Na
morte seremos “aspirados” para dentro de Deus
“Viver sem morrer é viver menos, é
impedir o pleno ser,
é partir sem nunca chegar, é jamais
poder ressuscitar, é aceitar viver em vão.
Por isso, cedo quiseste voar,
buscando a libertação” (L. Boff)
No Dia
de Finados dedicamos a fazer memória daqueles(as) que são parte radical de
nossa vida: deles(as) nascemos, por eles(as) somos. Recordamos, na oração e no
afeto, aquelas pessoas que amamos e que fizeram a “travessia” para a “Vida
maior”, a vida que não terá fim.
Ao mesmo tempo, este dia será ocasião para
aprofundar o sentido de nossa
existência. De fato, a morte não
fala dela mesma, mas da vida.
Para muitos, a morte é a que dá profundidade à vida humana, que permite saborear
cada instante em sua fragilidade e em sua beleza. Para outros, a morte é a que
tira o sentido de tudo o que fazemos. Na visão cristã, a morte não é o fim de
tudo; ela é o despertar da “vida eterna”. É a experiência de ressurreição.
Quando alguém sabe “para quê e para quem vive”,
realizando sua original missão, pode morrer em paz. Os que vivem intensamente
enfrentam com grande serenidade seu envelhecimento e a proximidade da morte,
vendo nela mais uma etapa no processo normal de seu amadurecimento e de sua
realização.
É o modo como alguém vive que
qualifica a morte. Há mortes que, para além da inevitável dor que causam aos
familiares e amigos, provocam paz, agradecimento, vontade de viver seriamente,
de se levantar da superficialidade e da mediocridade.
É duro situar-se diante da morte das pessoas queridas. Corta fundo o coração uma esperança
ferida. Diante da morte de quem amamos, reduzimo-nos ao silêncio; quanto mais
intenso o amor, mais sofrida é a dor de um adeus. Quantas pessoas “partem no
horário nobre da vida”: quantos projetos sem realizar, quantos sonhos
despedaçados!...Parece que morre também uma parte de nós.
Quando alguém parte, um pouco dele permanece
conosco, e um pouco de nós vai com ele.
Um tímido protesto contra Deus brota do fundo
do coração: “Onde está Deus?”
É na escuridão da dor e da morte
que a Fé se manifesta e nos revela que fomos feitos por mãos celestiais; confessamos que a Vida é mais, é maior e que
é eterna.
Somos chamados à vida, criados para
a liberdade, para a bondade, para a amplidão dos céus.
Confessamos que a vida vem de Deus e volta para Ele.“O amor é Deus, e a morte significa que uma gota
desse amor deve retornar à sua fonte” (Tolstói). E a
nossa última morada não é sob a lápide fria de um túmulo, mas no coração do
mistério de um infinito Amor.
Aos olhos do Criador, tudo tem sentido. Até o “sem sentido” (morte) revela o Deus
presente, solidário...
Em cada pessoa que morre, morre
um “pouco” de Deus. Deus “morre com”, para “ressuscitar
com” e manifestar a força de seu Amor e Vida.
Deus não está distante da dor, do
fracasso, da morte... Ele se faz presente, caminha conosco e sofre nossa fragilidade. Nesse sentido, a Ressurreição é possível porque Deus se
mistura com a morte, e faz emergir daí a Vida
eterna. Em Deus morremos, em Deus
vivemos.
Na vida e na morte somos de Deus. Quando
Ele tecia nossos órgãos complexos, nosso
cérebro, nosso coração, nossos sentidos, nosso corpo... no ventre de nossa mãe, foi deixando sinais digitais de
sua mão criadora e “pegadas” de seu amor.
E se são pegadas de amor, como poderiam
terminar na tumba? Deus não nos criou para a morte mas para o amor que vence a
morte, para a festa de amor sem fim.
O Deus Pai e Mãe nos formou e nos
sustenta em cada batida do coração; nossa respiração, nosso hálito de vida,
sempre se move e se renova dentro da imensa “respiração” do Espírito. E o mesmo
Deus que um dia nos teceu nas entranhas com ternura, com essa mesma mão
poderosa de amor nos conduzirá de retorno à mesma fonte de ternura: seu coração
vulcânico de vida, para que desfrutemos ali da festa do amor sem fim,
juntamente com todos os nossos entes queridos que fizeram a travessia antes.
Nosso Hoje, então, se vestirá de Sempre.
Nele Somos... e Nele seremos... para sempre!!!
Somos todos peregrinos e vivemos
contínuas “travessias provisórias” até fazermos a grande travessia para
Deus. Quando nascemos recebemos o sopro do
Criador; quando morremos somos “aspirados” para dentro de Deus.
Nosso destino é o Coração de Deus: “D’Ele viemos e para Ele
retornamos”. Por isso somos eternos:
já vivemos a eternidade nesta vida. Descobrimos no coração de nossa
vida mortal a eternidade que vive em nós.
O que é real em nós é a vida
eterna, a dimensão de eternidade que está no cerne desta vida.
A vida eterna não é somente a
vida depois da morte. A ressurreição
não é uma experiência após a morte. E o que se chama de
vida eterna não é a vida depois da morte, mas é a vida antes, durante e depois
da morte. E que é eterna. Eterno é o que não está no tempo.
Segundo G. Rosa, “as pessoas não morrem, ficam encantadas”. Encantadas no coração de Deus e na nossa memória. Confessamos que sua passagem pela
vida a humanidade ficou um pouco mais enriquecida e engrandecida.
Neste
dia de Finados, fazer memória das pessoas que já fizeram a travessia é
despertar a reverência pela vida. A
vida é tanta surpresa, tanta novidade e riqueza que desperta o assombro e o
encantamento.
Fazer
memória daqueles que viveram intensamente (mesmo que por pouco tempo) nos
mobiliza e nos compromete a viver mais intensamente. E viver intensamente é viver aqui e agora de “modo eterno”.
A vida é dom que não pode ser
desperdiçado. Para quê viver? Tem sentido ? Quê marcas quero deixar?...
Alguém já afirmou que a morte é a realidade mais universal,
pois todos morrem, mas nem todos sabem viver. Por isso, viver é uma arte; é
necessário reinventar a vida no
dia-a-dia, carregá-la de sentido.
“A tragédia
não é quando um ser humano morre; a tragédia é aquilo que morre dentro da
pessoa enquanto ela ainda está viva” (Albert
Schweiter).
Quem
viveu intensamente deixa “marcas”; fazemos, então, memória
dessas marcas. “Aquilo que a memó-ria amou fica eterno” (Adélia Prado). A
memória é a presença da eternidade em nós. Tudo o que recor-damos
da pessoa que “já partiu” é semente de eternidade. Sua passagem entre nós não
foi em vão.
A vida é
feita de partidas e chegadas. De idas e vindas. De travessias.
Assim, o que para uns parece ser a partida, para outros é a chegada. Nesse
caminho em direção à plenitude, um dia, todos nós partiremos como seres
imortais que somos ao encontro d’Aquele que nos criou.
Texto bíblico: Jo 6,37-40
Na oração: recordar os grandes silêncios da vida nas
perdas
de
pessoas muito próximas, onde não há razões, não há uma lógica... mas no
silêncio profundo, algo novo come-ça a germinar...