TEMPO DAS RAIZES
Temos perdido as raízes? Como conectar-nos com elas? Quê raízes nos alimentam? Onde
estamos enrai-zados? Quais são as raízes que nutrem atualmente nossa vida? São
as melhores?
Enraizamento, fincar raízes, viver da
profundidade das raízes... O “novo” vem das raízes, vem de baixo,
da base, do chão da vida. É preciso relançar
uma nova radicalidade. Viver a partir das raízes, projetar a partir das raízes,
criar a partir das raízes. É tempo de fortalecer as raízes; e viver o tempo das raízes
para ser presença “diferenciada” na realidade cotidiana de cada um.
Neste novo contexto em que
vivemos, marcado pelo desenraizamento, promove-se muito
mais viver em mundos virtuais, em espaços criados pela tecnologia,
comunicando-se através de relações informáticas com pessoas distantes,
desenraizando-se do próprio chão existencial; no emaranhado das imagens e sons perde-se a noção daquilo que é
essencial, decisivo para a vida; vive-se na superfície dos acontecimentos e de
si mesmo; mina-se a consistência interior e fundamento sobre o qual se apóia a
própria vida; esfria-se toda proximidade e relação com o outro; petrifica-se
todo compromisso com as causas sociais...
Desenraizar-se é desumanizar-se.
Jesus, o homem enraizado em seu povo e sua
cultura, traçou seu caminho em parábolas. Suas palavras romperam a
ordem oficial do templo, a segurança dos sacerdotes, a razão dos escribas,
colocando todos os homens e mulheres do povo frente à proposta de vida plena e
feliz, desejada pelo Pai.
As parábolas parecem revelar a verdadeira identidade de Jesus; é como se alguém
lhe perguntasse: “quem és tu? O que fazes?”. Segundo Mateus, Jesus
é o verdadeiro semeador. Por isso, é decisivo prestar atenção ao seu modo de
semear. E Ele faz isso com uma surpreendente confiança; semeia de maneira
abundante; as sementes de humanidade são lançadas em todos os tipos de
terrenos, mesmo entre aqueles onde a germinação parece difícil. O semeador não
desanima nunca; sua semeadura não será estéril.
A parábola do “semeador” é muito
precisa, nem uma palavra a mais, nem uma a menos; nenhum floreio ou comentários
em excesso... Austeramente, Jesus descreve o que acontece com a semente,
partindo das experiências normais da agricultura de seu tempo, um exemplo
concreto do trabalho nos campos, de ma-neira que todos os ouvintes podiam
entendê-lo.
Tudo é normal e todos se
descobrem imersos nela, como se estivessem juntos construindo a parábola,
buscando seu sentido. Pois bem, quando ela é escutada dessa forma descobrimos
que ela desafia todas as convenções sociais, pondo em movimento nossa vida,
pois ela fala de nós, do que somos e fazemos. Assim ela se revela
surpreendente, pura transparência, como um chamado à nossa própria
criatividade.
Nesse sentido, toda parábola vem
iluminar e inspirar nosso modo de seguir e de nos identificar com Jesus; tal
seguimento não é questão de uma simples adesão à pessoa de Jesus, mas um
enraizamento na vida d’Ele, buscando ali a seiva
que vai dar novo sentido à nossa existência.
A “nova radicalidade” (e não
radicalismo) é a forma de seguir a Jesus. É uma radicalidade amável e
expansiva, porque quem chega às raízes descobre-se enraizado na natureza
humana, naquilo que todos compartilham e, por isso mesmo, descobre-se e
sente-se enraizado no Outro.
Ninguém pode viver sem raízes, pois não se sustentaria de pé. Quando perde suas raízes, o
ser humano se atrofia e fica privado de algo decisivo, essencial: de uma fonte
de vitalidade.
A verdade é que a vida cristã nos
pede “desenraizamento”
de algumas realidades que nos envenenam e fazem romper as relações (enraizamento no
poder, na riqueza, na centralidade do próprio ego, na cultura da
superficialidade...). Para dizer um “sim”
ao seguimento de Jesus e enraizar-nos em uma realidade verdadeiramente
consistente (sua palavra e vida) é preciso dizer “não” àquelas outras realidades, desprender-nos delas,
desenraizar-nos delas.
Ao nos convidar a ter raízes profundas, o
Evangelho de hoje está afirmando algo muito importante: nesta terra, nesta
realidade social, cultural, eclesial e política, já está semeado o Reino, já
está viva e ativa a presença do Deus fiel que cria futuro. Nós nos alimentamos
desta realidade na medida em que nos deixa-mos semear nela.
Somente aquele que se deixa semear experimenta
o sabor da seiva da vida de Deus entrando por suas raízes, percorrendo seu ser
inteiro, fazendo-o crescer e dando os frutos de que nosso povo precisa. Aquele
que não se deixa semear vive de ilusões e quimeras que envenenam sua
existência.
O duro trabalho de lavrar a
terra, de semear e semear-nos nela, supõe um amor pela terra. Acreditamos
nela, a apalpamos entre os dedos
para sentir sua qualidade. O camponês ama sua terra não só pelo que lhe possa
produzir, mas porque nela está presente a herança de gerações familiares que
lhe precederam. Sua terra tem nomes e sobrenomes: para ele é um ser vivo com
sangue de família em suas entranhas.
Amamos a terra na qual estamos
semeados como Jesus amou o seu povo?
Ter as raízes fincadas na
história, na realidade, raízes que a partir do oculto nutrem nossa vida
e alargam o coração, é saber que temos uma origem e uma meta que é o próprio
Deus.
Raízes que se entrecruzam por
debaixo do solo, no profundo, compartilhando a mesma água e o mesmo húmus. Vida
nova, que cresce a partir de dentro e a partir de baixo, a partir do oculto.
Ramos que se abrem e se curvam
buscando a luz.
Uma vida iluminada. Profundidade,
serenidade e descanso. Solidariedade e comunhão. Vida que cresce em companhia. Vida
consistente. Solidão habitada e fecunda.
Muitas vezes o enraizamento supõe estar
presente naquelas realidades das quais muitos fogem, das quais muitos renegam,
ou que são somente terras de passagem, fronteiras que geram medo e insegurança.
O enraizamento supõe respeito para com toda
realidade, amar a terra concreta tal como ela é, como Jesus que, na Encarnação,
foi semeado naquela terra dominada e excluída da Palestina.
Foi no enraizamento do chão daquele povo que
Jesus foi se humanizando e abrindo-se à novidade do Rei-no do Pai que tudo
transforma. Assim expressa Jesus de si mesmo quando se comparou com a videira
plantada na terra de Israel.
Texto bíblico: Mt 13,1-23
Na oração: Uma
vida que se enraíza, é uma vida firme, consistente.
Por outra parte, as raízes
na planta, são as que se introduzem na terra e crescem em sentido contrário do
tronco, servindo-se como sustentação. Graças a elas pode absorver o alimento
necessário para seu crescimento.
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quais são e onde estão as raízes nas quais seu coração se alimenta?
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onde apoia sua vida? quê é o que a sustenta?