Teológico Pastoral

Teológico Pastoral

sábado, 28 de junho de 2014

Homilia dominical - 29 de junho de 2014

RE-AVIVAR A CHAMA DO AMOR PRIMEIRO

 “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes?” (Jo 21,15)

O relato da última aparição de Jesus ressuscitado aos seus discípulos tem uma cena belíssima. Novamente juntos à praia e entre redes, como no começo; novamente diante de um trabalho cansativo e ineficaz, como tantas vezes; novamente a dureza de cada dia, em um cotidiano sem Jesus, como antigamente.
Há algumas brasas, que recordam aquela fogueira em torno da qual, alguns dias antes, o velho pescador jurou não conhecer Jesus, negando-o três vezes. Agora, junto ao fogo irmão, Jesus lavará com misericórdia a fraqueza de Pedro, transformando para sempre seu barro frágil em “pedra” fiel.

O verdadeiro milagre não é uma rede que se enche; o maior milagre é a traição covarde que se transforma em confissão de amor. Até três vezes o confessará. A traição desumanizou Pedro, fez com que ele fosse fundo no fracasso, obrigando-o a dizer com os lábios o que seu coração não queria. A fidelidade e o amor de Jesus, sua graça sempre pronta, o humanizará de novo, reconstruindo sua vida e reativando em Pedro a liderança para o serviço. Sem ironia, sem indiretas, sem pagamento de dívidas atrasadas. Por pura graça, gratuitamente
O Pedro que emerge deste contato terapêutico com Jesus é um Pedro corajoso, decidido, mas também muito mais amoroso, capaz de superar preconceitos antigos. Jesus percebe que por debaixo das cinzas da negação e da traição de Pedro está escondida a nobreza de um homem que precisa ser ativada.
A cura das feridas emocionais é antes de tudo um caminho novo, que envolve afeto, amizade, amor.
A vida de Pedro se transforma quando ele se deixa impactar por aquela pergunta tão desconcertante que Jesus lhe faz: TU  ME AMAS?
Jesus não examina Pedro sobre teología, Sagrada Escritura ou Direito Canônico, nem pergunta por suas qualidades organizativas do grupo ou se tem capacidade de exercer liderança. Jesus o examina somente em uma coisa, a que é essencial para todo seu seguidor e para toda a Igreja: se é uma pessoa com um coração “grande para amar”. Ele quer examinar o quanto Pedro se distingue por sua capacidade de amor.

A pescaria do lago Tiberíades aponta para a missão; o pastoreio cobrado de Pedro já visa a posteriores cuidados “pastorais”. O pastor precisa de um olhar amoroso que vai além de seu curral, e o pescador precisa de um olhar apurado para o discernimento diante da multidão dos peixes e da amplitude do mar.
Ao entardecer, Pedro se torna novamente pescador e sai da terra firme para o mar.
A comunidade eclesial vive concomitantemente a pescaria e o pastoreio, a missão em alto-mar e o cuidado pastoral em terra firme. Juntar as ovelhas e guardar os peixes são tarefas permanentes da Igreja.
O dom da rede cheia do pescador, no fim da noite, torna-se tarefa para o dia do pastor: discernimento, cuidado, partilha, testemunho, anúncio.

No nosso mundo existem muitas fogueiras e lugares onde Deus e os irmãos são traídos e, agindo assim, somos desumanizados, quebrados. Mas há outras brasas, aquelas que Jesus prepara ao amanhecer das nossas escuridões e depois das nossas fadigas, e nela nos convoca a uma nova intimidade com Ele, trans-formando-nos em humanidade cuidadora. Lá, permite-nos voltar a começar, na alegria do milagre da sua misericórdia transbordante. É a última pesca estéril, a das nossas fadigas e cansaços.
Feliz quem tiver olhos para reconhecê-lo, como João, e quem se deixar renascer, como Pedro!

O itinerário Pedro é um itinerário de humanização, encontro com a própria humanidade, uma aventu-ra para descoberta do “mundo interior”,  que é o coração, onde acontece o mais importante e decisivo em cada pessoa. Este é o nível da graça, da gratuidade, da abundância de dons e riquezas, onde a pessoa experimenta a unidade de seu ser e o sentido de sua existência. “Quem sou eu? Para quê vivo? Para quem? Qual é o meu lugar e missão no mundo?”
O coração de cada um está habitado de sonhos de vida, de futuro, de projetos; sente-se seduzido pelo que é verdadeiro, bom e belo; busca ardentemente a pacificação, a unificação interior, a harmonia com tudo e com todos...; sente ressoar o chamado da verdade, o magnetismo do amor, da plenitude; sente-se atraído por um desejo irreprimível de auto-transcendência, de crescimento, de maturidade...
“A pessoa amadurece constantemente no conhecimento, amor e seguimento de Jesus Mestre, se aprofunda no mistério de Sua pessoa, de Seu exemplo e de Sua doutrina (Doc. Aparecida, n. 277,c)

