PAIXÃO DE JESUS – A
TERRA CRUCIFICADA
“Hoje, não
podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se
torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o
meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (Laudato si´n. 49)
A Campanha da fraternidade deste ano, com o tema sobre os “biomas
brasileiros”, nos oferece uma com-preensão aprofundada do sofrimento de Jesus, que inclui sua união com todos os membros da
comunida-de de vida. Somos chamados a contemplar o cosmos como uma epifania, ou seja, como manifestação de um mistério,
que pede reverência e respeito para quem dele se aproxima.
O mistério Pascal constitui o núcleo
central da fé cristã, ou seja, a morte e ressurreição de Jesus de Nazaré e a
efusão do Espírito sobre toda a Criação.
Este mistério pascal se estende também a todo o povo crucificado, ou seja, a esta
grande maioria da humanidade que vive explorada e marginalizada, vítima dos
interesses de uma minoria. Por isso, crer no Crucificado implica fazer descer
da Cruz todos os que estão dependurados nela.
Mas a imagem da crucifixão se aplica também à
situação de nossa Terra, uma terra
explorada, deser-tificada, contaminada, com a biodiversidade destruída e os
oceanos transformados em cemitérios.
Por sua atitude de arrogância e
de autosuficiência, o ser humano explorou exaustivamente a Terra herdada
e a destruiu, depredou, aniquilou, tomou posse dela... Assim, não foi
respeitoso para com o Criador que a ele reservou a missão de cuidar do seu
jardim e de compartilhar os seus frutos.
Há um clamor generalizado que
emerge da realidade desafiante enfrentada pela humanidade: o planeta Terra
está gravemente enfermo. As conseqüências trágicas estão presentes por toda
parte: degradação do meio ambiente, diminuição acelerada das fontes de água
potável, desertificação, degelo das calotas polares com a conseqüente elevação
do nível do mar, grande incidência de furacões e de queimadas, extinção de
milhares de espécies de animais, escassez de alimento, proliferação de doenças,
migrações forçadas... Enfim, o desequilíbrio dos ecossistemas pode comprometer,
de forma irreversível, todas as formas de vida sobre a terra. Estamos diante da
“Terra
crucificada”.
E aqui já
não podemos repetir as palavras de Jesus na cruz “eles não sabem o que fazem”: todos somos conscientes de que a atitude prepotente e dominadora em
nome do progresso e do consumismo causa danos irreversíveis à Terra. A terra
geme em dores de parto, um parto que hoje se revela abortivo.
A Criação é também lugar do
padecido, da vulnerabilidade afetada, da beleza ferida... A utilização
desor-denada dos recursos da natureza faz sofrer tanto ao ser humano como à
própria natureza, conclamando portanto à solidariedade, à partilha, à
compaixão, à reconciliação na sua dimensão maior.
Perguntaram ao monge zen Tich Nhat Hanh o que é que
precisamos fazer para salvar o mundo. Ele respondeu: “O que
precisamos é, antes de tudo, escutar em nosso interior o grito da Terra”.
Como cristãos, este grito o entendemos como o grito
de Jesus na Cruz, que condensa todos os gritos da humanidade explorada e da
natureza expoliada. Na Paixão, buscamos experimentar, com Jesus, o sofrimento
da Terra. Experimentamos Jesus sofrendo nas regiões marcadas pela seca, na
terra cheia de cicatrizes pelas explorações do solo e das florestas, na contaminação
do ar e da água...
Para Jesus,
toda tragédia de sofrimento inocente e absurdo se concentrou n’Ele. Em
sua pessoa estão o lamento e o desamparo da vítima inocente. Jesus, na Cruz,
expira num grande brado, tão abismal que jamais será ultrapassado; n’Ele se
encontram e se reconhecem todos os sofredores inocentes; n’Ele se condensam
todos os gritos da humanidade sofredora e da natureza destruída.
Na
contemplação de Jesus que sofre e é abandonado, revela-se o mistério maior de
Deus frente a todo o mistério do mal. Na fraqueza e no sofrimento inocente de
Jesus estão a fragilidade e o sofrimento do próprio Deus. Este é o mistério
maior do silêncio e da “kénosis”: com o despojamento de divindade do Filho, o
Pai, sem utilizar o revide de vingança e de poder, acolhe o mistério do mal em
seu mistério maior de amor.
