AUSÊNCIA e PRESENÇA de
Deus na oração do Sábado Santo
O
Sábado Santo é um dia “não-normal”,
porque a morte de Jesus na Cruz deixa o silêncio, o vazio e a obscuridade. É
preciso considerar o Sábado Santo
como um tempo de luto e pranto: depois da dor intensa da Sexta-feira Santa dá-se lugar a uma dor silenciosa, contida, como a
terra que vai se empapando até suas entranhas com a água caída torrencialmente
sobre a superfície.
É
preciso saber acolher este silêncio
surdo, que marca a passagem entre duas experiências intensas: a Sexta-feira de dor e o Domingo de Ressurreição.
A pedra do sepulcro impôs silêncio no Calvário. Também
impôs silêncio nos corações doloridos. É um silêncio de dor e solidão. É um
silêncio do vazio provocado pela morte.
A pedra que fecha o sepulcro é como o último gesto do
morrer. Enquanto o morto está sendo velado, dá a impressão de que, de alguma
maneira, ainda está presente. Quando se fecha o sepulcro tudo parece que
terminou. O Sábado Santo parece um
sábado vazio. Cala a Liturgia. Cala a Igreja. Calam os corações.
O desconcerto diante da Sexta-feira Santa pode ser tão
intenso que já não resta mais esperança, nem razão para a missão. Nesse
sentido, o Sábado não teria nada de “santo”, mas só sábado de sepultura.
Sabemos
que a vida da Igreja, como também a nossa vida pessoal, é feita de longos sábados
santos, nos quais nem a dor da Paixão
nem o consolo da festa Pascal marcam significativamente nossos dias e nossas noites, mas simplesmente a
dura e paciente espera, na fé mais despojada, de um Senhor, que se
faz espe-rar tanto que parece que já não vai chegar mais.
Como seguidores(as) de Jesus tivemos nosso advento,
natal, quaresma, páscoa, pentecostes...; também nossa sexta-feira santa. Hoje
nos encontramos no Sábado Santo.
O Sábado Santo
é um dia sem liturgia, em silêncio, não passa nada, não sucede nada, recorda a
solidão do sepulcro, a tristeza das mulheres e dos discípulos, a desilusão
diante do fracasso.
“O Rei dorme”, comenta uma antiga homilia sobre o Sábado Santo. O
povo recita o “Shabat mater”, acompanha a Virgem dolorosa, espera com ela, em
silêncio, a aurora pascal.
Este é o dia das mulheres discípulas, que cuidam do
corpo morto e o ungem com aromas; dia do descon-certo dos discípulos masculinos
que, com o gosto amargo do fracasso, retornam à Galiléia ou a Emaús.
E,
no entanto, segundo o credo cristão mais primitivo, conservado fielmente sobretudo
na Igreja Oriental, o Sábado Santo
recorda a “descida de Jesus aos infernos”, o que equivale dizer: experimentar até
o fundo o poder da morte e, portanto, a força do silêncio, da obscuridade e do
vazio.
Jesus
desce ao lugar da morte e das sombras, a uma dimensão fechada e murada, da qual
não havia saída. E, ao entrar no lugar da morte, Jesus rompe os ferrolhos,
libera da prisão os encarcerados, ilumina aqueles que viviam nas sombras da
morte, vence o poder do mal.
Na “descida” de Jesus somos movidos a viver esta
jornada como um tempo no qual é possível experi-mentar a ausência, o silêncio
ou o vazio (quando, por exemplo, é provocado pela perda de um ente querido).
É muito duro viver em um Sábado Santo tão prolongado, é duro o inverno social e eclesial.
Mas, às vezes, em meio ao silêncio do Sábado de nossa história, ouvem-se
algumas vozes de mulheres que falam de anjos que anunciam que o Senhor
ressuscitou. Certamente podemos fechar-nos em nosso pessimismo e pensar que
estas mulheres são umas insensatas, exageradas e aloucadas. Mas, e se estas
mulheres tiverem razão? Então, não teríamos também que “descer aos infernos” de
nosso mundo de hoje para libertar os que estão nas sombras da morte e
anunciar-lhes que o Senhor venceu a morte?
Então, talvez, o Sábado Santo poderia converter-se em
um tempo de esperança germinal.
Sábado
Santo é tempo não só de
espera, mas de esperança, é deixar que o grão de trigo morto comece a
germinar, é tempo de um inverno que tornará possível as flores da primavera, é
tempo de imaginar, de criar, de abrir-se a algo novo e inesperado, de sonhar um
mundo melhor e uma Igreja mais nazarena.
O
vazio da morte de Jesus nos deixa sem alento. Sua ausência nos deixa sem
palavras. Que podemos dizer se Ele não está presente? Quando já não está
presente a Palavra, que podem dizer as palavras?
Por isso, o Sábado Santo, é o sábado das ausências.
Em nosso mundo violento, onde a destruição da vida é
tão forte e as feridas da humanidade e da criação são exibidas, é difícil
tolerar a experiência de Deus como uma ausência purificadora e
manter abertos nossos corações para preparar o novo caminho de vida, de forma
reverente e paciente.
No
entanto, em todo caminho espiritual é preciso passar pela “noite”, pela “ausência”,
pelo “silêncio”, para amadurecer. É inevitável experimentar, durante
algum tempo, alguma forma desconcertante de sentir a presença-ausência de Deus.
Deus
está “além” de nosso coração e de nossa mente, “além”
de nossos sentimentos e de nossos pensamentos, “além” de nossas
expectativas e de nossos desejos, “além” de todas as experiências
que fazem parte da vida. E, ao mesmo tempo, está no “centro” de tudo isso.
Sua
ausência, por outro lado, muitas vezes é sentida tão
profundamente, que leva a um novo sentido de sua presença. Isto
está expresso no Sl. 22,1-5.
Este
espaço de silêncio não é de morte senão de vida germinal, é noite que aponta à
aurora, são as noites escuras da vida que desembocam na alegria da alvorada; é
tempo de fé e de esperança, é momento de semear, mesmo que não vejamos os
resultados, é tempo de crer que o Espírito do Senhor, criador e doa-dor de
vida, está fecundando a história e a terra para seu amadurecimento pascal e
escatológico, para a chegada da “nova terra nova e do novo céu”.
Vivemos no “sábado santo” da nossa sociedade
dividida, preconceituosa, violenta...; somos terra de penumbra. Mas nela se
antecipa a esperança do dia de Páscoa. Como as mulheres, vamos ao sepulcro,
levando aromas. As orações são aromas que o Espírito recolhe em sua taça. A
esperança é aroma que faz esquecer o mau-cheiro do cadáver. Na noite do sábado
santo nos mobilizamos a levantar bem cedo porque “algo novo” vai acontecer. O Abbá ausente vai revelar sua nova
presença; o Espírito ficou sem Palavra, mas já sussurra; a voz do silêncio dá
seus primeiros gemidos. Algo grande já se prepara.
As discípulas e os discípulos de Jesus estão à espera,
reunidos em torno a Maria, orando com ela, a transparência feminina do
Espírito.
Esta terrível Noite Escura do Sábado Santo corresponde a um incontestável estágio espiritual,
como dura mas inevitável “passagem” (Páscoa) para a Luz do
Domingo.
Só atravessando a prova, a Noite Amarga se transforma
em Noite Amável.
Textos bíblicos: Mc. 15,42-47 Jo. 19,38-42
Na oração: recordar os
grandes silêncios da vida (perdas, fracassos, crises...) onde não há
razões, não há uma
lógica..., mas no
silêncio profundo, algo novo começa a germinar...