Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

segunda-feira, 31 de julho de 2017

Homilia dominical - 6 de Agosto de 2017

A LUZ QUE NOS TRANS-FIGURA

“O seu rosto brilhou como o sol e as suas vestes ficaram brancas como a luz” (Mt 17,2)

“Saí de vossas trevas! Deixai para trás a segurança do vale e empreendei sem medo a subida ao mon-te, porque lá no alto a luz vos espera!”. Este poderia ser o apelo do evangelho da Transfiguração, que pede de nós mobilidade para sair das falsas seguranças de uma vida sem horizontes.
De fato, há em nós uma força atrofiadora que nos faz preferir a acomodação, permanecendo tranquilos, perdidos no imediato e alheios à capacidade de transfiguração que se esconde por detrás da aparente normalidade das pessoas e das coisas.
“O mundo está cheio de esplendor espiritual e de segredos maravilhosos, mas basta um pequeno cisco sobre nossos olhos para que tudo fique escondido”(Baal Sem Tov).
Por isso, no Evangelho de hoje, e com diferentes graus de intensidade, o evangelista sai da esfera plana das descrições precisas e exatas e se expressa na linguagem do excessivo, do simbólico, do totalizante: “seu rosto brilhou como o sol”, “suas roupas ficaram brilhantes como a luz”, “uma nuvem lumi-nosa os cobriu”...
E como contraste escuro frente a tanta luz, três pobres homens assustados que balbuciam disparates, que preferiam dormir e ficar aí junto a esta situação tão surpreendente.

A Transfiguração está nos dizendo quem era realmente Jesus e quem somos realmente cada um de nós.
Essa cena que Mateus relata é um símbolo das muitas “experiências de transfiguração” que todos experimentamos. A vida diária tende a fazer-se cinza, monótona, cansada, e a deixar-nos desanimados, sem forças para caminhar. Mas, eis que surgem momentos especiais, com frequência inesperados, em que uma luz atravessa nosso coração, e os olhos de nossa interioridade nos permitem ver muito mais longe e muito mais fundo daquilo que estávamos acostumados a olhar até esse momento.
A realidade é a mesma, mas nos aparece transfigurada, com outra figura, revelando sua dimensão interior, essa na qual tínhamos acreditado, mas que com o cansaço do caminhar tínhamos esquecido. Essas experiências, verdadeiramente espirituais, nos permitem renovar nossas energias e, inclusive, entusias-mar-nos para continuar caminhando, com o sentimento de “como se víssemos o Invisível”.

Aquele Monte (Tabor) foi um espaço instigante para Jesus, lugar alto de sua experiência radical, de onde Ele podia ver os problemas da humanidade, para senti-los, para assumi-los e mudar... O mesmo Jesus nos faz subir à grande montanha para que vejamos as coisas de outra forma, de outra perspectiva...
É preciso, de vez em quando, tomar distância e nos afastar do cotidiano rotineiro e atrofiado, para ampliar nossa visão e contemplar o drama humano; é decisivo nos situar diante do calor de Deus (sarça ardente) para desvelar nossa verdadeira identidade. Somente assim a Montanha nos transfigurará para que nos empenhemos no serviço em favor dos “desfigurados” do mundo.
Todos nós aspiramos por experiências como a dos discípulos de Jesus no alto do Tabor. Mas nós não podemos nos encontrar com Jesus no Tabor da Galiléia. Necessitamos buscar nosso Tabor particular, os rincões de nossa morada interior onde estão as fontes que mais forças nos dão, as luzes com as quais nos sintonizamos para iluminar e dar um novo significado ao nosso compromisso primeiro.
Todos nós somos portadores de uma luz que procede de dentro, uma iluminação interior, que só aquele que vive a partir de sua própria interioridade consegue ter acesso a ela.

Ao relatar suas experiências espirituais, muitos místicos fazem referência a uma luz que ilumina com força seu interior. É uma graça que não se revela rara, pois temos consciência que “Deus é luz” e que o mesmo Jesus se definiu como a “Luz do mundo”. Somos envolvidos providencialmente por esta expansiva Luz.
Todas as pessoas que fizeram esta experiência de encontro com o “Deus da Luz”, puseram os meios para fazer a viagem interior e ativar a “faísca da luz divina” ali presente. Na medida em que se deixaram inva-dir por essa luz, aproximaram-se cada vez mais dela para vivê-la com mais intensidade e para deixá-la refletir em seus rostos e ações. Por isso, foram pessoas de presenças originais e iluminantes em seu meio.
No ritmo do cotidiano, o dom imenso da luz passa desapercebido. Que o digam aqueles que não podem ver; que o digam aqueles que nunca puderam estremecer-se diante de um pôr-do-sol ou diante das cores vivas de uma pintura; que o digam aqueles que nunca puderam ver o brilho de uns olhos cheios de amor...
Na costumeira cotidianidade, o perigo de não valorizar a luz é evidente; no entanto, para quem contempla sua cotidianidade, a formosura da luz que se derrama sobre nós que vivemos neste planeta sem luz própria é a prova da generosidade de Deus para conosco.

