RAMOS: “o conflito
com o poder até sua raiz última”
“Quando Jesus entrou em Jerusalém, a cidade
inteira ficou alvoroçada, e diziam: ‘Quem é este?’”
A Paixão de Jesus teve causas
históricas concretas e foi o desenlace final de uma vida que entrou em conflito
com o sistema religioso-político estabelecido na sociedade daquele tempo.
Sua vida e sua mensagem revelaram
uma novidade de tal magnitude que rompeu com as estruturas que atentavam
contra a vida. De fato, Jesus apostou na vida de todos os seres humanos
e por isso não se deixou subornar por nenhum poder destruidor de vidas.
O
conflito de Jesus foi o conflito com o poder, mas o poder levado até sua
raiz última.
Por
isso, Jesus compreendeu que, para mudar o comportamento dos dirigentes da
cidade de Jerusalém, a primeira coisa a fazer era desmontar o “ídolo” que
legitimava o poder autoritário daqueles que oprimiam o povo indefeso. Jesus
desmontou o “seu deus” e atirou por terra “seus podres poderes”.
Foi
exatamente isso que provocou o enfrentamento, que desembocou na sua morte.
Este confronto com o poder
religioso e político ficou evidente na cena da “entrada de Jesus em Jerusa-lém”.
A subida a Jerusalém foi, sem dúvida, uma decisão
meditada, mas também profundamente radical.
A chegada de Jesus
com seus discípulos e discípulas à cidade santa, formando parte da comitiva dos
pere-grinos que vinham dos quatro cantos do mundo conhecido, para celebrar a
Páscoa, se converteu numa procissão festiva. O Mestre, evocando a profecia de
Zacarias, não entrou em Jerusalém como um rei, guerreiro triunfador, na
garupa de um possante cavalo, mas montado em um burrinho, entre sinais de
natureza e de concórdia (palmas, ramos, cantos de alegria e de paz), mostrando-se assim como o enviado humilde de um
Deus cujo poder é o amor.
Jesus,
que havia anunciado a novidade do Reino, rompe com os esquemas e paradigmas. O
povo o quer identificar como um messias que vai triunfar e tomar o poder,
como um novo Davi, mas Jesus procura fazer descobrir que o poder nunca é
mediação para a libertação do ser humano.
Nem
o poder econômico, nem o político, nem o religioso solucionam as desigualdades
e injustiças humanas, nem sequer criam esperanças libertadoras.
Este é o momento definitivo de
atuação de Jesus: subiu a Jerusalém na festa
principal dos judeus. Com seu gesto Ele atinge o centro do poder
político e religioso, encarnado na cidade de Jerusalém. Até então seus gestos
foram libertadores das pessoas. Agora Ele arremessa diretamente contra a cidade
que exclui e mata.
Aquele “dia de Ramos” foi
uma autêntica manifestação de desafio.
Jesus rompe o
silêncio e entra na cidade de Jerusalém de maneira impactante, como Messias
cheio de autoridade, mas faz isso de forma pacífica, sem armas nem soldados,
anunciando o reino de Deus para o pobres e a partir dos pobres.
Não optou por
empregar violência externa, nem prepotência ou domínio (religioso, militar,
econômico) de uns sobre os outros, porque o Reino de Deus não se manifesta com
violência, nem se mantém por meio do poder ou da sacralidade sacerdotal. Até
então Jesus havia se movimentado mais na clandestinidade, esperando o momento
oportuno, a “sua hora”. E essa foi a “sua hora”: desmascarar a manipulação e
extorsão daqueles que com poder autoritário tinham oprimido o povo.
Por isso, sua
vinda, nesse tempo de Páscoa, não foi um gesto privado; veio de um modo
público, pois queria a transformação ou conversão da cidade de Jerusalém.
Para alguns, esse
gesto de cruzar os umbrais da cidade foi altamente provocativo e quiseram frear
o entusiasmo que Jesus despertava pela sua passagem. Ele se tornou um
perigo que deveria ser eliminado. Os dirigentes religiosos e os líderes do povo
judeu deram-se conta de que aquele homem, Jesus o Nazareno, questionava, da
maneira mais radical, o sistema no qual eles se sustentavam para continuar
exercendo um poder ao qual não estavam dispostos a renunciar.
A festa da entrada de Jesus na
cidade de Jerusalém revela-se uma
ocasião privilegiada para considerações sobre nossa presença e o nosso habitar
nas grandes cidades de hoje.
Às vezes, a grande
cidade pode nos parecer um lugar estranho e hostil; ela se revela complexa e
confusa como um labirinto, perigosa e traiçoeira como o deserto, espessa e
impermeável como uma floresta.
De fato, nas cidades
existem situações que dificultam ou impedem a descoberta de Deus e a vivência
de relações mais humanas: a violência, a pobreza, a discriminação sexual, a
intolerância, o racismo e muitas outras atitudes e práticas que separam, excluem
e oprimem. As ofensas contra a pessoa humana, sua digni-dade e seus direitos,
são impedimentos para reconhecer e descobrir a presença do reinado de Deus.
Assim, no domingo de Ramos, abrimos espaço para
entrar na nossa cidade com Jesus, com sua força, com sua presença crítica; só
assim, nos manteremos lúcidos nessa mesma cidade tão distante da proposta de
vida apresentada pelo evangelho. Somos enviados a todas as fronteiras de nossas
cidades não para impor a fé e o Evangelho, mas para dialogar com aqueles que
não pensam como nós, com aqueles que não creem, com aqueles que estão muito
distantes, marginalizados...
Desde aquele dia
de Ramos sabemos que Deus mesmo habita em nossa cidade, para além dos limites
da Igreja; Ele deixa marcas de sua presença em tudo e em todos. Só aquele que
vive “em saída” pode entrar em sintonia com a ação do Senhor e ser presença de
luz no próprio espaço urbano.
“A fé nos ensina que Deus vive na cidade, em meio a
suas alegrias, desejos e esperanças, como também em meio a suas dores e
sofrimentos”
(Doc. Aparecida, 514).
Jesus “entrou” em Jerusalém para
que também nós entremos em nossas cidades de maneira inspiradora e provocativa,
buscando e construindo a nova cidade,
feita de paz e de concórdia, rompendo com tudo aquilo que desumaniza e trava os
espaços de convivência. Somos chamados a construir pontes e não muros de
separação, a ser presença reconciliadora e não de divisão.
A
experiência de uma pastoral urbana nos capacita a descobrir e potenciar a
presença real do Deus que revela seus rosto nas pessoas, casas, bairros, povos,
cidades e metrópoles. “O
coração dos povos é o santuário de Deus”.
Trata-se de “passear
com o Absoluto pelas ruas da cidade” (Michelstaeder).
O Deus
presente nas cidades é um Deus que nos chama e interpela a partir do reverso da
história, a partir dos lugares ocultos, dos ‘outros-espaços” de exclusão... e a
nos comprometer na construção da Jerusalém justa e fraterna.
Texto
bíblico: Mt 21,1-11
Na
oração: rezar
sobre minha presença na cidade: partici-
cipativa? Questionadora?
Inspiradora?...
Ou presença alienada, fechada em
condomínio, apartamento... sem contato com a dura realidade e com o mundo da
exclusão daqueles que são vítimas de uma cidade desumana?
- O que significa “morar” numa sociedade
virtual?
- A “Jerusalém terrena” é expressão da
“Jerusalém interna”: minha cidade interna é espaço de paz, de concórdia, um
espaço onde Deus mesmo mora em mim? Ali me sinto verdadeiramente “em casa”?