“A vida sempre tem razão”
(Rilke)
“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em
mim, mesmo que morra, viverá”(Jo 11,25)
Há em todos nós um desejo insaciável de vida. Passamos os dias e os anos
lutando por viver, nos agarrando à ciência e, sobretudo, à medicina, para
prolongar esta vida biológica. Sabemos que a morte é a realidade mais universal: todos morrem; mas nem todos
sabem viver.
E o que é a vida? Como viver? Tem sentido viver? Há “vida antes da morte”?
A vida humana, antes que saberes
e idéias, éprazer e sofrimento, alegria e tristeza, companhia e solidão, tato e
contato com alguém a quem queremos, entrega e generosidade, liberdade e
esperança... Por isso, na vida humana, é tão determinante a sensibilidade, o
afeto, a ternura, a bondade, a compaixão, tudo o que gera amor, carinho e
doação de uns para com outros.
Em todas estas situações o que
está em jogo é a vida. Não “outra” vida, mas a “vida”.
Para o evangelista João, a “vida” é uma
totalidade, que é já a vida presente, a vida atual, uma vida que tem tal
plenitude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”, porque
transcende os limites deste mundo;uma vida com tal força e tão sem
limites que nem a morte mesma poderá com ela.
Quem não encontra a Deus “nesta” vida, não O encontrará
jamais.
Mais ainda, se é certo que o Deus que Jesus nos
revela nós O encontramos na vida, disso se segue que Elese “fundiu com a nossa vida”,
essa vida que nos entra pelos sentidos, divinizando-a, fazendo-a eterna. Ou
seja, encontramos Deus, antes de tudo, pelo que vemos e sentimos, pelo que
apalpamos com nossas próprias mãos, por tudo aquilo que, ao senti-Lo, se faz
vida em nós. “Deus entra
pelos sentidos”.
Por isso, o sinal decisivo de que
alguém crê no Deus de Jesus está na vida
que leva. Ou seja, está em se viver ou não viver como viveu aquele Jesus de
Nazaré. Isso quer dizer que o sinal de que uma pessoa encontrou o Deus de
verdade é que ela se relaciona com os outros como se relacionou Jesus, que
sente o que Jesus sentiu, que vive o que Jesus viveu.
Quando alguém se deixa invadir
pelo humano, quando uma pessoa se humaniza de verdade e é sensível à dor do
mundo,significa, então,que Deus entrou pelos seus sentidos. E é justamente
quando, de verdade, se encontra com o “Deus desconcertante”, o Deus que Jesus
de Nazaré nos revelou.
Nos Evangelhos há uma constante: Jesus é apresentado como Aquele que é a Vida, o único que pode dar
aVida definitiva. Jesus é um bió-filo–
amigo da vida.
A insaciável sede de vida eterna enraizada no mais profundo
do coração de todos os seres humanos só pode ser saciada por Aquele que é a “Ressurreição
e a Vida”.
Os diversos relatos
de “retôrno
à vida” vão mostrar a vitória de Jesus sobre a morte, vitória que se
reali-zará plenamente na Sua Ressurreição,
à qual está indissoluvelmente vinculada a ressurreição
de todos.
No texto evangélico
de hoje, Jesus, na força do Espírito, comanda a ação: pede às pessoas que
afastem a pedrae que soltem as amarras de Lázaro,
para que ele possa andar. A ação de Jesus é expansiva pois mobiliza as pessoas
para que, por meio de sua cooperação, avida seja destravada.
A vida com as amarras da fome, da
exclusão, da violência... não pode ser chamada de vida.
Diante de uma sociedade que se
especializa em impor pesadas pedras e faixas imobilizadoras, defender a vida é
caminhar na contramão de tudo que nos diminui como seres humanos.
Há ainda aqueles que vivem a
resignação do “quarto dia”, o dia da morte da esperança (para o
judeu, o 4o. dia representava o começo da decomposição do corpo).
