a descrição que Edith Stein
faz, quando um dia, ainda antes de se converter ao cristianismo, entrou na
catedral de Francfurt.
“Entramos por alguns minutos na catedral e,
enquanto permanecíamos ali dentro num silêncio respeitoso, entrou uma mulher
com a sacola de compras. Ajoelhou-se em um dos bancos. Permaneceu nessa postura
o tempo suficiente para rezar uma breve oração. Aquilo era algo completamente
novo para mim. Nas sinagogas e nas igrejas protestantes que eu havia visitado
só se entra para os atos litúrgicos da comunidade. Mas aqui alguém pode entrar
numa igreja vazia, durante as horas de trabalho de um dia qualquer da semana
para manter uma conversação familiar. Jamais pude esquecer isto”.
A presença
dos Magos em Belém foi um pouco como a visita de Edith Stein à catedral de
Franckfurt. O mais maravilhoso de Deus é que as portas lhe causam repugnância. Ele as quer sempre abertas para que
todo aquele que queira “vê-lo”, falar-lhe e adorá-lo, não precisa nem chamar,
nem tocar a campainha, nem marcar visita com hora fixa. Deus está aberto sempre
e a todos. Não faz distinção de pessoas.
O Menino Jesus não se fixou se um
Mago era negro, o outro branco e o outro amarelo. Nem se assustou vendo o quão
grande eram os camelos. Simplesmente os recebeu com um sorriso. Por isso, esse
encontro é conhecido como festa da Epifania,
da manifestação, da revelação do Deus de “portas abertas” ao mundo. Revelou-se
como o Deus de todos e para todos.
A mulher
que entrou na Catedral de Franckfurt, seguramente que vinha ou ia às compras,
porque entrou com sua sacola; não a deixou à porta da catedral, por respeito. Também
com a sacola se pode falar com Deus. Não sabemos de que falaram, ela e Deus.
Possivelmente de quão caras estão as coisas e que com certeza o dinheiro não ia
dar para encher a sacola de compras. E Deus se sentiu lisonjeado com aquela
visita. Os outros tinham entrado por simples curiosidade turística. E mesmo
assim, alguns deles saíram diferentes, como a Edith, que ficou impressionada e
tocada em sua alma por esta disponibilidade de Deus.
O Deus da Epifania não é o Deus
das portas fechadas; tampouco o Deus a quem é preciso marcar visita
previamente. É o Deus das portas sempre abertas a todos; é o Deus que sempre
está disponível a receber-nos; é o Deus que nunca está ocupado para
atender-nos; é o Deus sempre acolhedor de todos nós, levemos ouro, incenso e
mirra, ou simplesmente levemos uma sacola de compras.
Por isso, todos os dias deveriam
ser “Epifania”, Deus com as portas
abertas de seu coração misericordi-oso, pronto a nos receber a todos e a nos
aceitar como somos. Deus que a cada dia nos diz: “Passai por aqui, a porta está
sempre aberta”.
É
altamente significativo e simbólico que a abertura do Jubileu da Misericórdia tenha começado com o destravamento das
portas das igrejas em todo o mundo.
Mais significativo ainda foi o gesto do papa
Francisco de abrir a Porta Santa do Ano da Misericórdia em Bangui, na África,
antes mesmo de fazê-lo em Roma, sede central do Cristianismo.
O Santo Padre declarou Bangui a capital
espiritual do mundo no dia 29 de novembro, dando início ao Jubileu da Misericórdia a partir
daquela cidade, marcada pela miséria e pela violência.
Como os Magos, também nós nos dirigimos primeiramente aos palácios de nossa
sociedade do bem-estar e aos Herodes contemporâneos, até que nos damos conta de
que ali não encontramos o que estamos buscando, que ali se anula e se anestesia
a vida, essa vida de Deus que quer crescer em nós. Somente quando nossos olhos
se abrirem, descobriremos assombrados que não há nada que não seja sua
epifania, que não é que Deus não se manifeste, senão que nos faltam olhos para
descobri-lo.
O Espírito que sopra desde a
África, com a abertura da Porta Santa, nos abre então a porta para palmilhar a
estrada deste Novo Ano rumo a um mundo marcado pela luz da Misericórdia.
Os Magos
do Oriente são o símbolo de tantos homens e mulheres que, em qualquer parte do
mundo, a partir de outras sendas e tradições espirituais, se perguntam, buscam
e caminham. Uma lenda os apresenta como um rei jovem, outro ancião e outro
negro, querendo significar que todos os âmbitos do ser humano se fazem patentes
ao longo do caminho, até poder encontrar o Menino e adorá-lo.
Segundo esta lenda, os magos perdem a estrela
justamente antes de chegar, e foram os pastores, as potên-cias do coração,
aqueles que lhes ensinaram o caminho. O ouro do amor, o incenso de nossos
desejos e a mirra de nossas dores e daquilo que cura as feridas são entregues
Àquele que nos deu tudo primeiro.
Texto bíblico: Mt
2,1-12
Na
oração: A obscuridade e as dúvidas
pairam sobre nosso presente e nosso futuro. A
situação social que vivemos é certamente muito confusa. Por isso buscamos uma
luz, uma estrela para orientar-nos.
Precisamos
de uma luz que dê sentido e orientação à nossa vida.
Uma
vez que a Luz do Menino nos toca, já
não podemos seguir pelo mesmo caminho; o caminho da epifania é agora o nosso
caminho: descobrir o amor e manifestá-lo. Descobri-lo onde não esperávamos e
levá-lo a outros por onde ainda não sabemos. Como cegos tocados por uma luz que
nos indica os modos: em vulnerabilidade, em pobreza, em humildade, em alegria.
Ao
celebrar a Epifania ou manifestação do Senhor devemos nos perguntar se vamos
caminhando para onde essa luz nos leva, ou se permanecemos instalados no
caminho. Somos portadores desta nova luz para que ela também chegue aos rincões
do mundo e a todos os seres humanos. Quando todos se abrirem a ela, certamente
se envolverão na construção de uma sociedade fraterna onde a justiça e a paz se
abraçarão e permanecerá vivo o mistério do Natal.