A Graça de Deus pode atingir-nos pelos caminhos mais variados e inesperados: penetrando pelas racha-duras de nossas quedas, pelas brechas abertas em nós pelas fragilidades e pelas grandes decepções ou soprando as últimas brasas que, sob as cinzas da desilusão, ainda permanecem acesas.
Não poucas vezes é por meio do vazio deixado em nós pelas crises e perdas que Deus se introduz em nossas vidas e acaba por transformá-las radicalmente.
A verdadeira questão é se permanece ainda suficiente fogo debaixo das cinzas para suscitar a energia necessária a fim de tornar nossa vivência cristã mais autêntica.
Cair na conta disso nos estremece profundamente. Todos e cada um de nós que vivemos hoje somos portadores do novo fogo. O novo sempre vem e sempre nos surpreende.
Para vislumbrar o amanhã, o que temos de fazer é olhar para nós mesmos e perguntar-nos:
“brota uma energia profunda no nosso coração? Percebe-se nele o desejo de um compromisso
com o Evangelho? Aí há lugar para a audácia, a coragem, o fogo novo...?
Ou se apagou o antigo fogo? É a vida agora simplesmente questão de suportar os dias
e agir por inércia ou ela é lugar da criatividade, do risco...?

Texto bíblicoJo 21,15-19

Na oração:  Só o “olhar amoroso” de Deus, que nunca desiste de buscar-
                      nos para reconstruir-nos, conhece as lonjuras dos caminhos que temos de percorrer para que nossos olhos sejam abertos.
Só o coração de Deus conhece a hora e o lugar em que nossos corações, mesmo estando duros e desesperançados, podem ser enternecidos e entusi-asmados de novo.
Sejam quais forem os motivos que nos levaram ao afastamento do Senhor, Ele vem ao nosso encontro percorrendo exatamente os mesmos caminhos que percorremos para nos afastarmos d’Ele.

Fazer “memória” dos momentos mais difíceis do nosso caminho onde Deus se revelou presente, reconstruindo a nossa história e dando sentido à nossa vida.

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Dia do Sagrado Coração de Jesus: Papa fala do amor de Deus
Francisco destacou que para receber o amor de Deus é preciso ter pequenez de coração

Francisco destaca que o amor de Deus é como o amor de um pai por seu filho Para comunicar o seu afetuoso amor de Pai ao homem, Deus precisa que este se faça pequeno. Esse foi o pensamento proposto pelo Papa Francisco.
O Santo Padre concentrou a homilia no coração de Jesus, destacando que não há sombras no modo como Deus entende o Seu amor para com Suas criaturas. Segundo Francisco, o Senhor dá a graça, a alegria de celebrar, no coração do Seu Filho, as grandes obras do Seu amor. Pode-se dizer que hoje é a festa do amor de Deus em Jesus, do amor d’Ele pelo ser humano.
“Há dois traços do amor. Primeiro: o amor está mais em dar que em receber. Segundo: o amor está mais nas obras que nas palavras. Quando dizemos que está mais ‘em dar que em receber’, é que o amor se comunica e é recebido pelo amado. E quando dizemos que está mais ‘nas obras que nas palavras’, o amor sempre dá vida, faz crescer”.
Para entender o amor de Deus, o Pontífice explicou que é preciso buscar uma dimensão inversamente proporcional à imensidão, ou seja, buscar a pequenez de coração. Ele deu dois exemplos: Moisés, eleito por Deus, porque era o menor de todos os povos; e Jesus, que no Evangelho louva o Pai por ter revelado as coisas divinas aos pequenos.
Logo, observou Francisco, essa relação que Deus busca com o homem é como aquela de um pai para com o filho, que o acaricia. É a ternura de Deus que dá a força. Se o homem se sentir forte, não terá a experiência da carícia do Senhor.
“’Não temas, eu estou contigo, eu te pego pela mão.” São todas palavras do Senhor que nos fazem entender esse misterioso amor que Ele tem para conosco. E quando Jesus fala de si mesmo, diz: ‘Eu sou manso e humilde de coração’. Também Ele, o Filho de Deus, se abaixa para receber o amor do Pai”.
Outro sinal particular do amor de Deus é que Ele está sempre precedendo o homem, espera-o sempre. O Santo Padre concluiu a homilia pedindo a graça de entrar neste modo misterioso, de poder se surpreender e ter paz com este amor que se comunica, dá alegria e leva pelo caminho da vida como se faz com uma criança: pela mão.

