O TEMPLO
É A VIDA
“Não façais da casa de meu Pai uma
casa de comércio!”
(Jo 2,16)
Os profetas de Israel costumavam recorrer a “gestos
proféticos” para expressar, de um modo visual e contundente, mensagens
que lhes pareciam decisivas.
Na mesma linha dos profetas de seu povo, Jesus
realiza também gestos repletos de simbolismo: suas refeições com os pecadores,
o lava-pés, a ação contra o Templo...
É disso que trata o Evangelho da festa de hoje
(Dedicação da Basílica do Latrão), ou seja, uma ação sim-bólica na qual se
pretende mostrar que o tempo do Templo terminou. A expressão “purificação do
Tem-plo” não é a mais adequada, porque não se trata de purificar o espaço que
se tinha convertido em centro comercial, mas de substituí-lo. Jesus prescindiu
do Templo para relacionar-se com o Pai.
A partir de seu projeto, que
chamava “Reinado de Deus”, foi questionando uma religião que desuma-nizava às
pessoas. Ele mesmo, durante sua vida, foi relativizando e esvaziando os pilares
da religião judaica: o sábado, a “pureza” legal, o Templo, o culto, os
sacrifícios, as doutrinas, os sacerdotes... E pouco a pouco foi colocando tudo
isso em questão, transgredindo suas normas e atacando a hipocrisia de um culto
a Deus que desprezava as pessoas.
O simbólico ataque final ao
Templo foi determinante para ser considerado um subversivo pelo sistema
político e um blasfemo pelo sistema religioso
Aquele Templo já não era a casa de um Deus Pai, pois não era espaço de
acolhida mas de exclusão.
Jesus se sentia como um estranho
naquele lugar. O que seus olhos viam nada tinha a ver com o verdadeiro culto ao
Pai. Deus não pode ser o protetor e encobridor de uma religião tecida de
interesses e egoísmos. Deus é um Pai a quem só se pode prestar culto
trabalhando por uma comunidade humana mais solidária e fraterna.
Nesse gesto ousado de Jesus, fica claro o que
Ele pretende: denunciar os “templos e as religiões” que se
absolutizam como lugares da presença divina, criando dicotomias ou dualismos
estranhos entre “o reli-gioso” e “o profano”. A novidade de Jesus consiste em
afirmar que existe só um caminho para encontrar a Deus e que não passa pelo
Templo. Na religião, o determinante está no “sagrado”; no projeto de Jesus, o centro de tudo está no “humano”, na dignidade e felicidade das
pessoas, na vida. Jesus não suprimiu o “sagrado”, mas o deslocou do religioso
ao humano. Para Ele o sagrado é o ser humano como pessoa, com os demais seres
humanos. Desse modo, supera-se definitivamente aquele dualismo e se reconhece a
vida como lugar da Presença. Os
templos não são fronteiras que dividem o sagrado e o profano; são espaços onde
vivemos a sacralidade de toda a vida. O verdadeiro “templo” é a vida, e vida destravada, aberta...
Ao “substituir” o Templo por seu
Corpo, Jesus nos convida a viver o encontro com Deus no centro de nossa pessoa
e da vida mesma. E Ele torna-se referência para nos ajudar a ver o que é uma
vida vivida desse modo: uma existência marcada pelo amor compassivo e pela
alegria de uma vida plena.
Ali é onde vamos encontrar Deus
com certeza; ali se enraíza o “segredo” do viver humano: no amor e na alegria
intensa. As pessoas não serão mais ou menos santas porque vão rezar no templo;
sua santidade
se fará presenta na vida cotidiana.
A superação do Templo significa a superação da religião. Não no sentido de que é
preciso deixá-la de lado (tanto a religião como o templo podem ser meios
valiosos para muitas pessoas), mas no sentido de não absolutizá-la. A
absolutização da religião provocou muita exclusão e sofrimento entre os
humanos.
As religiões se fazem indigestas e sumamente
perigosas quando pretendem apoderar-se do Absoluto.