Disposição de todo o meu ser para o mistério
Leio Mc. 14,26-42 Mc. 15,33-41
Trago à
memória todas as criaturas que sofrem por causa da cegueira e da avareza
suicida do ser humano.
Milhões
de anos de história da evolução estão sendo apagados da face da terra, ao mesmo
tempo que as áreas desérticas do mundo crescem rapidamente.
Diante da
Árvore da Cruz, sinto-me aniquilado
pela agonia que Jesus suporta silenciosamente enquanto destruímos biomas,
poluímos rios e mares, devastamos florestas junto com a imensa quantidade de
comunidades de vidas que há nelas.
Com a
imaginação, permaneço junto à Cruz, cheio de aflição e amor por tudo aquilo que
Ele está suportando por mim e por todas as criaturas. Vejo como esta Vida pura, inocente, está se desfazendo
na Cruz, diante de mim. Esta Vida
que assumiu a matéria para poder estar entre suas amadas criaturas. Estou
sobressaltado diante deste mistério: Ele assume livremente dar sua vida para
plenificar a vida de todos os seres.
O desejo de meu coração
Peço
alcançar a graça de ter um
conhecimento profundo do sofrimento
da humanidade de Cristo, que continua nas comunidades de vida marginalizadas e
exploradas, que gemem em seu sofrimento.
Peço
sentir tristeza e aflição, dor interior e lágrimas com Cristo, enquanto Ele
experimenta o mal trato imposto à
sua amada
Terra, e como eu ainda ignoro sua preocupação pessoal e sua vinculação física
com sua comunidade universal de vida. Minhas atitudes de avareza e exclusão feriram
e humilharam penosamente a sua amada Criação.
Diante da agonia de Jesus, fazer memória da agonia
da Terra
A Natureza está sendo vergonhosamente atacada e dizimada pela implacável
crueldade humana. Arrancaram suas vestes e a desnudaram. Suas matas e florestas
estão sendo destruídas, adulteradas e saqueadas.
A
desolação estendeu-se sobre seu corpo; lançaram fogo sobre suas vestes...
Poucos correm para socorrê-la. Muitos estão cegos e insensíveis. Observam-na
agonizando, enquanto contam seus lucros insaciáveis.
A Terra
já não consegue respirar como outrora; sente-se sufocada, febril e doente.
Detritos e gases asfixiam-na. Ela sente-se sozinha e indefesa.
Ouço o
grito de Jesus na Cruz; ouço os últimos gritos da mãe Terra.
Na oração: Estou assombrado
diante da revelação das Três Pessoas Divinas no Gólgota, humilhando-se pa-
ra dar à luz um novo cosmos de espaço, tempo e matéria.
Penso com
espanto na Trindade humilhando-se ao
dar completa liberdade ao seu amado cosmos, em vez de impor um controle total.
Maravilho-me diante de Seu amor, demonstrado em sua própria
doação e expresso através de toda a evolução ao fazer com que as criaturas
fossem adquirindo cada vez maior liberdade, culminando na liberdade humana,
capaz de dirigir toda mudança futura.
Ao pé da
Cruz, comovo-me no mais profundo de
meu ser diante do poder misericordioso de Deus, muito mais efetivo através da
doação que através do uso da força.
Dou
graças a Jesus na Cruz por ter-me revelado agora que todas as lutas do cosmos durante todas as
eras foram experimentadas pela Trindade bondosa. Reflito com espanto que a
verdadeira história da vida de Deus inclui toda a agonia da evolução: extinções em massa de espécies, a necessidade
cruel da cadeia de alimentação, parasitas, epidemias, bosques arrasados,
guerras, crianças famintas, o horror da avareza e a indiferença da
humanidade...
Colóquio
Falo com Jesus, meu amigo e irmão, e permaneço
presente com Ele, junto à sua Cruz.
Termino com a oração que Jesus nos ensinou.