Por isso mesmo, há vidas luminosas e vidas obscuras. Há pessoas cuja luz interior trans-figura suas vidas: vivem na transparência da luz, seus gestos e atos são luminosos, admiram-se com o brilho da vida e desejam que tudo tenha esse brilho, iluminam com sensata positividade tudo o que acontece ao seu redor, colocam-se sempre na perspectiva de quem desfruta da cor e do amor no encontro com os outros...
O resplendor da Transfiguração brilha no interior de cada um de nós; não nos vemos vazios por dentro porque no mais profundo de nós, na morada mais interior, está o “sol de onde procede uma grande luz” (Santa Teresa de Jesus).
Deixar-se transfigurar. Somos seres de luz e nossa verdadeira transformação nasce de nosso interior.
Na Transfiguração, Jesus nos faz descobrir nosso verdadeiro ser, que vemos refletido n’Ele.
A transfiguração não é condição de um “iluminado”, mas a realidade de toda pessoa que é capaz de “sair de seu próprio amor, querer e interesse” (S. Inácio). Deixar-se transfigurar é descentrar-se e expandir sua luz, para realizar aquele chamado único de Jesus dirigido a todos nós: “Vós sois a luz do mundo”.

Transfiguração é festa da luz: Jesus é a Luz e no encontro com Sua Luz podemos ativar a tímida luz presente no nosso interior. Só assim podemos ampliar os espaços de luz em nossas vidas, para contagiar-nos de luz e para comunicar uma mística de luz em nosso entorno. Não se trata de falsas iluminações, mas de alcançar outra perspectiva de vida, mais luminosa, mais positiva, mais esperançada.
Para transitar na noite de nosso tempo precisamos buscar na Transfiguração a Luz que a ilumine e nos indique a direção e o sentido de nossa existência.
A “noite de nosso mundo”- carregada de tanta corrupção, violência, preconceito - pede pessoas marcadas pela experiência da Transfiguração, capazes de ver a presença d’Aquele que é a Luz no meio das realidades simples e cotidianas, no profundo do coração de cada ser humano, de cada realidade vivente, de cada palmo de nossa terra, no mistério insondável do universo grávido de graça.
Precisamos cultivar não só olhos que vejam a realidade, senão que sejam capazes de contemplar, no meio da noite, a presença da Luz: uma luz que brota das profundezas da realidade, do profundo do ser onde o Deus, Fonte de vida, sustenta tudo; uma luz que nos faz descobrir nosso ser essencial: filhos e filhas amados(as) e irmanados(as) com todos e com tudo.

Texto bíblicoMt. 17, 1-9

Na oração: Na nossa vida cristã não faltam momen-
                 tos de claridade e certeza, de alegria de luz.
E tudo depende de nossa visão, ou seja, se nosso olhar só capta o imediato e rasteiro que nos rodeia, ou se é capaz de descobrir o profundo e o luminoso em tudo... “Tudo é segundo a cor da lente com que se olha”.
- Como é seu olhar? Mais além do imediato que o rodeia? você é capaz de ver a presença da Luz, da profundidade de sentido, da presença de Deus... que há por detrás de cada circunstância?
- Você é capaz de transfigurar o olhar para captar a presença da luz que tudo re-significa?





segunda-feira, 10 de julho de 2017

Homilia Dominical - 16 de agosto de 2017

TEMPO DAS RAIZES

“Quando o sol apareceu, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz” (Mt 13,6)

Temos perdido as raízes? Como conectar-nos com elas? Quê raízes nos alimentam? Onde estamos enrai-zados? Quais são as raízes que nutrem atualmente nossa vida? São as melhores?
Enraizamento, fincar raízes, viver da profundidade das raízes... O “novo” vem das raízes, vem de baixo, da base, do chão da vida. É preciso relançar uma nova radicalidade. Viver a partir das raízes, projetar a partir das raízes, criar a partir das raízes. É tempo de fortalecer as raízes; e viver o tempo das raízes para ser presença “diferenciada” na realidade cotidiana de cada um.
Neste novo contexto em que vivemos, marcado pelo desenraizamento, promove-se muito mais viver em mundos virtuais, em espaços criados pela tecnologia, comunicando-se através de relações informáticas com pessoas distantes, desenraizando-se do próprio chão existencial; no emaranhado das imagens e sons perde-se a noção daquilo que é essencial, decisivo para a vida; vive-se na superfície dos acontecimentos e de si mesmo; mina-se a consistência interior e fundamento sobre o qual se apóia a própria vida; esfria-se toda proximidade e relação com o outro; petrifica-se todo compromisso com as causas sociais...
Desenraizar-se é desumanizar-se.

