BENDITA PORTA DE SAIDA PARA A VIDA
“Eu
sou a Porta das ovelhas” (Jo
10,7)
Todos os anos, o 4º. Domingo de Páscoa
inspira-se na imagem do “Bom Pastor”.
Embora o Evangelho deste domingo não fale de “aparições” do Ressuscitado, não
nos afastamos do tema pascal, pois Jesus afirma expressamente: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em
abundância”.
A “Vida” é o verdadeiro tema pascal.
E imagem pascal deste 4º. Domingo é a Porta
da Liberdade, que possibilita uma vida sempre expansiva.
A Vida verdadeira implica saída de nossos
espaços, muitas vezes atrofiados e de curto horizonte: por isso precisamos de
uma porta, de uma saída. Não podemos,
não devemos permanecer fechados, pois isso atro-fia nossas possibilidades de
vida, sobretudo se estamos reclusos no egocentrismo.
Equivocadamente distraídos por
alguma complacência ou comodidade interna, nem sempre caímos na conta de que
vivemos fechados; não percebemos o perigo letal da asfixia existencial; não sentimos
as amarras da dependência ou os vícios que a vontade fragilizada já não
consegue romper.
Nesse sentido, podemos entender a
imagem da “Porta” enquanto espaço
aberto que permite a vida fluir. Porque vida é, antes de mais nada, espaçosa,
amplitude ilimitada que tudo abarca e que se expressa em infinidade de formas,
todas elas habitadas pela mesma e única Vida.
Precisamos nos libertar, nos
desatar, sair; precisamos de uma porta!
Escutemos Jesus que diz “Eu sou a Porta”. E é verdade, porque
Jesus, “ressuscitado dentre os mortos”, abriu um espaço no hermético ventre da
morte. Com seu próprio corpo e sua vida Jesus se transformou em Porta da Vida verdadeira e com a força
do seu Espírito Ele nos liberta, nos desata para sair dos espaços atrofiados e
passar para a vida ampla do amor, para a vida com os outros.
“Eu
sou a porta”:
aqui Jesus não se refere àquela peça de madeira que gira para fechar ou abrir,
mas ao espaço por onde se tem acesso a um recinto. Por isso Ele diz que é a
porta das ovelhas, não do redil. Todos aqueles que vieram antes dele não deram
liberdade e asfixiaram a verdadeira vida.
Em Jesus, todo(a) seguidor(a)
pode alcançar a verdadeira liberdade; “poderá entrar
e sair”,
terá liber-dade de movimento. Jesus
não busca seu próprio proveito nem o de Deus. Seu único interesse está em que
cada ovelha alcance sua própria plenitude e viva intensamente.
A característica do Bom Pastor é que põe toda sua vida a
serviço das ovelhas para que vivam, sem limitação alguma. Ao fazer isto, põe em
evidência a qualidade de Vida que possui e abre a possibilidade para que todos
os que lhe seguem tenham acesso a essa mesma Vida.
Uma porta aberta. Jesus se compara a uma
porta... aberta! Somos impactados pela luz que vem de fora e pelo ar
vivificante. Nós ouvimos sua voz. Ele se dirige a cada um e à sua voz nos
colocamos em marcha. O oxigênio que aí respiramos é o Sopro do próprio Deus.
Jesus é uma Porta grande e aberta que favorece a circulação com toda a
liberdade Entrar por essa Porta é o mesmo que “aproximar-nos d’Ele”, “escutar
sua voz”, “identificar-nos com Ele”.
Passar pela Porta implica também des-velar
nossa verdadeira identidade enquanto
“portas
abertas”.
Cada um de nós é um mundo, dentro
do Mundo. Este contato se estabelece pelos sentidos:
saímos ao Mundo e entramos em nosso mundo através dessas cinco portas.
Por essas portas dos sentidos
saímos de nós mesmos para o Mundo, ao mesmo tempo que o Mundo entra em nós.
Tomar consciência do como transitamos por estas portas é essencial para crescer
em um modo transparente de existir. Porque há um modo de entrar e sair por elas
que pode ser feita de maneira autocentrada e depredadora ou de maneira
agradecida e geradora de comunhão.
Há um modo de ver, ouvir,
saborear, tocar, sentir... que nos atrofia e nos isola em nosso pequeno mundo
opaco e estreito, enquanto há outro modo que nos abre e nos expande em direção
ao Mundo, e que vai se revelando como presença e transparência de Deus.
Expandir os cinco sentidos nos capacita
sentir Deus como Presença primeira e constitutiva da Realidade, pulsando em
todas as coisas. Porque, em definitiva, o que nossos olhos querem ver, o que
nossos ouvidos querem ouvir, o que nosso tato quer apalpar... é o
Rosto-mais-além-dos-rostos que se manifesta através dos outros. Assim, os
sentidos não são somente portas entre nosso mundo interno e o Mundo exterior,
mas umbrais que abrem ao Transcendente, que pulsa no mundo e ao qual só se pode
chegar através do mesmo mundo.
O contexto social no qual vivemos nos revela
que há uma doença que nos afeta praticamente a todos: em nossas vidas, há muito
mais espelhos que nos isolam do que portas que nos
universalizam.
No espelho nós nos vemos; e o que vemos não é o que
somos, mas o que aparentamos ser. Desta percepção não saímos. A contemplação narcisista de
nosso rosto atrofia o horizonte de nossa vida; o horizonte perceptivo é mínimo. O espelho é incapaz de revelar a verdade
de nosso ser e de ampliar nosso mundo afetivo e relacional, não facilita a acolhida, o
encontro... O centro do espelho somos nós mesmos.
As portas abertas, por sua
vez, permitem ampliar nosso horizonte. Através delas purifica-se o ar denso e
irrespirável do nosso interior, que geramos quando nos fechados em nós mesmos.
Elas nos abrem à comunhão com a natureza, com os outros, com a realidade que
nos cerca. Elas nos humanizam, pois servem para nos revelar aos outros quem
somos, que eles fazem parte de nossa casa e que, abertas, indicam que eles
podem entrar e sair livremente em nossas vidas.
Como seguidores(as) de Jesus,
habitando em casas construídas sobre a rocha do Evangelho, deveríamos nos
preocupar mais com as portas e janelas e menos com os espelhos. Outros rostos precisamos desco-brir: concretamente, rostos
feridos, excluídos, carentes de proximidade e abraço.
Muitas vezes, as portas nos protegem
da diversidade, blindam nossa individualidade e parecem itens indispensáveis à
sobrevivência. Assim, seremos prisioneiros de nossa estreita visão de mundo e
faremos de nossa casa uma couraça que enclausura. Melhor a viagem que nos faz vulneráveis do
que a segurança que nos rouba o horizonte. Melhor enfrentar o impacto do
diferente e usufruir da liberdade do que inven-tar portas seguras que nos fazem
cativos e solitários.
Texto bíblico: Jo
10,1-10
Na
oração: Seja uma porta sempre aberta:
“entrada franca”.
-
Nada de “cachorros” que atemorizem o visitante: seu orgulho, seu egoísmo, sua
inveja, sua ironia, sua rude-za, seu preconceito.
-
Nada de longas esperas que
desanimam: esteja sempre atento, nem que seja para um cumprimento, um sorriso,
um aperto de mãos, caso você não tenha tempo para uma conversa.
-
Nada de móveis que impeçam a circulação; mantenha sua casa disponível. Não imponha seus gostos, suas ideias, seus pontos de
vista. Nada de retribuições que
custam caro: se você oferece alguma coisa, faça-o gratuitamente e nada espere em troca.