“Quando nós chegamos, Ele já está lá. Quando nós O procuramos, Ele nos procurou primeiro. Ele está sempre diante de nós, espera-nos para nos receber no Seu coração, no Seu amor. E essas duas coisas podem nos ajudar a entender esse mistério do amor de Deus conosco. Para exprimir-se, precisa da nossa pequenez, do nosso abaixar-se. E também precisa do nosso estupor quando o procuramos e o encontramos ali, esperando-nos”.

quinta-feira, 26 de junho de 2014

RETIRO ESPIRITUAL

Com alegria tirareis água
    das  fontes da salvação. "
                                  (Isaias 12, 3)
                          
O Coração de Jesus uma fonte
VOZ 1 - Este Coração divino è uma fonte inexaurível, da qual jorram ininterruptamente três rios: o primeiro é aquele da misericórdia pelos pecados levando a eles o espírito de penitência e de perdão. O segundo é o da caridade que jorra trazendo ajuda a todos os que se encontram em alguma necessidade, especialmente, àqueles que fazem um caminho de santidade: esses encontrarão a força para superar os obstáculos. O terceiro é aquele do amor e da luz para os amigos perfeitos que Ele deseja unir a si mesmo, comunicando a eles a sua sabedoria e os seus desejos, porque por um caminho ou por outro, se consagram totalmente à sua glória. Este Coração divino é um abismo de bondade, onde os pobres depositam suas necessidades; é um abismo de alegria, onde depositamos todas as nossas tristezas; é um abismo de humilhação para o nosso orgulho; um abismo de misericórdia para os infelizes; é um abismo de amor, onde devemos deixar todas as nossas misérias (Santa Margarina Maria de Alacoque - cfr Carta 2,33).

Carisma de Madre Clélia
VOZ 2 - O carisma de Madre Clélia tem sua origem no próprio Coração da Igreja que é o Coração de Cristo, transpassado pela lança, na Cruz, pela redenção do mundo, sinal de morte e de ressurreição, vivo e presente entre nós, no Sacramento da Eucaristia (Carisma e Missão, n 2).

 VOZ 3 - E’ para este Coração, sinal de amor e de redenção, fonte de salvação, que se dirige o olhar do homem, da mulher, de todo tempo e cultura, para atingir a fé que ilumina, a esperança que salva, a caridade que reúne as pessoas em uma só família e faz do Coração de Cristo, o coração do mundo.  (Carisma e Missão, n 4).

Reflexão com Papa Bento XVI
O lado traspassado do Redentor é a fonte para a qual nos envia a Encíclica Haurietis aquas:devemos haurir desta fonte para alcançar o conhecimento verdadeiro de Jesus Cristo e experimentar mais profundamente o seu amor. Poderíamos assim compreender melhor o que significa conhecerem Jesus Cristo o amor de Deus, experimentá-lo mantendo o olhar fixo n'Ele, até vivercompletamente do seu amor, para depois  poder testemunhá-lo aos outros. De fato, para retomar uma expressão do meu venerado Predecessor João Paulo II, "Junto ao Coração de Cristo, o coração humano aprende a conhecer o sentido verdadeiro e único da vida e do próprio destino, a compreender o valor de uma vida autenticamente cristã, a prevenir-se de certas perversões do coração, a unir o amor filial a Deus com o amor ao próximo. Assim é a verdadeira reparação exigida pelo Coração do Salvador sobre as ruínas acumuladas pelo ódio e pela violência, poderá ser edificada a civilização do Coração de Cristo".

Quem aceita o amor de Deus interiormente, é por ele plasmado. O amor de Deus experimentado é vivido pelo homem como um "chamado" ao qual ele deve responder. O olhar dirigido ao Senhor, que "tomou as nossas enfermidades e carregou as nossas dores" (Mt 8, 17), ajuda-nos a tornar-nos mais atentos ao sofrimento e às necessidades dos outros. A contemplação adorante do lado transpassado pela lança torna-nos sensíveis à vontade salvífica de Deus. Torna-nos capazes de nos confiarmos ao seu amor salvífico e misericordioso e ao mesmo tempo fortalece-nos no desejo de participar na sua obra de salvação tornando-nos seus instrumentos. Os dons recebidos do lado aberto, do qual saíram "sangue e água" (cf. Jo 19, 34), fazem com que a nossa vida seja também para os outros fonte da qual promanam "rios de água viva" (Jo 7, 38) (cf. Enc. Deus caritas est, 7). A experiência do amor haurida do culto do lado traspassado do Redentor protege-nos do perigo do fechamento em nós mesmos e torna-nos mais disponíveis para os outros. Nisto conhecemos o amor: Ele deu a sua vida por nós, portanto também nós devemos dar a vida pelos irmãos (1 Jo 3, 16) (cf. Enc Haurietis aquas, 38). (cfr  por ocasião do 50° aniversário da Encíclica Haurietis Aquas - 15 de maio de 2006).