Jesus, o homem enraizado em seu povo e sua cultura, traçou seu caminho em parábolas. Suas palavras romperam a ordem oficial do templo, a segurança dos sacerdotes, a razão dos escribas, colocando todos os homens e mulheres do povo frente à proposta de vida plena e feliz, desejada pelo Pai.
As parábolas parecem revelar a verdadeira identidade de Jesus; é como se alguém lhe perguntasse: “quem és tu? O que fazes?”. Segundo Mateus, Jesus é o verdadeiro semeador. Por isso, é decisivo prestar atenção ao seu modo de semear. E Ele faz isso com uma surpreendente confiança; semeia de maneira abundante; as sementes de humanidade são lançadas em todos os tipos de terrenos, mesmo entre aqueles onde a germinação parece difícil. O semeador não desanima nunca; sua semeadura não será estéril.

A parábola do “semeador” é muito precisa, nem uma palavra a mais, nem uma a menos; nenhum floreio ou comentários em excesso... Austeramente, Jesus descreve o que acontece com a semente, partindo das experiências normais da agricultura de seu tempo, um exemplo concreto do trabalho nos campos, de ma-neira que todos os ouvintes podiam entendê-lo.
Tudo é normal e todos se descobrem imersos nela, como se estivessem juntos construindo a parábola, buscando seu sentido. Pois bem, quando ela é escutada dessa forma descobrimos que ela desafia todas as convenções sociais, pondo em movimento nossa vida, pois ela fala de nós, do que somos e fazemos. Assim ela se revela surpreendente, pura transparência, como um chamado à nossa própria criatividade.
Nesse sentido, toda parábola vem iluminar e inspirar nosso modo de seguir e de nos identificar com Jesus; tal seguimento não é questão de uma simples adesão à pessoa de Jesus, mas um enraizamento na vida d’Ele, buscando ali a seiva que vai dar novo sentido à nossa existência.

A “nova radicalidade” (e não radicalismo) é a forma de seguir a Jesus. É uma radicalidade amável e expansiva, porque quem chega às raízes descobre-se enraizado na natureza humana, naquilo que todos compartilham e, por isso mesmo, descobre-se e sente-se enraizado no Outro.
Ninguém pode viver sem raízes, pois não se sustentaria de pé. Quando perde suas raízes, o ser humano se atrofia e fica privado de algo decisivo, essencial: de uma fonte de vitalidade.
A verdade é que a vida cristã nos pede “desenraizamento” de algumas realidades que nos envenenam e  fazem romper as relações (enraizamento no poder, na riqueza, na centralidade do próprio ego, na cultura da superficialidade...). Para dizer um “sim” ao seguimento de Jesus e enraizar-nos em uma realidade verdadeiramente consistente (sua palavra e vida) é preciso dizer “não” àquelas outras realidades, desprender-nos delas, desenraizar-nos delas.

Ao nos convidar a ter raízes profundas, o Evangelho de hoje está afirmando algo muito importante: nesta terra, nesta realidade social, cultural, eclesial e política, já está semeado o Reino, já está viva e ativa a presença do Deus fiel que cria futuro. Nós nos alimentamos desta realidade na medida em que nos deixa-mos semear nela.
Somente aquele que se deixa semear experimenta o sabor da seiva da vida de Deus entrando por suas raízes, percorrendo seu ser inteiro, fazendo-o crescer e dando os frutos de que nosso povo precisa. Aquele que não se deixa semear vive de ilusões e quimeras que envenenam sua existência.


O duro trabalho de lavrar a terra, de semear e semear-nos nela, supõe um amor pela terra. Acreditamos
nela, a apalpamos entre os dedos para sentir sua qualidade. O camponês ama sua terra não só pelo que lhe possa produzir, mas porque nela está presente a herança de gerações familiares que lhe precederam. Sua terra tem nomes e sobrenomes: para ele é um ser vivo com sangue de família em suas entranhas.
Amamos a terra na qual estamos semeados como Jesus amou o seu povo?
Ter as raízes fincadas na história, na realidade, raízes que a partir do oculto nutrem nossa vida e alargam o coração, é saber que temos uma origem e uma meta que é o próprio Deus.
Raízes que se entrecruzam por debaixo do solo, no profundo, compartilhando a mesma água e o mesmo húmus. Vida nova, que cresce a partir de dentro e a partir de baixo, a partir do oculto.
Ramos que se abrem e se curvam buscando a luz.
Uma vida iluminada. Profundidade, serenidade e descanso. Solidariedade e comunhão. Vida que cresce em companhia. Vida consistente. Solidão habitada e fecunda.

