“SANTA RUAH”: o sopro que
nos une
“Soprou sobre eles e disse:
Recebei o Espírito Santo” (Jo 20,22)
De Jesus e do
Pai fazemos muitas representações; do Espírito, muito mais que falar dele,
invocamos a relação com Ele: “vem!”. Invocamos para vir Aquele
que já está presente, o Realizador das transfor-mações, o Possibilitador de
toda relação, o Aumentador da vida.
O fogo, o vento, a água viva, são
os símbolos mais potentes com os quais a Bíblia tenta dizer algo dessa Presença Possibilitadora de tudo o que
vive, de sua força criadora e criativa, de sua imprevisibilidade, de sua
capacidade para gerar sabedoria, saúde e beleza. São símbolos do movimento
constante e do fluir silencioso dos processos que
gestam a vida.
No relato da Criação, “a Ruah de Deus (em hebraico, Ruah é feminino) pairava sobre as águas”: trata-se
de uma bela imagem da matriz ou útero originário fecundo de tudo quanto existe;
tudo é amorosamente acolhido, fecundado, gestado, carregado neste grande ventre
cósmico que podemos chamar divino: “Deus”. Alento, sopro, vento, respiração,
força, fogo... com nome feminino que fala de maternidade e de ternura, de
vitalidade e carícia. Seu calor gera harmonia no caos, realça a beleza e
originalidade de cada criatura, dando a cada uma seu lugar, o espaço que
necessita para potencializar seu ser. Nessa relação adequada, cada erva, cada montanha, cada ser que vive, tem
seu lugar e seu sentido.
“O Espírito pairava sobre as águas” (Gen. 1,1). “Pairava”
pode ser traduzido também por “vibrava”. Tudo vibra no universo:
vibram as partículas e vibram os átomos, vibram as estrelas e vibram as
galáxias, vibram os seres humanos, vibram o canto e a dança. Cada som é
vibração e também o silêncio é vibração. O coração de cada ser, pequeno ou grande,
pedra, planta ou animal está vibrando. A vida é vibração.
O Espírito que “pairava” sobre as águas é a imagem da
vibração divina que habita e se move no coração de tudo quanto existe. O
Espírito é a respiração universal.
Tudo é
energia, movimento, relação, e daí brotam maravilhosamente todas as formas de
todos os seres, como de uma misteriosa matriz materna.
E o Espírito sempre está ali silenciosamente presente,
como Aquele que vincula e une, como Tecedora constante de redes que fazem
crescer, como Reparadora de todos os tecidos que um dia se rasgaram e se
separaram do pano único de onde confluem todos os fios da vida.
Hildegar von
Bingen dizia que o Espírito é “vida da vida de toda criatura”.
Cada dia é o primeiro dia da Criação; cada instante é
o princípio. A Criação está acontecendo e renovando-se a cada instante e uma
Energia profunda e criativa nos acompanha, nos anima e nos move. Estamos sendo
criados; não estamos prontos e abandonados, não estamos condenados a um plano
predeterminado e frio. Em tempos de
Pentecostes é bom recordar e dizer a nós mesmos: “Somos criaturas, estamos sen-do
amorosamente
criados(as) e impulsionados(as) a criar. Há esperança”.
Contemplar
deste modo a realidade, nos move a confiar, esperar, respirar. Contemplemo-la
assim: a realidade inteira alentada e fecundada sem cessar pelo Espírito
materno; a realidade inteira carregada de infinitas e novas possibilidades,
carregada de Infinito. Podemos esperar.
Hoje somos conscientes e podemos agradecer essa
presença do Espírito nos perfumes que a humanidade exala: no seu empenho pela
paz e pela justiça, na contribuição à integridade da criação, na sua cumpli-cidade
com os ciclos que favorecem a vida, no potencial de ternura, de cuidado e de
resistência frente a todas aquelas situações e forças que desintegram a vida,
na ação colaborativa, na interdependência, no diálogo e na abertura às
diferentes culturas e às diversas tradições espirituais, maneiras novas e
necessárias de situar-nos no mundo. Tudo isso é sinal do movimento do Espírito.
Desde o momento em que entramos no mundo, nascemos
formando parte de uma rede de relações. Este tecido relacional vai nos
expandindo ao longo do crescimento. “Ao final de minha vida abrirei meu coração cheio de nomes” (Pedro
Casaldáliga). O Espírito é o que escreve os nomes que vão confor-mando nossa
vida, nos quais fizemos experiência do que significa isso que chamamos amor e
que está gravado em nossa origem e em nosso destino, como nossa fome maior e
como nosso dom mais apreciado.
A imagem do “soprar sobre eles”, no evangelho de hoje, contém uma riqueza elegante:
significa comparti-lhar o que é mais “vital” de uma pessoa, sua própria
respiração, seu mesmo espírito, todo seu dinamismo.
É uma imagem que
nos faz reconhecer o Espírito como o Alento último, o Dinamismo vital que pulsa
em todas as formas de vida que podemos ver e que nelas se manifesta. Não há
nada onde não possamos per-cebê-lo, nada que não nos fale d’Ele.
Por isso, a comunidade dos seguidores de Jesus, ao
compartilhar com Ele o mesmo Sopro, torna-se uma “comunidade conspiratória”, ou
seja, “conspirar”, “com-inspirar”, “respirar juntos”; ao soprar o Espírito
Jesus e os discípulos respiram o mesmo ar, o mesmo sonho, a mesma utopia do
Reino...
Não é estranho que, com o Espírito, Jesus se refira à missão: é o mesmo Espírito – seu sopro
– Aquele que O conduziu e quer conduzir a nós também.
O Espírito e nós
não somos dois. Somos “seres
espirituais vivendo uma aventura humana” (Teilhard de Chardin). Quando tomamos
consciência desta realidade profunda, realizam-se em nós as palavras de Jesus:
a unidade de tudo morando em nós, no Amor – outro nome do Espírito -, como
única realidade que tudo sustenta e constitui.
Mais ainda, o Espírito habita nosso ser
profundo, sustenta nossas energias sadias, aumenta nossas forças,
compromete-nos a crescer de forma autônoma. Ele age como um “princípio
dinâmico” e como um “energético ativo”, que reforça as
atividades criativas do eu. Temos de viver a partir do Espírito,
transformando e vitalizando nossos gestos, pensamentos, compromissos,
encontros.
Por isso, Pentecostes
não acontece até que, reconhecendo o Espírito como nossa Identidade mais
profunda, nos deixemos guiar por Ele, ou melhor, viver a partir d’Ele, conscientemente
conectados com a Fonte Primeira. Falar do Espírito e celebrar Pentecostes é,
portanto, celebrar a festa, a vida e a Identidade última de tudo o que é e
existe: é nossa festa.
Texto bíblico: Jo
20,19-23
Na oração: “O Espírito urge!” Para abrir-nos a este “Sopro”, de modo que
possamos experimentá-Lo no nosso “eu” mais
profundo, precisamos calar a mente, abrir-nos diretamente ao que é, e perceber,
com prazer, que podemos descansar sempre nisso. “Descanso” é outro nome
do Espírito.
No silêncio da mente o Espírito se revela a nós, não como uma presença
separada, mas como presença interna de tudo o que é: Cuidado, Descanso,
Dinamismo... Vida em plenitude. E isso é o que somos todos.