ASCENSÃO: tocar o céu,
com os pés na terra
“Ide e fazei discípulos meus todos
os povos…”(Mt 28,19)
Devemos entender a Ascensão como parte do Mistério Pascal
que é uma única realidade. Não se trata de um “vir e regressar” de Jesus; trata-se
de diferentes modos de sua presença e de seu ser. Nem a Ressur-reição, nem a
Ascensão, nem o “sentar-se à direita do Pai”, nem a glorificação, nem a vinda
do Espírito, são acontecimentos separados. Trata-se de uma realidade única que está
acontecendo neste mesmo instante; são, em certo sentido, “perspectivas” diferentes
de uma única realidade conhecida como “aconte-cimento pascal”. A “ascensão” não
é algo diferente da “ressurreição”, senão outro modo diferente de falar da
“exaltação” de Jesus sobre a morte.
Na Ascensão, Deus nos quer acostumar à
invisibilidade do seu Filho no humano. Invisibilidade que não é ausência, mas
presença de outra maneira (“eu
estarei convosco todos os dias”)
Quando
na Ascensão se esconde a condição humana de Jesus, ele continua fazendo-se
presente e visível na vida e nos rostos de todos. Na Ascensão, Jesus mergulha
em Deus “com cheiro de humanidade”; Ele assume toda a humanidade e a entrega ao
Pai.
Situar a cena em um monte sem nome, na Galiléia, nos indica
que o que nos interessa não é o lugargeo-gráfico, mas o simbolismo. Para a
Bíblia, o monte é o ambiente da manifestação de Deus, onde Ele confia ao ser
humano uma missão.
O fato de Mateus
indicar a Galiléia também tem um
significado mundo importante. Jesus, na sua vida pública, inicia suas
atividades na Galiléia. Após a Ressurreição e seguindo as indicações das
mulheres, os discípulos se reúnem novamente ali onde havia começado sua amizade
com Jesus; ali haviam se compro-metido a segui-lo colaborando em seu projeto do
reino de Deus. Nas periferias da Galiléia Jesus começou a sua missão; é ali
onde Mateus quer localizar o começo da missão da Igreja nascente, como prolonga-mento
da mesma missãoe do estilo de vida de Jesus.
Por isso, Galiléiaé
o lugar da luta e compromisso pela vida, o lugar dos excluídos e
desprezados, o lugar do discípulado, o lugar no qual Jesus realizou os gestos
libertadores.
E Jesus foi o
ponto de partida de uma profunda mudança na história da
humanidade. Ele percorreu vilas e cidades despertando a vida e fazendo renascer
a esperança.
Foi na Galiléia
Jesus venceu os poderes que atentavam contra a vida; ali é onde venceu a
morte; por isso, após a Ressurreição, Ele irá diante dos discípulos,
contagiando-os com seu Espírito.
A eles Jesus
confere a missão de continuar aquilo que ele tinha feito: continuar a percorrer
as vilas e cidades levando a vida, a esperança... Mas não só na Galiléia e sim,
em todo o mundo.
É o lugar do
testemunho e da ação da comunidade cristã.
“Os onze
discípulos caminharam para a Galiléia...” Aparentemente tudo estava
normal, uma cena familiar na Galiléia. No entanto, falta um. Os apóstolos são
um corpo ferido, não são mais os mesmos de antes. Algo ficou comprometido entre
eles e em relação a Jesus. Agora que o viram crucificado, porque um deles o
traiu, outro o negou, todos fugiram, os seus corações vacilavam, estavam
inseguros.
Mas a autoridade
de Jesus não foi minimamente prejudicada pela traição e fuga, nem torna-se
ineficaz pela dúvida dos outros apóstolos.
Na verdade, a Ascensão do homem Jesus começou no presépio
e vai ter sua máxima expressão na cruz quando exclamou: “tudo está consumado”.Jesus vivia em permanente Ascensão porque sempre
vivia para além de si mesmo: todo seu ser e durante todo tempo estava aberto à vontade
do Pai, no compromisso com os maissofridos. Ele não se deixou determinar pelos
apegos a bens, pela busca do poder e prestígio...
Agora, no monte da
Galiléia, chegou à meta, à plenitude total em Deus. Precisamente por viver livre
de tudo o que era caduco, transitório, terreno, só permaneceu nele o que havia
de Deus, e portanto, se identificou com Deus totalmente.
Essa é também nossa
meta: viver em “estado de ascensão”.Esse é o caminho da vida; isso dá
sentido e razão ao nosso viver.
A Ascensão de Jesus nos faz superar o medo de ir
para além de nós mesmos, nos move a quebrar o medo de nossa própria
grandeza, o medo da nossa missão, o medo da vastidão dos nossos sonhos... Subir, com Jesus, o Monte da Galiléia
significa ter horizontes, não se limitar ao nosso modo habitual e fechado de
viver, nemacomodar-nos com medo de fazer a travessia;deixar
ressoar o apelo de Jesus para fazer as coisas com paixão e com criatividade,
para construir, crescer, ousar... em direção ao “mais”...
Sem a perspectiva da Ascensão, nossa vida se
atrofia, não multiplicamos nem desenvolvemos nossos talentos, embarcando na
realização de projetos minúsculos. Distantes da Ascensão nós nos desumani-zamos
porque enterramos nossas aspirações mais profundas, nossos sonhos mais nobres.
Sem experimentar a Ascensão de Jesus, carecemos de
injeção de idealismo, de generosidade e serviço. Com isso, frustramos o “sonho”
de Deus e frustramos a nós mesmos, já que não temos outra perspectiva a não ser
nosso “pequeno e limitado mundo”.
Não podemos
permanecer pasmados olhando o céu e esperando a solução para os nossos desafios
nesta terra.Porque o céu não é para
ser simplesmente contemplado, senão, sobretudo, para ser acolhido, consentido,
antecipado.
Nesse sentido, a Ascensão, por ser um vislumbre da
plenitude eterna, nos religa mais fortemente à terra; grande parte do céu está
feito de humanidade, a de Deus e a nossa... graças a Jesus. Nele o céu se
abriu, se deixou tocar e se nos deu a conhecer no essencial.
O céu de “cima”
é o céu do caminho da história da humanidade, um caminho iluminado e potenciado
por Jesus. O futuro do céu é o presente do Reino que Jesus iniciou com sua vida
e com sua entrega, um caminho no qual nós mesmos vamos sendo “céu” (Reino) pela
força do Espírito de Cristo.
O trono do céu
onde Jesus está “sentado à direita do pai”, é o trono e a mesa onde somos
chamados a nos sentar em comunhão de amor, colocando no centro do “banquete”
(do pão e da liberdade) os expulsos da história, os pobres, humilhados e
excluídos...
Enfim, o céu é a
justiça, que é a vida que não acaba. Tudo o que seja caminho de justiça é
caminho de céu. Uma justiça feita de transformação social e pessoal. Não há
novo céu sem nova terra, sem comunhão com Deus, sem plenitude de mesa.
Texto
bíblico:Mt 28,16-20
Na
oração: O
céu é a profundidade da vida… O céu está dentro, é a
presença de Deus em cada um de nós... Por
isso, para alcançar o céu não é preciso subir para além dos astros, nem é
preciso caminhar para além dos tempos futuros, mas “descer” ao céu da própria
intimidade e da realidade que nos cerca.
- A oração nos permite acessar e alargar
o “novo céu” presente no nosso interior, morada do Deus Amor.
- Desça cada vez mais profundamente a
esses abismos celestiais de silêncio, onde você entra em comunicação coma própria Trindade.