O TEMPO SE COMPLETOU: CONVERTEI-VOS!
A Palavra de Deus, à primeira vista, traz um conteúdo misterioso nas leituras de hoje, mas, com certeza, conteúdo essencial, na medida em que nas poucas linhas do Evangelho recebemos a proposta do convite fundamental para uma autêntica vida na fé cristã: “Convertei-vos e crede no Evangelho”. Foi recebendo cinzas sobre as nossas cabeças que iniciamos o itinerário quaresmal, juntamente com a exortação, apontada como projeto.
O apelo de Jesus é por uma conversão que deve partir do íntimo do coração humano, pois, como Ele ensinou, “É do coração humano que provém os propósitos maus, os homicídios, os adultérios, as prostituições, os furtos, os falsos testemunhos, as blasfêmias” (Mt 15,19). Colherá os frutos do processo de conversão quem for capaz de admitir humildemente que tem muitos erros; quem for capaz de penitenciar-se por causa das más escolhas feitas, repetindo as palavras do rei Davi: “Reconheço toda a minha iniquidade, o meu pecado está sempre à minha frente, foi contra vós que eu pequei e pratiquei o que é mau aos vossos olhos” (Sl 50, 5). Será convertido, igualmente, os homens e mulheres que tiverem coragem de seguir o exemplo do filho Pródigo, que oprimido pela fome “caiu em si” (Lc 15,17), abandonando o caminho do pecado, para voltar aos braços do Pai.
Para chamar a atenção para a urgência do convite à mudança profunda e do íntimo do nosso ser, Jesus sublinha: “O tempo se cumpriu e o Reino de Deus está próximo”. Não é algo distante. Cada um de nós é chamado a aderir à Boa Notícia aqui e agora. Mas de que maneira? Convertendo-se! A Palavra de Deus prescreve uma mudança radical de caminho e de direção viável somente a partir de uma vida de penitência que parte do próprio desejo de resistir às tentações deste mundo.
Para dar-nos o exemplo Jesus, impelido pelo Espírito, foi ao deserto onde permaneceu por quarenta dias, tentado por satanás. Nas tentações, entre as feras, os anjos O serviam. É a partir dessa terrível experiência que Ele vem apresentar-nos o Reino.
As tentações que o Senhor suportou resumem as tentações que, a todo o momento, submetem a natureza humana, mas é justamente a fé no Reino de Deus, que já está no meio de nós, que pode fortalecer-nos dando-nos condições necessárias para resistí-las. Sobretudo se não nos isolamos numa “ilha”, mas pelo contrário, se vivemos em comunhão com a Igreja, que nos serve como os anjos serviram ao Senhor, e em comunhão com nossos irmãos e irmãs no caminho da salvação, impulsionados e encorajados pelo Espírito.
A maior tentação pode vir da incompreensão de quem convive conosco. O evangelista São Marcos além de falar de satanás, fala explicitamente de feras. Ou seja, os que prejudicam a vida daqueles que pensam diferente, daqueles que “atrapalham”, assim como João batista que foi arrastado para a prisão. Santo Inácio Mártir também se refere a esse tipo de feras nos seus escritos. Não apenas àquelas feras que sabia que encontraria no coliseu, em Roma, mas, sobretudo aquelas “feras” que estavam arrastando-o violentamente como um homem perigoso às ideias do sistema do Império.
O deserto ao qual se refere a Palavra de Deus neste primeiro domingo da quaresma, obviamente, deve ser compreendido no sentido mais amplo possível. O sentido do deserto como medo da solidão, por exemplo, parece tornar difícil a missão de Deus, mas é aí que vemos à proclamação do Reino. Este é o melhor e o maior modo de testemunhar e é a esse testemunho que Jesus nos convida.
Para fortalecer ainda mais a nossa confiança, há também a Aliança feita a Noé e à sua descendência, “Este é o sinal da Aliança que coloco entre mim e vós, e todos os seres vivos que estão convosco, por todas as gerações futuras”. A Aliança feita com a “nova humanidade” a partir da água é uma Aliança que diz respeito à toda a criação: “Então eu me lembrarei de minha Aliança convosco e com todas as espécies de seres vivos”! Está explícito: “Não tornará mais a haver dilúvio que faça perecer nas suas águas toda criatura”!
A garantia desta certeza, como nos recorda o Apóstolo Pedro na segunda leitura, nos é dada pelo próprio Cristo que “morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados (...), a fim de reconduzir-nos a Deus”! Morreu uma vez por todos, tanto que “no Espírito, Ele foi também pregar aos espíritos na prisão, aos que foram desobedientes antigamente”! A bondade de Deus se destina também a eles, justamente pela promessa feita a Noé, cuja “água é sinal do batismo (...), como um pedido a Deus para obter uma boa consciência, em virtude da ressurreição". É para essa realidade e por causa dela que devemos nos converter, haja vista que o tempo já se completou! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br – Website: www.inacianos.org.br).