Sugestões para Oração


Ø      Lineamenta – Apresentação do tema: “Com alegria tirareis água das fontes da salvação”  – página 6

Ø      Jo 19, 31-37 – O Coração transpassado é fonte de redenção


Ø      Jo 4, 1-42 – A Samaritana        - A proposta de Jesus a Samaritana suscita o desejo de beber “desta água” É o momento em que Jesus a remete para a sua situação de vida, que necessita de mudança, de transformação, de um sentido novo.

Ø       Lc 3, 21-22 – A experiência de ser Filho amado   - Acompanhe Jesus no Jordão. Permaneça com Jesus ao entrar na água do rio Jordão, deixando-se batizar. Com Jesus, mergulhe neste mistério do batismo, no qual o amor da Trindade  se revela e age.

Ø        Jo 15,1-11 – Permanecei no meu amor    - Visualize ou imagine uma videira que represente sua vida. À luz da fé, contemple, com carinho, a qualidade se sua “videira”. Veja se há ramos cortados, secos, brotos novos, ramos que necessita de cuidado especial, ramos murchos, etc. Perceba o quanto você permite que Deus tome conta de sua “videira”, faça a poda e trabalhe nela. Sem Jesus Cristo, sua vida permanece desligada do “tronco da videira”, que fornece espírito e vida.                                              




terça-feira, 17 de junho de 2014

SOMOS CORPO DE UM DEUS QUE SE ENCARNA


“Eu sou o pão vivo descido do céu” (Jo 6,51)

O cristianismo foi muitas vezes compreendido como uma religião do espírito contra a carne, uma religião do desprezo do corpo e inimiga de tudo o que se refere à dimensão corporal. Se isso é verdade, vai total-mentecontra à primeira inspiração de Jesus e da Igreja, que proclamaram e continuam proclamando uma religião do “corpo”, ou seja, do Deus Encarnado na história (na carne) dos homens e mulheres.
É isso que nos revela a festa de “Corpus Christi”, a última das grandes festas do ano litúrgico. É a festa que recolhe todas as festas cristãs e as condensa na “carne” do Corpo de Jesus, com sua riqueza de sentidos e significados.
Esta é a festa do Corpo Histórico e Humano de Jesus, corpo prazeroso e sofredor, amado por muitos e muitas, rejeitado, crucificado, morto e ressuscitado. Esta é também a festa do grande Corpo de Cristo que é a Humanidade inteira. Corpo real de Cristo sãoespecialmente todos os que sofrem com Ele no mundo, os enfermos e famintos, os rejeitados e encarcerados, os pobres e excluídos... Eles são a humanidade ferida no corpo do Filho de Deus.
Corpo de Cristo é o mundo inteiro, criado por Deus para que nele se encarne e habite seu Filho.
Assim Jesus, na Ceia, ao tomar o pão e o vinho em suas mãos, abraça os bilhões de anos de evolução e chama-os de seu corpo e de seu sangue.Cada cristão que celebra entra em comunhão com todas as energias da Criação. Suga essa força gigantesca condensada na pequenez da história e nas gotas do vinho.
Corpo de Cristo que continua sendo o Pão, fruto da terra e do trabalho dos homens e mulheres, todo pão que alimenta e é compartilhado, em fraternidade, a serviço dos que tem fome.

Jesus, na sua vida oculta e pública, não anuncia uma verdade abstrata, separada da vida, uma lei puramente social, um princípio religioso... Ao contrário, Jesus é corpo, isto é, vida expansiva, sentida, compartilhada.
Os Evangelhos nos situam Jesus no nível da corporalidade próxima: é Ele que sabe olhar, tocar, sustentar, acariciar... A Luz que nutre sua Encarnação nos permite ver com maior profundidade nossa humanidade, no espelho da corporalidade d’Ele. Essa é a luz que explora nossos rincões mais íntimos para deixar aflorar nossa verdadeira identidade, carregada de corpo. Deixando-nos contemplar, descobriremos Sua presença e Sua provocação em cada uma de nossas células. Corpo “cristificado”.
Jesus se revela, assim, como autoridade de amor, porque ofereceu seu “corpo”, isto é, sua vida, para que outros pudessem viver.Na multiplicação dos pães, nas refeições com pecadores e sobretudo na Última Ceia, Ele oferece aquilo que não pode ser comprado nem vendido: o pão do próprio corpo carregado de humanidade, o vinho de sua vida portador das energias alegres e criativas.
Comungar o pão e o vinho não é só aderir a Jesus, à sua pessoa e à sua mensagem; não é só experimentar sua intimidade, deixando-se transformar por Ele. Implica estar dispostos a comungar com todos,porque Jesus nunca vem só: “traz” com ele toda a realidade. “Não nos devemos envergonhar, não devemos termedo, não devemos sentir repugnância de tocar a carne de Cristo” (papa Francisco).

