(Liturgia do Terceiro Domingo do Tempo Pascal)
Neste Terceiro Domingo do Tempo Pascal a liturgia nos traz uma das primeiras pregações do Apóstolo Pedro, depois da Páscoa do Senhor. No tom de sua pregação é nítida a tensão entre a franqueza e a veemência da acusação que faz aos judeus, e depois, quase uma justificativa pelo modo com o qual ele mesmo e os outros discípulos agiram: “E agora, meus irmãos, eu sei que vós agistes por ignorância, assim como vossos chefes”.
Estas palavras nos fazem pensar que o crucificado nos mostra também do que o homem é capaz de fazer ao seu semelhante. Nas palavras de Pedro está a constatação de que o crucificado denuncia a violência que existe no ser humano, mesmo inconsciente, isto é, quando age na ignorância, e denuncia o que somos capazes de fazer uns aos outros.
O crucificado nos ensina, portanto, quem somos e o que se esconde dentro de cada ser humano. A franqueza de Pedro é capaz desmascarar-nos e trazer à superfície a consciência das possibilidades do mal que também habitam em nós, até mesmo quando o praticamos confundindo-o com o bem e com o que é ético e correto, cegos diante dos nossos limites e erros, mas com a pretensão de saber identificar o mal presente nos outros. Quanto mal a humanidade, no decorrer da história, já cometeu por causa dessa ignorância que cega!
O Evangelho deste terceiro domingo apresenta-nos um Cristo que sempre de novo vai ao encontro dos Seus. A grande diferença na atitude de Jesus é que esses são, justamente, aqueles que O abandonaram, que O traíram. Exatamente! Ele que encontrar-se com os seus amigos, aqueles que, vencidos pela covardia, o deixaram sozinho nos momentos mais difíceis da sua vida na Terra! Aliás, esta é outra forma de violência sofrida por Jesus! E, no entanto, Ele os procura, Ele se deixa ver e tocar por eles e os ajuda a recomeçar.
Para ajudá-los a recomeçar, é a esses que Ele pede algo para comer, recriando assim, aquele jeito de conviver que havia nos momentos que antecederam à traição e ao abandono. Da mesma forma agora é Ele que toma a iniciativa, se aproxima e cria ocasiões de reaproximação. Que lição para nós! Além disso, mesmo depois da Páscoa os discípulos ainda são pessoas cheias de medo e de incredulidade. A resposta de Deus, portanto, à incredulidade e à falta de consciência dos discípulos é oferecida no encontro!
A condescendência de Jesus diante dos seus amigos traidores é, de fato, um reflexo da humildade com a qual Deus, diante do nosso pecado, sempre nos procura novamente e tenta fazer-nos recomeçar o nosso caminho.
A perturbação e a dúvida, num misto de alegria e surpresa, dos discípulos foram despertadas pelo mistério da ressurreição, mas é também a atitude de quem se vê e se sente amado, mais uma vez, inclusive quando não havia correspondido ao amor recebido e mesmo depois de ter traído.
O Mestre reconstitui a comunidade, procurando por aqueles que tinham dito que nunca o tinham conhecido, para não se comprometerem. Deus age assim, e isso provoca dúvida e perturbação, justamente como apresenta o Evangelho de hoje. É a partir dessa perturbação que pode nascer o arrependimento sincero no coração do pecador que descobre que, não obstante o seu pecado e traição, é amado.
Aqui brota para nós uma terceira reflexão. Isto é, para criar a oportunidade deste novo encontro, desta nova ceia em torno da qual pode renascer a fraternidade que foi quebrada, Jesus faz um pedido: “Tendes aqui alguma coisa para comer”?
Jesus pede! O Cristo ressuscitado que doa a vida ao universo, Aquele que está criando o mundo novo, pede algo para comer! Como se entre o ato de doar e o de pedir não houvesse nenhuma contradição, mas pelo contrário, como se ambos estivessem intimamente ligados.
Pedir, nesta perspectiva é, ao mesmo tempo, também doar! Doar ao outro a possibilidade de fazer-se sujeito do amor. É possibilidade de despertar dentro de si a possibilidade do amor. O ato de doar tem a ver com o ato de pedir porque o dom pede para ser acolhido, procura uma “casa”, torna-se um apelo à liberdade e à abertura e aceitação do outro para que receba. Portanto, o Ressuscitado é Aquele que doa a vida sem limites e Aquele que pede para ser “nutrido” por quem pode acolher, se quiser, a vida que Ele veio trazer em abundância, a todos. Ele é o mesmo Jesus que esteve fisicamente presente e viveu em sua Comunidade na Galileia e na Judéia, e que frequentemente começava um encontro fazendo um pedido. Assim, ele pediu, "dê-me de beber", à mulher Samaritana no poço. Ou então, como disse a Zaqueu, “hospeda-me hoje em tua casa”! Isto é, Jesus continua a agir de modo a fazer-nos compreender que quer que nós O acolhamos, mesmo depois da ressurreição.
Ao mesmo tempo quer nos ensinar que, aqueles que ousam apresentar as suas necessidades diante dos irmãos, sem medo ou sem o desejo de ter que mostrarem-se sempre extremamente fortes a todo custo, são eles que criam e/ou recriam as oportunidades para que o encontro aconteça, superando os fatos negativos ocorridos no passado remoto ou próximo.
Quem partilha as necessidades, ajuda a recomeçar sempre, sobretudo porque “desarma” e desfaz a impressão de prepotência e de poder, possibilitando assim, que o outro provoque em si mesmo a abertura necessária para o encontro!
Aprender a arte de doar juntamente com a arte de pedir, do amor que procura o seu equilíbrio na espera da resposta, nos permite fazer uma experiência pascal autêntica na trama das nossas relações. (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br – Website: www.inacianos.org.br).