Teológico Pastoral

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sexta-feira, 21 de março de 2014

O MANANCIAL QUE NOS INSPIRA

“A água que eu lhe der se tornará nele um manancial que jorra para a vida eterna” (Jo 4,14)

O tempo quaresmal possibilita redescobrir as profundezas da pessoa humana, as coisas ocultas no seu interior, para assim poder ajudá-la a conhecer-se, crescer e gerar novos modos de se relacionar consigomesma, com os outros, com o meio ambiente e com Deus.
Em outras palavras, diríamos que este tempo des-vela, por um lado, uma realidade interna machucada, ferida, vulnerada, mas também, por outro lado, um potencial, um dinamismo, um “poço” de possibilida-des, um conjunto de forças positivas... São os dois rostos do coração da pessoa humana.
Isso quer dizer que a pessoa toda é movida, no seu viver, por uma mistura dessas duas faces do seu coração: a ferida e o poço, o medo e os desejos...
É a mistura dessas duas realidades que faz que cada pessoa seja ela mesma. É o interagir da parte vulne-rada com o potencial de possibilidades que vai dando identidade à pessoa e onde ela pode ir descobrindo qual é o sentido da sua vida e qual é a sua missão na história.
Por isso, quandoa pessoa se faz mais consciente dessas realidades do seu interior, quando se dá conta daquilo que brota da sua parte vulnerada e a integra, quando se dá conta da riqueza que existe no seu poço e a potencializa..., passará a se conhecer, a crescer e a descobrir a sua verdade mais profunda e, ao mesmo tempo – ao se tornar uma pessoa modificada por dentro – a modificar as estruturas da história.

O evangelho de hoje é um relato eminentemente teológico. É uma catequese que convida a um seguimen-to de Jesus que traz a ‘água viva”, o dom capaz de saciar o desejo humano. Essa água a encontramos em nosso próprio interior, como um manancial que brota incessantemente.
No texto aparece um significativo jogo de palavras: sempre que a mulher fala, ela fala de “poço”;no entanto, Jesus e o próprio narrador se referem ao poço como “manancial”.
Jesus faz a mulher cair na conta que é preciso abrir-se a esse “manancial” novo, que lhe vem através d’Ele e que “jorra em seu interior” de um modo permanente.
O encontro com Jesus fez a samaritana viver uma verdadeira“páscoa”, passando de sua vida trivial e dispersa à responsabilidade de anunciar a outros Aquele com quem havia se encontrado. Como uma água que jorra, uma torrente de gratuidade percorre a cena e transfigura a mulher. Ela foi sendo conduzida até sua própria interioridade através de um paciente processo que a fez passar da dispersão à unificação, da exterioridade à interioridade, da solidão à comunhão com os outros.
Ela entra em cena como “uma mulher da Samaria” e sai dela como conhecedora do manancial de “águaviva” e consciente de ser buscada pelo Pai para fazer dela uma adoradora. Sua identidade transformada a converte em uma evangelizadora.
Como bom pastor que conhece suas ovelhas, Jesus faz a mulher sair do deserto da superficialidade e vai guiando-a para a profundidade e autenticidade, para a terra do dom da água viva.
Como “expert” em humanidade, Jesus mostra-se profundamente atento e interessado pela interioridade de sua interlocutora, lhe faz descobrir o manancial que pode brotar do mais profundo dela mesma e lhe revela também a interioridade de Deus como Pai que busca adoradores em espírito e em verdade.

Vamos agora, a partir do encontro de Jesus com a samaritana, percorrer a nossa parte brilhante, essa rica interioridadeque pouco conhecemos, pois, lamentavelmente, poucas vezes nos permitimos entrar nela e, inclusive, poucas vezes temos alguma consciência de que existe, de que é a mais profunda, valiosa e autêntica de nós mesmos.
Abre-se, então, a possibilidade de reconhecer e fazer um caminho de redenção, acolhendo e potencializan-do o poço da positividade e das energias vitais. Este é o caminho que leva a desenvolver plenamente a dimensão humana: limpar a ferida a partir do próprio manancial.
Isso significa que o crescimento pessoal é um compromisso que só é possível quando se nutre com a água do próprio poço, a água que nasce do manancial interior.
O nosso manancial interior alimenta o poço das nossas qualidades, das nossas potencialidades e faz que se revele, no exterior, o rosto positivo do nosso coração.

E o que é o manancial?
O seu manancial é aquilo que existe em você que é inalterável, inesgotável, o que o(a) salva nos momentos mais difíceis, o que lhe dá mais intimidade. Se você entrar no seu manancial encontrará, além do seu potencial máximo, outras duas realidades que seguramente passam despercebidas no cotidiano de sua vida: a consciência e a água viva.
Em primeiro lugar, no manancial que o(a) identifica se encontra uma voz que é a voz do seu ser que está crescendo, uma voz que lhe indica o que lhe faz bem, o que lhe ajuda a ser verdadeiro, o que o(a) empurra para a integração e, ao mesmo tempo, o(a) leva a gerar o bem, a veracidade, a integridade...
Isso é a sua consciência.
Por outro lado, nesse manancial se encontra também uma água viva, que é a presença atuante e transfor-mante do próprio Deus, lá no âmago da sua intimidade mais profunda.
Essa dupla descoberta faz você ser capaz de levar a sério a sua vida e dar-se conta de como, na vida mesma, na sua própria vida, está inscrito, no mais fundo do manancial, algo que tem a ver com a solidariedade, algo que se refere à metáfora da “água” e do “poço”: a água não serve para si mesma; é para as outras realidades, para as outras pessoas.
É isso que significa “ser pessoas para os demais”.

Há qualidades que nos identificam: a cor da pele, a altura, a cor dos olhos... o nosso gênero, inclusive a nossa profissão. Mas o manancial nos oferece aquilo que nos faz únicos em meio à caravana humana com a qual caminhamos pela vida.
O que nos faz pessoas únicas são essas forçasno nosso interior que nos tornam capazes de superar os piores momentos das nossas vidas; essas forças que nos tiram das piores trevas e nos devolvem à existên-cia. Essas forças não são as mesmas para todos.
Para algumas pessoas será o desejo de viver e ser livre. Para outras, será o desejo de servir, o amor a alguém, a atenção aos necessitados... Essa combinação de um punhado de qualidades, de potencialidades, de “desejos” é o que fundamentalmente nos faz ser nós mesmos.
Essa experiência do manancial se faz não com idéias, mas vivenciando-a; não porque nosdisseram, mas porque verificamos que, na realidade, essas forças e potencialidades constituem, de fato, o nossomanan-cial. De tal modo que se faltasse alguma dessas forças, ou dinamismo, nós não nos reconheceríamos.
Nossos desejos nos constituem, ou melhor, fazem-nos seres inusitados, distintos, únicos.
Devemos prestar muita atenção à força que os desejos profundos têm na descoberta do nosso manancial.
Texto bíblico:Jo 4,5-42

Na oração: como a samaritana, também diante de nós se

apresenta uma alternativa: continuar buscando água e justificação em poços secos e esgotados ou eleger “vida eterna” e deixar-nos arrastar pela oferta de trans-formação proposta pelo Jesus que nos busca. Eledeseja ampliar nossa existência e comunicar-nos alegria e plenitude. De quê tenho sede? Onde busco saciar minha sede?
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