Muitas vezes o enraizamento supõe estar presente naquelas realidades das quais muitos fogem, das quais muitos renegam, ou que são somente terras de passagem, fronteiras que geram medo e insegurança.
O enraizamento supõe respeito para com toda realidade, amar a terra concreta tal como ela é, como Jesus que, na Encarnação, foi semeado naquela terra dominada e excluída da Palestina.
Foi no enraizamento do chão daquele povo que Jesus foi se humanizando e abrindo-se à novidade do Rei-no do Pai que tudo transforma. Assim expressa Jesus de si mesmo quando se comparou com a videira plantada na terra de Israel.
É preciso deixar-se semear não só onde a terra já está preparada durante gerações, mas também nas margens da realidade, na dureza das terras sem arar, cheias de pedregu-lhos e de espinhos. Não podemos fugir da realidade que temos de arar, semear e cultivar com sua dureza e com seu encanto.

Texto bíblicoMt 13,1-23

Na oração: Uma vida que se enraíza, é uma vida firme, consistente.
                   Por outra parte, as raízes na planta, são as que se introduzem na terra e crescem em sentido contrário do tronco, servindo-se como sustentação. Graças a elas pode absorver o alimento necessário para seu crescimento.
- quais são e onde estão as raízes nas quais seu coração se alimenta?
- onde apoia sua vida? quê é o que a sustenta?





segunda-feira, 3 de julho de 2017

Homilia dominical - 9 de julho de 2017

DIVINO CORAÇÃO HUMANO

“...porque sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para vós” (Mt 11,29)

Em toda visão antropológica, o coração ocupa o centro profundo de nosso ser, o nosso cerne mais íntimo, o coração do coração, que não consiste no mero sentimento, mas trata-se do centro existencial que nos permite orientar-nos como um todo e plenamente em direção ao bem, à verdade, à justiça...
O coração é uma dessas palavras sobre a qual toda a multiplicidade se torna uno.
Ele simboliza, para a grande maioria das culturas, o centro da pessoa, onde se unificam todas suas dimensões. Uma pessoa com coração não é a dominada pelo sentimentalismo, senão aquela que alcançou uma unidade e coerência, um equilíbrio de maturidade que lhe permite ser objetiva e cordial, lúcida e apaixonada, intuitiva e racional; nunca fria, mas sempre acolhedora; nunca cega, mas realista.
Ter coração equivale a ser uma personalidade integrada. O coração é o símbolo da profundidade e da interioridade. Só quem chegou a uma harmonia consciente com o profundo de seu ser consegue alcançar a unidade e a maturidade pessoais.

O coração do ser humano é a própria fonte de sua personalidade consciente, inteligente e livre. É o lugar de suas escolhas decisivas, fonte das bem-aventuranças, santuário da ação misteriosa de Deus e do encon-tro com Ele.
Recordações, pensamentos, projetos e decisões são alguns dos componentes essenciais do órgão vital por excelência. O que acontece nele tem caráter decisivo. “O mistério interior do ser humano, tanto na língua-gem bíblica como na não bíblica, se expressa com a palavra coração” (Xavier León-Dufour).
Por isso é importante permanecer atento aos seus movimentos. É a única forma de nos conhecer e de conhecer verdadeiramente uma pessoa. O coração pode palpitar ao ritmo da soberba ou da humildade, do amor ou do ódio, do egoísmo ou da generosidade. E está cheio de mesclas: de trigo e de joio.
Vivemos imersos em uma multiplicidade de realidades, imagens, ofertas, caminhos, ideias diferentes... No entanto, quando procuramos reunir e estruturar nossa busca e orientá-la para a realidade última de nossa existência, recorreremos a expressões, palavras, imagens que brotam do mais profundo de nós mesmos, do nosso coração.   
Trata-se, pois, de chegar à unificação de nossa pessoa, integrando a afetividade, a sensibilidade, a razão, os desejos..., para além da bela expressão de Pascal: “O coração tem razões que a razão não conhece”. O fato é que há “olhos no coração” que permitem compreender o que nem os olhos do corpo, nem a razão são capazes de perceber: “Rogo a Deus que ilumine os olhos dos vossos corações, para que conheçais qual é a esperança à qual fostes chamados” (Ef. 1,18).