Essas pessoas também precisam ser desamarradas da falta de perspectivas, da
falta de esperança, da descrença na vida, da falta de fé n’Aquele que venceu
para sempre a morte com todas as suas amarras.
Com uma autoridade,
soberana e amiga, a ordem de Jesus é dada com voz forte, com um grito...
Esta é a mensagem
central que o evangelista João quer transmitir:
a verdadeira vida consiste em ouvir a Voz
do Enviado pelo Pai para dar a vida
ao mundo; o importante não é o maravilhoso,
mas mostrar e compreender que Jesus tem a autoridade de dar a Vida. Jesus desata as ataduras, as
amarras da morte; elasmantém os homens cegos, mudos e surdos, atados e
asfixiados. Seu lugar não é entre os mortos, mas entre os vivos.Eles precisam
ser libertados e soltos por ordem de Jesus para que possam seguir seus
caminhos, viver suas vidas livremente, voltar à comunhão com os outros.Não foi
só Lázaro que saiu das suas faixas.
Todos os que estavam
enclausurados em seus hábitos, presos em suas memórias, sufocados e conformados
pela mediocridade, todos os que preparavam túmulos antes da hora de seu último
suspiro... todos ouviram esta voz: “Saia!... Saia daí, vão além de vocês
mesmos, a caminho!”
Para fazer-se presente neste mundo, Deus não se impôs a dar-nos doutrinas e a ensinar-nos
verdades, mas se fez presente na vida
de um Homem que nasceu pobre, que viveu entre os pobres e que morreu de tanto
viver.Só nele encontramos uma esperança de vida mais além da vida. Só nele
buscamos luz e força para viver uma vida diferente, ditosa, com sentido...
“Retirai a
pedra”,disse
Jesus diante do sepulcro de Lázaro. “Retirai o que impede o sopro de Deus
deentrar em vossos túmulos. Abri o que está fechado em vós”.
Quando Jesus pede que se retire a
pedra do sepulcro de Lázaro, Marta aflige-se:“Senhor, cheira mal; já é o
quarto dia...”Jesus
faz pouco caso disso; Ele veio para entrar onde cheira mal, para abrir o que
estátrancado, para fazer retornar à vida o que está morto.
Viver humanamente consistirá em deixar o
Espírito circular livremente em todos os cômodos de nossa morada, arejando-os,
ventilando-os, religando-os, dando-lhes vida, reorientando-os. A missão do
Espírito é ajudar-nos a fazer a travessia, o mergulho interior, tanto nas
sombras como nas zonas de luz, até ao centro de nós mesmos.O Espírito procura entrar para
fecundar, recolocar em ordem, restaurar, unificar.
Afastar a pedra da
entrada do túmulo é colocar Deus em seu devido lugar em nossa vida. É retornar
a Ele, vivendo plenamente nossa humanidade e deixando-a vivifi-car pelo
Espírito. Trata-se, dessa maneira, de experimentar a salvação em todas as zonas
de nosso ser, de recompor-nos, reajustando-nos às leis fundamentais da vida.
Texto bíblico:Jo 11,1-45
Na
oração:deter-se
para contemplar o coração de Jesus
comovido, sacudido, diante da dor e da morte.
Jesus foi “traído” pelo
seu afeto. Aquele que é o Senhor da Vida, o vencedor da morte, tem um coração queama como o coração do irmão
mais fiel; assim é o coração de
Jesus: feito com asfibras da fortaleza e da coragem entrelaçadas com as fibras
dacompaixão e da ternura.
Chamado para consolar uma família
desolada, toma uma decisão difícil, pondo em risco a própria vida e se faz
presente em meio à tragicidade da morte para comunicar vida a umamigo morto.
Com esse coração,Jesus nos ama a todos e a cada um; com um amor singular, pessoal, único, eterno.
-
O
que ainda existe para ser descoberto em sua vida? Há espaço para o novo?
- Ou está tudo amarrado, costurado
nas bordas, selado contra qualquer surpresa?