Devemos fazer de nossas
comunidades cristãs um espaço onde todos possamos nos sentir na “casa do Pai”;
uma casa acolhedora e calorosa onde não se fecham as portas a ninguém, onde ninguém
se exclui nem se sente discriminado; uma casa onde aprendemos a escutar o
sofrimento dos filhos mais desvalidos de Deus e não só nosso próprio interesse;
uma casa onde podemos invocar a Deus como Pai porque nos sentimos seus(suas)
filhos(as) e buscamos viver como irmãos(ãs).
Com seu gesto Jesus põe abaixo todas as
barreiras existentes: religiosas, sociais, culturais, éticas... De maneira
especial, Ele acaba com o predomínio do poder
sagrado, que tanta divisão, submissão, margina-lização e sofrimento
causaram durante séculos aos seres humanos. Aqueles que acreditam em Jesus,
seguindo suas pegadas, não iniciam uma nova religião com caráter sagrado, senão
um novo
estilo de vida, assimilando os principais critérios do reinado de Deus,
que Ele nos deixou nos evangelhos.
Jesus tem consciência que o poder
sagrado divide, discrimina e subordina, enquanto que o serviço e a
solidariedade criam irmandade e igualdade.
Jesus
desencadeou um movimento que teve
inicio nas periferias da Galiléia. Ele não foi sacerdote do Templo, consagrado
a cuidar e promover uma religião; nem funcionário do Templo, nem ostentou cargo
algum relacionado com a religião, nem foi um mestre da Lei, fechado em seu
legalismo.
Jesus, como os profetas de
Israel, não formou parte da estrutura política nem do sistema religioso. Não
foi nomeado por nenhum poder. Sua autoridade não vinha da instituição, não se
baseava nas tradições religiosas. Provinha de sua experiência de Deus empenhado
em conduzir seus filhos e filhas pelos caminhos da justiça.
Jesus fugiu de todo poder e se preocupou especialmente das
pessoas marginalizadas. Não organizou nenhuma religião; pelo contrário, entrou
em conflito com a religião judaica e suas instituições (sinagoga, Templo de
Jerusalém, Lei). Cercou-se de pessoas, homens e mulheres, dispostas a continuar
seu caminho anunciando a mensagem do Reino de Deus. Proclamou as bem-aventuranças,
como projeto do reino de Deus. Denunciou as opressões e injustiças, tornando
realidade a salvação do Deus pai e Mãe, através de suas curas.
Jesus supera as antigas divisões (sacerdotes ou
laicos, judeus ou gentios, homens ou mulheres...) e a estru-tura social
dominante que geram exclusão e violência.. Não veio para sancionar os bons
costumes e vanta-gens dos justos, na linha do poder ou do conhecimento, senão
para romper esse esquema de valores e privilégios. Esta é a sua novidade
messiânica.
Ele Não nos impõe uma lei, não
exige que cumpramos simplesmente alguns preceitos religiosos... Ao contrário,
quer que todos vivamos e possamos desenvolver em plenitude nossas
potencialidades.
Jesus não veio para sancionar uma ordem existente,
deixando cada um com sua exclusão, senão para oferecer a todos um caminho de humanização.
Por isso tornou-se um transgressor:
rompe as fronteiras que foram traçadas pelos poderosos, abrindo um caminho de
humanidade a partir de baixo, do lado dos excluídos e dos últimos...
Um transgressor consequente, a
serviço da vida e dos últimos; isso foi Jesus. Assim devem viver seus
seguidores.
Na
oração: Muitas
pessoas pensam que é somente no templo (capela, lugar santo e
cerimônias sagradas) onde
é possível fazer uma experiência de encontro
com Deus. Se o Deus que é experimentado no templo não coincide com o Deus que
move nossa vida na rua, na convivência com os outros, no compromisso com os
últimos,... então o templo e seu suposto
“deus” não tem nada a ver com o Deus de Jesus, e a prática religiosa é vazia.
-
O decisivo é o “templo interior”, com portas abertas a todas as pessoas que
queiram se aproximar e entrar.
- Somos também o “novo templo”, morada
do Espírito, presença que alarga nosso interior para que todos pos-
sam ali ter acesso. Quem são os “frequentadores”
do nosso “templo interior”?