JUSTIÇA DO REINO
“Se a vossa
justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não
entrareis no Reino dos Céus” (Mt 5,20)
É
uma beatitude ter dentro de nós o desejo de um mundo melhor, no qual haja justiça.
É
uma beatitude não estar satisfeito com a situação presente, porque seria uma
infelicidade não ver as injustiças. Aquele que tem fome e sede de justiça não
permanece imóvel, está “em busca”... e a busca da justiça não pode
jamais se dar por terminada. O ser humano e o mundo carregam infinitas
possibilidades de crescimento. Há aí uma tarefa sem fim.
A justiça não é uma virtude como as outras. Ela é o horizonte de
todas. Todo valor a supõe; toda a humanidade a requer. É aquela virtude que
contém ou supõe todas as outras.
A palavra “justiça” evoca em 1º lugar uma ordem jurídica (“jus”,
em latim), ou seja, o respeito à lei.
A noção moral é mais ampla: a justiça dá a cada um o que lhe é
devido, ou seja, refere-se a uma igualdade entre as pessoas.
Mas, no sentido bíblico, “ser
justo” é “ajustar-se” ao modo de ser e de agir de Deus.
A
justiça adquire, então, um sentido muito
mais profundo: a integridade do ser humano é o eco e o fru-to da justiça
soberana de Deus, da maravilhosa delicadeza com que Ele conduz o universo e
cumula de dons as suas criaturas. Esta justiça
de Deus coincide com sua misericórdia, sua bondade,
sua santida-de...
Segundo os livros Sapienciais, a justiça
é a sabedoria posta em prática. É a sabedoria
que ensina a temperança, a prudência, a justiça e a coragem...
Para os judeus, a justiça não é tanto uma atitude passiva
de imparcialidade, mas um empenho apaixonado em favor do direito das pessoas.
Por isso, justiça deve ser interpretada como misericórdia criadora, na linha
profética de Israel, na linha messiânica de Jesus, em forma de não violência
ativa, a serviço dos últimos da terra.
A justiça entra em cena nas relações entre Deus e seu povo e entre os
homens. Ela está presente nos campos jurídico, social, ético e religioso. É um
conceito dinâmico, que significa mais agir
do que ser. De Deus e dos homens se
diz frequentemente que fazem a justiça, praticam a justiça...
A justiça divina é vista como “a mais sublime bondade”
ou uma “força que salva”.
A justiça de Deus, portanto, não
é poder universal, mas amor aberto e libertador.
No
NT, a “nova justiça do Reino” refere-se a uma justiça que se
exprime na maneira de viver e na forma de proceder com os outros. É uma justiça
que radicaliza a nossa vida de tal modo que nos faz parti-cipar já do Reino
messiânico. A nova justiça é, antes de tudo, uma exigência de amor entre as
pessoas.
Jesus recupera o sentido e o espírito da Lei e
não a interpretação casuística.
A Lei é mediação para expandir-se em direção
aos outros e a Deus. Nela mesma, não tem sentido, desu-maniza. É legalismo.
Quando a Lei nos abre aos outros ela se revela carregada de humanismo; do
contrá-rio, cai-se no farisaísmo.
A preocupação de Jesus não era as
minúcias da Lei, mas a prática do amor misericordioso, de modo especial em
relação aos pobres e marginalizados. Com relação a isso Jesus foi radical.
Na vivência do amor não podemos
descuidar nem da menor lei.
Quando estava em jogo a defesa da
vida, Jesus não transigia.
Na relação com os outros somos
chamados a ir além da Lei; não se contentar com a prática da lei em si, mas
carregá-la de vida. Ela deve ser mediação para amar mais.
A vivência da lei também é
processo; sempre podemos ir um pouco mais além dela.
A lei em si estipula um limite: daí
o perigo de acomodar-se; a lei do amor, pelo contrário, não tem limites.
Jesus veio para alargar o
horizonte do comportamento humano, nos libertar dos perigos do legalismo.
Quando alguém busca a vontade do Pai com a
mesma paixão com que Jesus a buscava, vai sempre mais além daquilo que pedem as
leis. Para caminhar em direção ao mundo mais humano que Deus deseja para todos,
o importante não é contar com pessoas observantes de leis, mas com homens e
mulheres que se pareçam com Ele, que se "ajustam" ao modo de agir do
mesmo Deus; em outras palavras, a prática da justiça que é infinitamente
superior à lei.
Aquele que não mata, cumpre a
lei, mas se não arranca de seu coração a agressividade para com seu irmão, o
desprezo ao outro, os insultos ou as vinganças, não se parece com Deus. Aquele
que não comete adultério, cumpre a lei, mas se deseja egoisticamente a esposa
de seu irmão, não se assemelha a Deus. Nestas pessoas reina a Lei, mas não
Deus; são observantes, mas não sabem amar; vivem “corretamente”, mas não
construirão um mundo mais humano.
A radicalidade exigida por Jesus pode, em
princípio, assustar às pessoas; mas se trata de uma radicalidade que aponta
para o coração. Jesus aponta diretamente para a necessidade de viver em conexão
constante com o que há de melhor em nós mesmos, ou seja, ancorar nosso modo de
viver nas raízes de nossa identi-dade profunda. Somente a partir desse “eu
profundo” é possível perceber que o que brota daí tem a marca do amor. Esta
forma de “ver” e de viver é mais importante que o culto. Por isso, o texto
insiste em priori-zar a reconciliação antes de fazer a oferenda no altar.
Primeiro a justiça, depois o culto.
E essa interioridade, por sua vez, se expressa
no modo de olhar, de agir. É preciso arrancar do coração todo olhar possessivo,
toda ação egoísta.
Mas Jesus não fala aqui de
controle, nem de medo e punição.
Segundo a mentalidade oriental, olho direito é o olho consciente, é o
olho masculino, que domina, avalia e julga, que quer vencer, e, às vezes,
também matar, é o olhar do avarento que deseja possuir tudo.
O olho esquerdo é o olho
inconsciente, o olho feminino, que aceita, admira, que observa e percebe.
A mão direita é a mão do
realizador, daquele que se julga capaz de conseguir tudo que deseja; a mão
esquerda, por sua vez, é a mão feminina, que recebe, que é carinhosa, que toca
e cura.
Aquele que vê tudo só com seu olho
direito, que se apodera de tudo, alimenta uma divisão interior e
acabará criando seu próprio inferno nas profundezas do seu ego; é o inferno de
seu caos interior.
Aquele que pensa que pode
controlar tudo com sua mão direita, reprime muitos impulsos
oblativos e abertos de seu coração, e acabará lançado no fogo de suas regiões
reprimidas.
O decisivo é integrar e
harmonizar os dinamismos interiores para que o seguimento de Jesus não
desemboque numa batalha interior que desgasta e alimenta sentimentos de culpa.
Texto
bíblico: Mt
5,17-37
Na oração: A
oração do tato é a oração de um corpo
que não se apega avidamente, que não se fecha
ao outro.
Tocar
a Deus ou deixar-se tocar por Ele não é sentir-se esmagado, mas sentir-se
cercado de espaço.
A oração é
um estreitamento que nos torna livres. Não oramos com os punhos fechados, nem
com garras, nem com aguilhão na ponta dos dedos. Só se pode orar com as mãos
abertas...
- Diante
de Deus, deixar aflorar os sinais de “farisaísmo” presentes no seu cotidiano.