“Tocar a carne de Cristo” implica tocar e acolher a própria “carne”ou seja,o corpo como lugar onde Deus faz sua morada.
Cresce cada vez mais a consciência de quenão “temos um corpo” que nos aprisiona, mas que somos a corporeidade, esse sistema complexo de matéria e energia, fonte de sensações, de expansão, de prazer...
O corpo é a primeira condição de possibilidade de nosso “ser no mundo”, único modo disponível para relacionar-nos com a natureza, com os outros e com o que nos transcende. Único modo de ser, em definitiva, e de sermos humanos.
Somos corpo que vibra e pulsa, que necessita do abraço e do olhar de outros corpos, do calor de outras peles. E ali encontramos Deus, pois Ele quis fazer-se corpo e sangue, para acariciar com nossos braços, para olhar comos nossos olhos, para respirar com os nossos pulmões, para amar com nossos corações,  para fazer ardentes nossas entranhas compassivas... Aqui, nas transformações do corpo, Ele se faz presente. Assim vamos buscando compreender o que é a Encarnação.

Quando viemos ao mundo, a primeira coisa que experimentamos é que alguém estendeu suas mãos para receber este “corpo único e precioso” que nos acompanhará toda nossa vida. Alguém nos tocou ao começar a existência e também seremos tocados pela última vez algum dia.
Recebemos um corpo para permanecer nele enquanto dure nossa viagem e para estabelecer com ele “contatos humanizadores”, transmitir com nossa pele, e com todos os nossos sentidos, o afeto, o calor e a presença que precisamos para expandir esta ânsia de amor que nos habita.

Madeleine Delbrêl afirma:“Teríamos que estar diante de nosso corpo como o lavrador diante de seu terreno: saber o quanto vale nosso corpo, amá-lo...”E só podemos experimentar algo assim quando não nossentimos proprietários dele, nem procuramos retê-lo ou apropriar-nos dele, mas quando, com as mãos estendidas, o acolhemos como o maior presente, o dom mais valioso que podemos receber.
Quando nosso corpo se sabe e se sene amado, podemos colocá-lo ao serviço da vida de outras pessoas e torná-lo capaz de comungar com outros corpos.
“O corpo não é somente aquilo que o ser humano tem diante de si, senão que é sobretudo aquilo que é o mesmo na multiplicidade de suas relações históricas...” (L. Duch). Dele depende comovamos nos situando e só quando o habitamos realmente podemos percorrer uma “viagem curativa”. Somos o único ser da criação que possui a “capacidade de habitar”, o dom de estabelecer em espaços e tempos vínculos de comunhão e de comunicação. Graças a este corpo que somos, a este “continente” que nos contém, podemos vincular-nos e estabelecer conexões. Nossas maneiras de relacionar-nos estão configuradas por ele porque não há experiência de amor, e por isso não há experiência de Deus e dos outros, que não ocorra em nosso corpo.

Texto bíblico:Jo 6,51-58

Na oração:Sinta todo o seu corpo como um templo.
                     E neste templo acolha o Sopro.
Procure saboreá-lo internamente. E deixe atuar em você
a força da inspiração e da expiração para que todo o seu corpo seja iluminado e plenificado. Deixe vir a Luz e que ela penetre nas partes mais dolorosas do seu ser. Sinta que você é um corpo de argila e também um corpo de diamante.Simplesmente respire na presença d’Aquele que É.



sexta-feira, 13 de junho de 2014

Homilia Dominical - 15 de junho de 2014

TRINDADE E MUNDO, DIFERENÇAS QUE SE AMAM


“Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito...” (Jo 3,16)

A afirmação acima recolhe o núcleo essencial da fé cristã. Este amor de Deus é a origem e o fundamento de nossa esperança. “Deus ama o mundo”, e o ama tal como é, finito e vulnerável, cheio de conflitos e contradições, capaz do melhor e do pior, espaço do des-velamento ou do ocultamento do rosto divino...
No centro da fé cristã está a verdade de que, em Jesus Cristo, Deus se humanizou para redimir o mundo.  Aqui está uma declaração mais radical: “O Verbo se fez mundo”.O Deus três vezes Santo se uniu ao nosso mundo frágil e limitado, para salvar.
Nossa realidade de mundo, de história, de cosmos, tocada pela divindade, ficou transparente, sacramental.
Vendo este mundo, detectamos Deus dentro dele. É através do mundo, no mundo e com o mundo que captamos a presença providente e cuidadora de Deus.
Em vez de ser uma barreira que nos distancia do divino, este mundotorna-se um sacramento que pode revelar a presença divina. No lugar do desprezo espiritual pelo mundo, nós nos aliamos ao Deus vivo, amando, como Ele, todo o mundo natural e toda a humanidade. O mundo é a visível Beleza de Deus, nem mais nem menos. “Fora do mundo não há salvação”.Se tudo é expressão do Amor criador, nada permanece fora de sua presença, e se torna possível descobri-Lo em tudo e em todos.