A antropologia bíblica considera o coração como o interior do ser humano, num sentido muito mais am-plo que o das línguas latinas; não o coração entendido como o órgão da afetividade (uma zona muito in-consistente e instável), mas uma dimensão mais interna e transparente, que se converte em “sede” do espírito. Já no AT, o coração designava o complexo mundo interior do ser humano.
Fechamento, insensibilidade, indiferença, impassibilidade, surdez, falsidade, murmurações... eram razões mais que suficientes para exortar a uma mudança de atitude. “Eu lhes darei um só coração e infundirei neles um espírito novo: tirarei de seu peito o coração de pedra e lhes darei um coração de carne” (Ez 11,19). A conversão devia empapar todo o ser, especialmente o coração petrificado.

Segundo a tradição bíblica, o que mais nos desumaniza é viver com um “coração fechado” e endurecido, um “coração de pedra”, incapaz de amar e de crer. Quem vive “fechado em si mesmo”, não pode acolher o Espírito de Deus, não pode deixar-se guiar pelo Espírito de Jesus.
Quando nosso coração está “fechado”, nossos olhos não vêem, nossos ouvidos não ouvem, nossos braços e pés se atrofiam e não se movimentam em direção ao outro; vivemos voltados sobre nós mesmos, insensíveis à admiração e à ação de graças. Quando nosso coração está “fechado”, em nossa vida não há mais compaixão e passamos a viver indiferentes à violência e injustiça que destroem a felicidade de tantas pessoas. Vivemos separados da vida, desconectados. Uma fronteira invisível nos separa do Espírito de Deus que tudo dinamiza e inspira; é impossível sentir a vida como Jesus sentia.
Quando vivemos a partir do coração, escutamos com mais paciência, olhamos com cumplicidade, toca-mos com ternura, sofremos com fortaleza, assumimos o risco com naturalidade, misturamos nossa vida com a dos outros e avançamos em comunidade realizando projetos solidários.

Jesus dava decisiva importância ao coração: “a boca fala daquilo que está cheio o coração” (Lc. 6,45); “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt. 5,8). “Onde está teu tesouro, ali está teu coração” (Mt. 6,21).
Jesus vivia a partir de seu coração e contagiava com a força poderosa de seu amor e de sua entrega.
Nele se realizou definitivamente sua promessa. Ele nasceu com um coração de carne, ou seja, humano, absolutamente divino. Estava chamado a ser o coração de todos, o centro nevrálgico da humanidade.
Jesus é o homem para os outros, que tem coração, um coração não de pedra, mas de carne. Sua vida, um sinal do bem amar, do saber amar. Mas, sobretudo, Jesus, em seu Coração, é a profundidade mesma do ser humano e de Deus. Nele está a fonte do Espírito que brota como água fecunda até a vida eterna.
Graças à Encarnação, o Filho de Deus trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, sentiu com vontade humana, amou com coração humano.
O coração de Jesus nos fala de iniciativa, de liberdade, de entrega absoluta e amor profundo. O coração de Jesus revela que sua vida implica um movimento de saída, que provoca encontros pessoais, que transforma a vida daqueles(as) que o seguem, abrindo-lhes novos horizontes, ampliando a visão e descentrando-os de sua própria lógica.

O evangelho deste domingo mostra um dos mais vivos exemplos de coração agradecido que podemos encontrar. Jesus, que acaba de passar por uma profunda experiência de rejeição por parte das cidades da Galiléia, explode no canto que começa: “Eu te louvo, Pai, porque escondeste estas coisas aos sábios e entendidos”.
O coração de Jesus é sustentado, alimentado, irrigado pelo amor cuidadoso e providente do Pai.
É no coração que também nós, seus(suas) seguidores(as), poderemos estar em segurança, profundamente repousados. É no coração, “última solidão do ser”, que decidimos por Deus e a Ele aderimos. Aqui Deus marca “encontro” com cada um de nós. “Deus é mais íntimo a cada um de nós do que nós mesmos” (S.Agostinho).

Texto bíblicoMt 11,25-30

Na oração: Todos estamos no coração de
                    Cristo. Todos estamos no Amor de Deus. Todos fomos introduzidos na Sagrada Humanidade d’Aquele que, sendo Deus, se fez semelhante a nós para que possamos todos nos sentir n’Ele.
O coração se revela como imagem de amor, de humanidade, de entranhas compassivas. Identificamos as pessoas por seu bom coração, por terem entranhas de misericórdia.
- Você deixa transparecer seu coração na relação com as pessoas? As atividades que você realiza tem coração?



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