“O semeador saiu para semear” (Mt 13,3)
Antes
de contar a parábola do semeador que “saiu a semear”, o evangelista nos
apresenta Jesus que “sai de casa” para encontrar-se com as pessoas, para “sentar-se”
sem pressas e dedicar-se durante “muito tempo” a semear o Evangelho entre elas.
Segundo Mateus, Jesus é o verdadeiro semeador. Ele está em movimen-to, percorrendo diferentes
campos da realidade, lançando as sementes na terra, ou seja, ajudando as
pessoas a descobrirem o que há de “divino”
escondido nelas.
Toda parábola
é um relato provocativo e aberto, que espera uma resposta do próprio ouvinte ou
leitor.
O característico da parábola de hoje parece ser uma
dupla mensagem: o esbanjamento do semeador e a certeza de uma colheita
superabundante.
- Por uma parte, o relato mostra um interesse claro ao
sublinhar o comportamento do semeador que, sem se importar com o resultado,
semeia por todos os lugares, inclusive naqueles onde se sabe que a semente não
poderá germinar, como os caminhos e os espinhos...
A parábola original fala, antes de mais
nada, de Deus como Gratuidade, Excesso e Esbanjador… Podemos adivinhar, entre
linhas, o gesto de Jesus dizendo: “Deus é assim”.
- O segundo traço que a parábola
acentua é só uma consequência: o fruto terminará sendo também um excesso. Para
uma terra como a Palestina, onde falar de uma colheita de sete por um já era
considerada excelente, falar de um rendimento de trinta, sessenta e cem por um
equivalia a ultrapassar a previsão mais otimista, um “exagero” conscientemente
provocativo.
A
verdadeira “semente” é o que há de Deus em nós.
Em
nossa terra interior já está semeada a presença de Deus; é como a semente
enterrada que permanece fértil debaixo da terra desértica pela seca prolongada,
e o olhar de Deus é como a chuva que ao cair des-perta a vida presente na
semente. Também gerará novidades em nós, convertendo-nos em vidas germinais.
Deus se derrama em todos e por todos da
mesma maneira, não como produto elaborado, mas como semente, que cada um tem
que deixar frutificar. O decisivo é tomar consciência do divino que nos habita e viver em harmonia com essa realidade. O
fruto seria uma nova maneira de se relacionar com Deus, consigo mesmo, com os
outros e com as coisas.
Deus
é Doação permanente e gratuita: só
sabe e só pode doar-se. Isso é o que “constitui” seu ser: não é um “Indivíduo”
separado, criado à nossa imagem; é um “Doar-se” permanentemente – mais verbo
que substantivo -, que em tudo manifesta sua presença.
Tantas
vezes O temos diminuído, formatando-O segundo nossos critérios e reduzindo-O a
um grande Legislador ou pervertendo-O com traços ameaçadores e cruéis.
Numa ocasião, no grupo de catequese,
uma menina perguntou à catequista: “Por que
Deus é sempre Deus, e nós não podemos ser “deus” ao menos
uma vez por semana?”
A catequista, após um susto inicial,
respondeu à menina: “O dia
em que você for amor, e nada mais
que amor, você será Deus.”
Este é o Deus do qual fala Jesus. Um
Deus que é “sementeira” permanente de amor.
Para que isso se faça realidade em nós
só é preciso “escutar”: “quem
tem ouvidos que ouça”.
É preciso abrir os olhos, os ouvidos,
cair na conta... O “Excesso” ou “Esbanjador” de tudo o que é nos alcançará na
medida em que nos abramos a Ele; Sua presença expande e multiplica o melhor de
nossa vida. Ao contrário, quando permanecemos reclusos na identificação com
nosso ego, irremediávelmente, dia após dia, nossa existência se atrofiará e se
empobrecerá.
De
Jesus temos que aprender também hoje a semear:
ir ao encontro dos diferentes “terrenos” para desvelar o divino presente em cada um.
O
primeiro é sair de nossa casa. É o que pede sempre Jesus a seus discípulos: “Ide por todo o mundo...”, “ide e fazei discípulos...”. Para semear, temos de sair de nossa
segurança e nossos interesses; semear im-plica “deslocar-nos”, buscar o
encontro com as pessoas, comunicar-nos com o homem e a mulher de hoje, não
viver fechados em nosso pequeno mundo eclesial.
Esta “saída” para os outros não é
proselitismo, nem imposição de uma doutrina ou de uma verdade. “A Igreja
não cresce por proselitismo, mas por atração” (papa Francisco). Não
tem nada de imposição ou reconquista. É oferecer às pessoas a oportunidade
de encontrar-se com o Deus vivo e presente na própria vida, que o acolham e se
deixem conduzir por Ele, para poderem viver melhor, de maneira mais acertada e
sadia. Isso é o essencial.
É
fora de dúvida que, dentro de cada um de nós, continua existindo “caminhos”
endurecidos, “terrenos pedregosos” com pouca profundidade, “espinhos”
asfixiantes e atrofiantes... que limitam
a liberdade de Deus em atuar em nós. Mas, o ponto de partida é que comecemos
por reconhecer esses terrenos e aceitá-los, reconciliando-nos com toda nossa
realidade interior, abraçando-a com humildade.
Desse modo, ao crescer em unificação –
integrando também os aspectos mais obscuros e vulneráveis de nossa própria
sombra -, um bom “húmus” estará se
disponibilizando e constituindo a “terra boa” onde a semente brotará por si
mesma. Devemos descobrir em cada um de nós a terra dura, os espinhos, as pedras
que impedem a semente germinar. No mesmo terreno há terra boa, pedras e
espinhos...
O
Reino também tem seu ritmo e seu momento. Não o acelera a impaciência de uns
nem o paralisa o fracasso de outros. Não somos nós que levamos o Reino em
nossas mãos, mas é nossa missão ajudar a descobrí-lo (desvelá-lo) na vida
humana como o dinamismo mais profundo da existência. O Reino alcança a todos,
ninguém fica excluído, ele não está fechado nos limites da igreja ou das
religiões.
Não
temos a exclusividade dele, e por isso mesmo temos que viver constantemente
despertos para desco-bri-lo e acolhê-lo ali onde se faz presente, seja onde
for.
O “novo” sempre nasce
pequeno, frágil, oculto e a partir de baixo.
As sementes, muito pequenas, são colocadas na terra e desaparecem. No entanto,
contém uma vitalidade oculta que as leva a germinar. O fundamental não é seu
tamanho senão a enorme força transformadora que contém e sua grande
fecundidade.
Como as sementes na
terra, percebemos que somos convidados a atuar a partir de dentro,
transformando a realidade a partir de meios simples, mas com criatividade e
audácia.
Submergidas na terra as sementes
vivem um lento processo até poderem liberar uma vida nova e abundante. Mas para que isto aconteça sofrem uma certa morte: para
gerar vida entregam sua vida.
Texto
bíblico: Mt
13,1-23
Na oração:
Nesta
realidade tão distinta e complexa, impõe-se
uma séria reflexão
encaminhada a revisar nossas presenças e nossa missão evangelizadora. Somos
convidados a abrir-nos ao novo, a semear em outros lugares... Onde semear neste
momento da história?
Ao
contemplar nossa terra, com suas injustas e sangrentas desigualdades,
facilmente surge em nós a sensação forte de impotência. Quê podemos fazer para
que a justiça triunfe sobre o sofrimento e a miséria?
É
necessário ter uma visão ampla e de longo alcance: para que algo novo germine
em nossa terra, temos de discernir o que vamos semear hoje.