O verdadeiro seguidor de Jesus não é aquele(a) que se distancia do mundo, que fala uma língua enigmática, que cultiva práticas piegas, que se reveste de feições sóbrias e sombrias, avesso, quase sempre, a tudo aquilo que constitui a normalidade das pessoas. Mas é aquele(a) que corporifica tudo aquilo que constitui essencialmente a nossa humanidade: pobres e mortais, somos ricos e eternos.
O cristão será símbolo e mensageiro do Inefável se for destemundo epara este mundo.
Exatamente esta é a Boa-Nova e a alma do cristianismo:“que a Deus nós vamos não nos êxtases que nos arrancam do mundo e nos distanciam das pessoas, mas na radical paixão que nos faz descer ao coração de todos as coisas, decifrando, no emaranhado de nossos caminhos, os traçosde sua velada presença, num eterno tatear de experiência em experiência.Pois Deus e o mundo não são adversários, mas “diferenças que se amam”.

A festa da Trindade quer expressar o mistério do Amor-Vida de Deus que se comunica a nós. “Deus é UM, mas não está jamais só”. Deus não é um ser isolado, distante da Criação, solitário. É um Deuscomunhão, família, sociedade, fraternidade, etc... Por isso, o cume de toda a revelação bíblica é esta: “Deus é Amor”, ou seja, Deus não é uma realidade fria e impessoal, um ser triste, solitário e narcisista. E o Amor nunca é solidão, isolamento, mas comunhão, proximidade, diálogo, aliança...
O Deus revelado por Jesus é Amor e aproximar-nos do Deus Amor é descobrir a Trindade.
Se Deus deixasse de amar um só instante, deixaria de ser Deus. O movimento que parte do Pai, passa pelo Filho e se consuma no Espírito é um movimento de Amor sem fim.
Não podemos imaginá-Lo como poder impetrável, fechado em si mesmo. Em seu ser mais íntimo, Deus é vida compartilhada, diálogo, entrega mútua, abraço, comunhão de pessoas. O amor trinitário de Deus é amor que se expande e se faz presente em todas as criaturas.

O relato da Criação nos faz ser conscientes da atitude da Trindade na sua relação com o cosmos.
As Três Pessoas divinas abarcam e abraçam toda a Criação, com sua multiplicidade de cores, formas, tamanhos e atividades... Elas habitam nas alegrias e dores de todos os seres criados, conduzindo tudo para a plenitude, ou seja, para o interior da própria Trindade.
Quando contemplamos esta imensidade do universo, esta evolução que inspira assombro e espanto, recordamos que a Trindade, fonte da existência, ama profundamente a sua Criação e a julga digna da Encarnação; que a Trindade divina se faz presente em cada ser humano, ativando nele dinamismos de expansão: amplia seus olhos para contemplar os horizontes e as estrelas, desata sua mente para pensar nas maravilhas da criação, alarga seu coração para amar e acolher todas as criaturas...

O dogma da Trindade, portanto, nos liberta do Deus Poder e nos lança nos braços do Deus Amor.
Somente na medida em que formos capazes de amor, poderemos sentir a presença inspiradora da Trinda-de, mistério de comunhão. Viver a experiência do Deus Trino é com-viver, éentrar no fluxo da comu-nhão trinitária, que se expande na comunhão com os outros e com as criaturas.
Nossa vida deveria ser um espelho que em todo momento deixa refletir o mistério da Trindade.

Fomos feitos pelas mãos criativas da Trindade e como a Trindade é a perfeita comunhão e comunicação, também nós deveríamos deixar transparecer o que é trinitário em nós: fomos feitos para o encontro, a relação, a comunhão, a comunicação mútua, o espírito comunitário...Por isso, “só corações solidários adoram um Deus Trinitário”.

A história da vida de cada um de nós pode ser vista como uma experiência do amor da Trindade que vem ao nosso encontro através da vida de Jesus.É precisamente este o sentido particular da relação pessoal de Jesus com o Pai e o Espírito, com os demais seres humanos e com a Criação inteira, que nos permite des-cobrir o significado espiritual da dimensão da “relação”.
Em Jesus Cristo, nós nos fazemos conscientes da conexão que há entre todos os seres humanos e destes com todas as demais criaturas e com o Criador. Ele não só tornou próximo um Deus cujo próprio ser é relacional (cerne da doutrina cristã da Trindade), mas revelou que o caminho para a plenitude e a transformação consiste numa correta e justa relação e conexão entre todos os seres.
Neste sentido, celebrar a festa da Trindade é refazer o caminho da volta, como filhos pródigos, rumo à “comunidade universal de vida”, e irmanar-nos com todas as criaturas.
É urgente restaurar a re-ligação com o Todo e com todos.

