RESSURREIÇÃO: o amanhecer de uma nova
humanidade
“Maria
Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava
escuro...”
“Faz
escuro, mas eu canto”(Thiago
de Mello)
Ainda não é dia, mas amanhece
um novo tempo; ressoam como ditas para nós as palavras do profeta Isaías: “Algo novo
está nascendo; não o vês?” (43,19). É tempo de esperança e de saída de
nossos escon-derijos. Páscoa é movimento:
é ainda de madrugada mas podemos sentir o movimento das pessoas no evangelho de
hoje: Maria Madalena corre, Pedro também, João se adianta... até a pedra do
sepulcro se move. Não é pressa, nem ansiedade, tão próprios de nosso tempo. É
outra coisa, algo que impulsiona a partir de dentro. É vida que quer tocar tudo e oferecer uma mudança, uma possibilidade
nova; é vida que se abre para a luz, como no início da Criação. É a vida do
Vivente que abre caminho.
“A pedra da entrada do túmulo é removida” e amanhece uma nova
consciência planetária, uma nova espiritualidade, uma nova maneira de viver o
mistério de Deus, uma concepção novidosa do ser humano, uma nova mentalidade,
uma nova maneira de ser Igreja...
Amanheceum novo mundo,
heterogêneo, descentralizado; um novo humanismo, um novomovimento cultural. Brota
um novo despertar a partir de uma maior lucidez e consciência dos problemas
mundiais e uma escuta afinada diante do clamor unânime de que outro mundo é
possível.
Amanhece também
uma fome de espiritualidade, entendida como fome de profundidade,
interioridade, silêncio, experiência de unidade. Se é autêntica, essa
experiência desperta a compaixão e a coragem na busca da justiça e no
compromisso contra toda exclusão social, econômica, racial, sexual, religiosa...
Jesus de Nazaré
ofereceu a seus contemporâneos uma novidade radical que poucos foram capazes de
acolher. Seremos nós capazes de viver hoje essa radical novidade e transmiti-la
ao nosso mundo?
A Páscoa desata ricas possibilidades no interior de cada um e no
coração da realidade na qual estamos inseridos. Ela aponta para o novo
humanismo que amanhece e que não será mais de submissão, nem de bloqueio
de mudança, nem exclusões, mas de impulso à criação, à inovação, à
criatividade...
Este novo humanismo exige o
cultivo de uma nova disposição: flexível, capaz de acolher a novidade contínua
e, ao mesmo tempo, lúcida para discernir e viver integradamente o amor a si
mesmo, ao outro, à criação e a Deus.
Estamos todos
fartos de palavras que nos soam vazias, repetitivas, estereotipadas..., que nos
deixam frio o coração e indiferente nossa cabeça. Nosso tempo requer, não
pregadores que convidam a crer, mas pes-soas que impulsionam a encontrar-se com
o Mistério da Vida. Precisamos de mistagogos e testemunhas.
Mistagogos: homens e
mulheres que, porque fizeram o caminho, podem convidar, orientar e ajudar a
outras pessoas a buscar por si mesmas, a introduzir-se no umbral desse mistério
amoroso que chamamos Deus: o mistério no qual vivemos, respiramos,
somos.
Testemunhas: homens e
mulheres que, através de suas vidas façam visível o Deus de Jesus.
- testemunhas da
paixão de Deus pelo perdido, pelo pequeno, pobre e simples, pelo abaixo da
história;
- testemunhas do
Deus-relação sem exclusivismos nem dominações;
- testemunhas da
entranhável misericórdia de nosso Deus;
- testemunhas do
Deus da vida, de seu Ser-cuidado para com sua criação;
- testemunhas de
sua presença discreta no coração da realidade;
- testemunhas do
Deus festivo, boa notícia.
Como? Deixando-nos empapar pela Ressurreição de Cristo e permitindo o
nosso corpo ser um corpo de ressuscitados.A Ressurreição “entra pelos
sentidos”. Então:
- nossos olhos
não só ficarão fascinados por perceber Sua presença, senão que, como os Seus
olhos, olharão a dor do povo, se converterão em lugar de encontro. Serão olhos
que ao olhar reconhecem e devolvem dignidade, perdoam, animam, levantam, amam;
- nossos ouvidos
se farão sensíveis para descobrir a presença do Mistério na cotidianidade da
vida; saberão distinguir, apesar dos ruídos, os gritos de dor e os cantos de
alegria do povo; saberão escutar respeitosos e atentos;
- nossa boca
saberá falar e calar como linguagem de amor; denunciará com valentia; cantará a
boa notícia; compartilhará com satisfação o que dá sentido à própria vida, e se
fechará à maledicência; aprenderá a degustar, na vida cotidiana, os sabores do
reino e oferecerá aos outros essa sabedoria;
- nossas mãos
serão capazes de colaborar no nascimento da vida nova que ilumina todos os
rincões do mundo. Serão mãos que compartilham, acariciam, levantam, curam,
ajudam a demolir os muros da separação e da exclusão;
- nossos pés
se converterão em samaritanos e peregrinos, companheiros de viagem que não
trilham os caminhos da violência mas abrem caminhos de paz. Serão pés
dançantes, festivos, que sabem desfrutar da vida simples, do prazer
compartilhado;
- nosso coração
será cada dia mais amoroso, grande, sem mesquinhez, sem ressentimentos, casa
aberta, misericordioso, compassivo, será um coração de carne, não de pedra;
- nossas entranhas
saberão estremecer-se de dor e de prazer, não permanecerão indiferentes, serão
entranhas sempre fecundas, geradoras de vida nova para as gerações futuras;
- nossa pele
será lugar de toques curadores, lugar para o encontro, nunca para a “alergia”
dos outros.
Quando tudo isto for verdade em
nossos corpos, nos acontecerá o mesmo que aconteceu com Jesus; que aqueles que
vivem ao nosso lado dirão: “o
que vimos com nossos olhos, o que ouvimos com nossos ouvidos e tocamos com
nossas mãos é que o Deus dos cristãos é amor e vale a pena crer n’Ele” (cf. 1Jo.
1,1). No meio da noite, apesar da tormenta, seremos como estrelas que
iluminam, âncoras centradas em Jesus e em seu Reino, barcas com velas soltas ao
vento do Ruah, vínculos que unem, pontes que se fazem lugar de encontro,
testemunhas visíveis do Deus Invisível.Presença de Ressurreição.
É a aurora do novo dia que varre os espaços
interiores para deixá-los limpos e novos diante da nova realidade que surge no
horizonte. É Novo Tempo, Nova Criação.
Bênção da aurora
que é sempre nova, sempre cheia de luz e de vida, sempre inédita, sempre
diferente.
Cada aurora é
uma “entrada”
em um novo dia, e para “entrar” no dia que se inicia é
preciso “sair” do dia que passou.Quando tudo“ocorre
pela primeira vezӎ
quando“tudo é eterno”.
Texto
bíblico:Jo 20,1-9
Na
oração: Desfazer
obscuridades e tecer liber-
dade, nutrir a vida
de compaixão e amizade; celebrá-la e
oferecê-la de verdade, orar... Não é esse o movimento de Ressurreição?
Não é isto que o evangelista João quer destacar quando escreve que Madalena
“saiu correndo”, que Pedro e João “corriam juntos”?
O
que está travado em mim que impede o movimento em direção à Vida?