A CORAGEM DE ABRIR PORTAS
“Eu sou a porta. Quem entrar por mim será salvo;
entrará e sairá e encontrará pastagem” (Jo 10,9)
“Entrar” e “sair” pela porta: aí está a experiência de viver a vida
ressuscitada em toda a sua plenitude e de “saborear” a existência em toda a
sua promessa.
Nela está o ritmo do andar, o desejo da busca, a
estratégia para viver com sentido, o segredo do ser.
“Entrar” e “sair”,
ou seja, viver cada momento na
totalidade de seu sentido e na profundidade de sua presença. “Entrar” e “sair” em cada evento cotidiano significa experienciá-lo por
completo.
Nosso problema é que vivemos de modo incompleto.
Não vivemos totalmente.
E vivemos nossa vida de modo incompleto porque
vivemos cada situação de modo incompleto.
Não “entramos” por inteiros em cada
situação, em cada vivência, em cada atividade... e não “saímos” totalmente de
nenhuma.
Sempre de modo incompleto, sempre com hesitação,
divididos entre diferentes afazeres, com um pé numa margem e outro pé na outra.
Não é estranho que fique o sabor duvidoso de fazer tudo pela metade, de não nos
entregar totalmente a nada, de não viver a vida em sua plenitude, porque não
vivemos cada situação em sua totalidade.
A porta é uma realidade e é um símbolo.
“Entrar” e “sair” pela Porta que é o próprio Cristo Ressuscitado, desata em nós
a consciência de sermos “portas abertas em nossa interioridade”.
A experiência de “entrar” e “sair” da
porta da interioridade é preparação para “entrar”
e “sair” com leveza alegre em cada
circunstância da vida, para viver cada momento em sua totalidade vital.
Minha casa
é onde estou, quando vivo plenamente onde me encontro em qualquer momento,
quando esta-beleço contato com tudo o que está ao meu redor, quando não sou
estrangeiro nem hóspede em nenhum lugar, pois o mundo é o meu lar, o momento
presente é minha existência.
O
ser humano “pós-moderno” perdeu a direção da interioridade; dentro dele
há um “condomínio” onde portas se fecham, chaves se perdem, segredos são
esquecidos... e mergulha na mais profunda solidão esté-ril. Vive perdido fora
de si mesmo e não consegue colocar as grandes perguntas
existenciais: “de
onde venho? quem sou? para onde vou? quê devo fazer?...”
Muitos
já não conseguem mais recolher-se e voltar para “dentro” de si, para recuperar
o centro gravitaci-onal de sua vida, o ponto de equilíbrio
interior. As instituições (família, educação, religião...) também fo-ram, ao
longo do tempo, descuidando das vias de acesso ao interior,
permanecendo na superfície...
Vivemos
um contexto social e cultural no qual se constata um modo de vida que não
favorece o contato profundo consigo mesmo, com os outros,
com o Criador. Seduzido por estímulos ambientais, envolvido por
apelos vindos de fora, cativado pela mídia, pelas inovações rápidas,
magnetizado por ofertas aluci-nanes... o ser humano se esvazia, se dilui, perde
a interioridade e... se desumaniza. Tudo se torna líquido: o amor, as relações, os valores, a ética, as
grandes causas... (cf. Bauman).
Somos
vítimas da chamada “síndrome da exteriorização existencial”. Temos
dificuldades de introspec-ção, silêncio, reflexão, contemplação... Não
aprendemos a velejar nas águas da interioridade.
Vivemos
a “era
do vazio”, “tempos de inércia e passividade”, em que a superficialidade
se apresenta como ideal de vida e as grandes aspirações se reduzem ao consumismo
e ao narcisismo.
Tudo convida ao descompromisso e à mediocridade. A vida pós-moderna
apresenta-se cada vez mais como um caminho sem meta, um vagar à deriva, sem
horizontes. Esta desarmonia interna é exteriorizada gerando uma desarmonia
na relação com os outros, com a natureza e com o Criador.
O caminho de nossa vida entra em colapso, pois não
sabemos para onde vamos porque não sabemos onde “estamos”.
* Até quando estarei vivendo em um lugar e almejando outro?
Estou onde estou. Vivo onde vivo. Esta é a minha casa.
No
caminho do Seguimento percebemos que há portas
que já se abriram e que nos permitem transitar pelos caminhos da vida; há
portas que devem manter-se fechadas, para deixar para trás estilos
auto-centrados que nos afastam de Jesus e dos outros; por fim, há outras portas
que devem se abrir, para que um novo ar renove nosso interior e nos encha de
fé, esperança e amor.
“Abrir
portas”
é abrir-nos às novas possibilidades, ao futuro, ao encontro, à vida
expansiva... Sabemos, por experiência, a alegria que nos acompanha quando nos
abrem uma porta, cruzamos o umbral e nos chega o abraço, a acolhida e nos é
oferecido o dom de uma amizade.
Para
reavivar a graça pascal precisamos:
-
Abrir a porta da caridade e da misericórdia, sendo agentes transmissores da
bondade e da ternura de Deus; abrir esta porta e mantê-la aberta, mesmo que
entrem fortes ventos ou pessoas inesperadas;
-
Abrir a porta para o novo, o diferente, superando toda suspeita, preconceito e
medo; porta que nos possibilite
compartilhar e aprender com todos os homens e mulheres de boa vontade para
assumir os desafios mais cruciantes da humanidade de hoje;
-
Abrir a porta aos pobres, reforçando a simplicidade como modo de vida e a
solidariedade como proposta ousada;
-
Abrir a porta do encontro que é a chave de nossa cultura; que passemos e
ajudemos a passar da chave da separação e da distância à chave da proximidade e
do encontro;
-
Abrir a porta da comunicação direta, simples, inclusiva, transparente, próxima
e fraterna.
-
Abrir a porta para denunciar a desigualdade social e econômica que produz tanta
dor e tantas vítimas;
-
Abrir a porta que nos leve a um compromisso com a ecologia, o meio ambiente e o
cuidado da natureza;
“Eis que estou
à porta e bato; se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa
e cearei com ele e ele comigo” (Apoc. 3,20). O convite é todo feito de
ternura, de desejo e de liberdade, in-troduzindo-nos
num movimento interior.
Como sempre é Deus quem toma a
iniciativa. O Espírito procura entrar para fecundar, recolocar em ordem,
restaurar, unificar.
Texto bíblico: Jo 10,1-10
Na oração: que saibamos discernir, diante de
tantas portas que temos
atrás de nós, junto a
nós e diante de nós, qual deve ser nosso proceder. As portas não se abrem e nem
se fecham sozinhas; é preciso uma chave e ela está em nossas mãos. Cabe a cada
um decidir: que a casa do nosso coração seja a casa da humanidade.