Texto bíblico:Jo 3,16-18

Na oração:Contemplação para deixar-me alcançar pelo
amor da Trindade
Como preparação para esta oração, recordo os muitos lugares e situações em que experimentei o amor da Trindade.
- Recordo a atividade da Trindade ao iniciar o amplo pro-cesso evolutivo, que deu lugar a todo o universo, com todos os seres que há nele, assim como eu mesmo.
- Contemplo como a Trindade habita em todas as criaturas: nos céus, nos elementos, nas plantas, nos frutos e animais, nos seres humanos, em mim. Ela dá existência, protege, faz crescer e sentir.
- Reflito sobre minha experiência da presença da Trindade nas ocasiões e pessoas especiais de minha vida; considero com grande sentimento o muito que a Trindade tem feito por mim: o quanto me deu e o quanto deseja dar-se a si mesma a mim.
- Pondero como a Trindade, atua e trabalha para, por e em mim, ou seja, trabalha para continuar seu ato criativo. Considero que todas as bênçãos e dons que há em mim e na criação são uma expressão do amor da Trindade.
- Por fim, considero como a Trindade se derrama sobre nós como os raios de luz que descem do sol e como a água que mana da fonte.
- Deixo que me invada um sentimento de reverência pela imensidade e transcendência da evolução cósmica e pelo Amor da Trindade à comunidade planetária.




sábado, 7 de junho de 2014

Pentecostes

O Espírito Santo é o bom humor de Deus” (D. Pedro Casaldáliga)

O relato da aparição do Ressuscitado aparece unido ao dom da paz, da missão, do Espírito e do perdão. João, que não relata o episódio de Pentecostes, já havia situado o dom do Espírito no momento mesmo da morte de Jesus que, “inclinando a cabeça, entregou o espírito”. O que agora faz é confirmá-lo como dom do Ressuscitado.

A imagem de “soprar sobre eles” contém uma riqueza profunda: significa compartilhar o que é mais “vital” de uma pessoa, sua própria “respiração”, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo; trata-se de uma imagem que nos faz sentir a respiração comum que compartilhamos com Ele e com todos os seres.

As angústias mais radicais do ser humano são reunidas e transformadas pelo sopro do Espírito: um sopro vital que possibilita a vitória da esperança contra o desespero, da comunhão contra a solidão, da vida contra a morte. A voz sopra onde quer, a Palavra vem do alto, o Espírito chega impetuoso rompendo o silêncio da morte. O Vento traz a vida, mas não se sabe de onde vem e nem para onde vai.

De fato, “Espírito” parece ser um dos nomes mais adequados para referir-se a Deus, enquanto Dinamismo de Vida e de Amor que faz com que tudo exista. Desde o começo do tempo e desde antes, está acostumado a abrigar sua criação e habitá-la, a fecundar, remover e renovar tudo quanto existe.Segundo o livro do Gênesis, no início da Criação a multiplicidade dos elementos – “águas” – representava o caos. Ali o Espírito “pairava”, criando uma integração harmoniosa – “cosmos”. Ele é também Ela e todos os gêneros: é feminino em hebraico (ruah), neutro em grego (pneuma) e masculino em latim (spiritus).

O Espírito é dinamismo, vida, relação, comunhão divina. É alento, vento, água. É unguento, é consolo, é companhia. Espírito é invenção, é fonte de criatividade, de autêntica novidade. É fonte de novas possibilidades no mundo, energia inaugural de novas auroras. É a energia materna de Deus que aquece o coração da Criação, e que tudo sustenta.

Na bíblia hebraica, o Espírito apresenta forma feminina: é “a Ruah”, a brisa, o “esvoaçar” de Deus sobre as águas, sopro impetuoso que gera vida, ar que impulsiona, alento ou respiração que mantém a vitalidade dinâmica do ser humano. Hálito, sopro, vento, respiração, força, calor... com nome feminino que fala de maternidade e de ternura, de vitalidade e carícia.

Há um antigo ícone medieval, uma pintura muito interessante que se encontra em uma Igreja de Urschalling, na Alemanha, que representa a Trindade, onde o Espírito, entre as figuras masculinas do Pai e do Filho, é representado com um rosto e um corpo de mulher. A Ruah, em hebraico, é sopro que possibilita a existência, o solo de tudo o que vive, é um termo feminino: “a Espírito”.

