(Liturgia do Quinto Domingo do Tempo Comum)
“Os meus olhos não voltarão a ver a felicidade”. É o lamento de Jó na Primeira leitura de hoje. O desconforto de Jó, visto num momento dramático de sua existência, assinalado pela perda da saúde, pela morte de seus entes queridos e mesmo pela falência de seus bens, parece dar voz a todos os pensamentos da nossa mente e sentimentos dos nossos corações, quando vivemos situações semelhantes.
Quantas vezes, também nós, tomados pela amargura ou esmagados pelo peso das situações terríveis que a vida nos traz, pronunciamos, com os lábios ou com o coração, palavras como estas, sem conseguir vislumbrar um horizonte de positividade, um apoio, uma esperança e alívio!
“Não sairemos mais dessa situação! Eu desisto! Isso nunca vai passar”! A primeira leitura deste quinto domingo do Tempo Comum nos pede para escutar este grito, que pode também ser o nosso. Grito que podemos abrigar no nosso interior ou que sabemos que nossos irmãos e irmãs, amigos, parentes trazem também no peito, sem que seja respondido!
Talvez escutamos esse grito convivendo com pessoas que perderam o emprego e não sabem como ir adiante; talvez nós o escutemos com aqueles e aquelas que tem que enfrentar uma doença grave, e que não consegue ver um futuro diante de si.
Jó, que vive essas noites escuras e também longas, na verdade, noites que parecem não terminar jamais para dar lugar à luz do dia, tem hoje o rosto e a história de muitos de nós. Tem o rosto de tantos que também neste domingo estão celebrando a Eucaristia, e que nela encontram o Pão do conforto e do alívio!
Jesus hoje, no Evangelho deste domingo é apresentado a nós na dimensão da Sua atenção e misericórdia, de cura para quem vive uma situação de doença e de sofrimento: "Jesus curou muitas pessoas de diversas doenças e expulsou muitos demônios”, anuncia o Evangelho de hoje.
Celebramos a Eucaristia dominical confiantes de que nela encontramos Aquele que pode curar, Aquele que é capaz de dar-nos aquele Pão que consegue saciar as nossas fomes, e diante do qual se pode aplacar o nosso sofrimento.
Mas, especialmente, o motivo que deve nos levar a celebrar com Ele a Eucaristia, deve ser aquele desejo de nos assemelhar-nos a Ele: os gritos que chegam aos nossos ouvidos e os rostos sofridos que encontramos não podem deixar-nos indiferentes.
Na vida cristã, tudo deve tornar-se caridade, caso contrário, simplesmente, não será vida cristã. Ao contemplar a atitude de Jesus no Evangelho de hoje, somos lembrados do primado do amor sobre todas as outras dimensões da vida cristã.
O amor de Jesus é concreto, pronto a tornar-se gesto, tempo dedicado, disponibilidade para atender e cuidado oferecido para fazer as pessoas reviverem, como a sogra de Pedro. Somos, entre as pessoas com as quais vivemos, uma presença de “cura”? Os nossos familiares, as pessoas que nos consideram amigos, conseguem nos ver como alguém que se aproxima e traz algum alívio?
Sem querer atribuir a essa Palavra expectativas impossíveis, como fazem muitos pretensos pregadores por aí, não posso deixar de lembrar que a cura não é resultado mágico, mas a possibilidade de ser ouvido, é lugar e momento de partilha, espaço de empatia e afabilidade que faz com que o outro se sinta importante; é a mão que se estende, apoia e sustenta nos momentos difíceis. Por isso devemos ter nela o conforto e a esperança de quem confia que Jesus está conosco e não nos abandona jamais, longe das falsas ilusões e dos “milagrismos”.
“Ai de mim se eu não anunciar o Evangelho”, anuncia o Apóstolo Paulo na segunda leitura. Estas palavras contém todo o entusiasmo que o guiaram depois da sua conversão a Jesus Ressuscitado na Estrada de Damasco. Tantos anos passados viajando e pregando, encontrando pessoas e suportando situações e pessoas contrárias à sua missão, enfrentando dificuldades até ao martírio! Não há dúvida que “combateu o bom combate” sustentado e nutrido por essa paixão pela pregação do Evangelho. Parece o reflexo da mesma paixão que Jesus tinha, e que se entrevê na resposta que hoje O escutamos dar àquelas pessoas que pediam para que permanecesse em Cafarnaum, sem prosseguir para continuar a cuidar dos doentes que viviam nos outros lugares e aldeias das redondezas.
Jesus não pára! Pelo contrário, continua o seu caminho e diz: “Vamos... devo pregar ... foi para isso que Eu vim”! Hoje nós podemos refletir e descobrir como é uma pessoa que dedicou tanto tempo e energia para cuidar do sofrimento das pessoas que encontra pelo caminho. É alguém que tem este grande desejo de pregar. É como se, para Jesus, o gesto da cura e a Palavra do Reino fossem as duas faces da mesma moeda, inseparáveis uma da outra. Esta estreita relação vale também para nós, os seus discípulos. O gesto de amor e da cura é uma palavra, melhor do que qualquer outra coisa, expressa o próprio Deus e o quanto Ele nos ama.
A Palavra que pronunciamos quando nos encontramos com os outros é a melhor cura que podemos ter nos seus confrontos, aquela que anima a esperança e que sustenta no caminho da vida, dando-lhe um horizonte de futuro e de vida eterna, plena.
Como cristãos, precisamos redescobrir a dimensão da cura e do apoio que podemos dar uns aos outros na nossa história pessoal, sem espiritualismos superficiais ou moralismos que não conseguem se transformar gestos concretos de solidariedade, de proximidade e compaixão.
Diante dessa atenção afetuosa e acolhedora para com aqueles que sofrem, alguns nos perguntarão: por quê? O que ganha fazendo isso? Qual a vantagem? O que vai resolver? Vale a pena? Então a nossa resposta pode ser também um reflexo da resposta de Paulo e de Jesus: “Ai de mim se eu não evangelizar! Devo pregar também ali...foi pra isso que eu vim”! E, principalmente, como verdadeiros cristãos poderemos também responder: nós o fazemos porque o mesmo Espírito de Jesus nos impele a abrir os olhos, a nos aproximar das pessoas, a vencer a insensibilidade e a olhar para qualquer ser vivo com um novo e confiante olhar, cheio de compaixão e de ternura.
Assim, cuidando dos outros e falando sobre o amor de Deus, caminhemos, sem nunca parar, como Jesus. E caminhando, percebamos que aquele cuidado voltado a quem encontramos sofrendo pelo caminho da vida, e aquelas palavras dirigidas a quem precisa de apoio, são gestos e palavras que curam. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br – Website: www.inacianos.org.br).