Nos relatos da Criação, a Ruah de Deus gera harmonia no caos, dando a cada criatura seu lugar, o espaço que precisa para desenvolver suas possibilidade. Nessa relação adequada, cada erva, cada montanha, cada ser que vive, tem seu lugar e seu sentido.

Hoje somos conscientes e podemos agradecer essa presença da Ruah como presença feminima naquelas e naqueles que se empenham pela paz e pela justiça, em sua cumplicidade com os ciclos que favorecem a vida, na contribuição do ecofeminismo para a integridade da Criação.

Desatar a dimensão feminina que mulheres e homens trazemos dentro de nós é sinal do movimento da Ruah. Acolher em nós seu potencial de ternura, de cuidado e de resistência frente a todas aquelas situações e forças que desintegram a vida; fazer da colaboração, da interdependência, do diálogo e da abertura às diferentes culturas e às diferentes tradições espirituais maneiras novas e necessárias de situar-nos no mundo.

O ser humano vive tencionado entre dois pólos, entre luz e escuridão, entre céu e terra, entre fragmentação e unidade, entre espírito e instinto, entre solidão e vida comum, entre medo e desejo, entre amor e ódio, razão e sentimento... Essa é a terra propícia onde atua o Espírito. Onde há mais carência, vulnerabilidade, pobreza... há mais criativas possibilidades. Nenhuma situação pode afastar-nos de Sua visita; pelo contrário, maior desamparo, maior proximidade; maior sofrimento, maior unção.

Toda terra baldia é boa para o Espírito. Ele é o buscador incansável de fragilidades e de conflitos. No não-amor, na não-existência, na não-possibilidade, vem com um “sim” ousado e forte que re-cria de novo nossa história, estabelecendo o “cosmos” (harmonia e beleza) em nosso “caos” existencial.

 Viver uma “vida segundo o Espírito”  é deixar-nos recriar, deixar-nos mover, transformar, alargar.

Soltar as asas nos momentos mais petrificados e pesados de nossa vida é sinal de sua silenciosa Presença. De imediato, nos sentimos livres do peso que fomos arrastando durante tanto tempo e, por uns instantes, nos atreveremos a “viver no Vento”.



Eduardo Galeano tem uma bonita história sobre o vôo do Albatroz que poderia ser uma parábola sobre a vida conduzida pelo Espírito:
“Vive no vento. Voa sempre, voando dorme. O vento não o cansa nem o desgasta. Aos sessenta anos, continua dando voltas e mais voltas ao redor do mundo.
O vento lhe anuncia de onde virá a tempestade e lhe diz onde está a costa. Ele nunca se perde, nem esquece o lugar onde nasceu; mas a terra não lhe pertence, tampouco o mar. Suas patas curtas mal conseguem caminhar, e flutuando se enfastia.
Quando o vento o abandona, espera. Às vezes o vento demora, mas sempre volta: busca-o, chama-o, e o conduz. E ele se deixa conduzir, se deixa voar, com suas asas enormes planando no ar”..

Falar do Espírito e celebrar Pentecostes é, portanto, celebrar a festa, a vida. Ele é o Sopro último, o Dinamismo vital que pulsa em todas as expressões de vida que podemos ver e que nelas se manifesta. Não há nada onde não possamos percebê-lo, nada que não nos fale d’Ele. Ele é o “ambiente de realização do ser humano”, porque n’Ele a vida adquire profundidade, consistência..., dando-nos firmeza à vontade, equilíbrio aos sentimentos e iluminação à mente.

Não é estranho que, com o Espírito, Jesus envia seus discípulos em missão: é o mesmo Espírito – seu sopro – aquele que quer manifestar-se em nós e quer que nos deixemos conduzir por Ele, como aconteceu com Jesus.

Textos bíblicos:  Atos 2,1-11   Jo. 20,19-23

Creia no Espírito Santo, pois “sem o Espírito Santo, Deus está distante, Cristo permanece no passado, o Evangelho é letra morta, a Igreja é uma simples organização, a autoridade é tirania, a missão é propaganda, a liturgia é arcaismo, e a vida cristã é uma moral de escravos.
Mas no Espírito, e numa sinergia indissociável, o cosmos é enobrecido pela iluminação do Reino, o ser humano luta contra o egoísmo, o Cristo ressuscitado se faz presente, o Evangelho é uma força vivifica-dora, a Igreja realiza a comunhão trinitária, a autoridade se transforma em serviço, a liturgia é memori-al e antecipação, e a ação humana é divinizante”. (Patriarca Ignacio de Antioquia, em Upsala, 1968).
Em nome do Pai, do Filho e da Santa Ruah. Amém.

Pe. Adroaldo Palaoro sj
Coordenador do Centro de Espiritualidade Inaciana 
22.05.2012

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