VER PARA CRER – A LIÇÃO DE TOMÉ
(Liturgia do Segundo Domingo da Páscoa)
Pobre Tomé! Apresentado ao longo dos séculos como o protótipo da pessoa incrédula, cheia de dúvidas; alguém que precisa que sua fé seja confirmada. Ou seja, alguém como um modelo a não ser seguido. Mas será que é assim mesmo? Outro dia eu me questionava: mas, no fundo, qual foi o erro de Tomé? Ou então, Tomé errou, de fato?
Naturalmente por um lado, a partir da resposta de Jesus é possível entender que a atitude de Tomé não foi das melhores. Por outro lado, quando Jesus diz “Bem aventurados os que creram sem terem visto”, certamente não se referia aos outros discípulos, porque eles também não acreditaram que Jesus havia ressuscitado assim tão facilmente.
Além disso, podemos dizer que os apóstolos fizeram a experiência concreta, ao vivo, de Jesus Ressuscitado, logo, então por que rotular a Tomé como o protótipo da pessoa que não tem fé? E os outros apóstolos? Certamente eles acreditavam... mas acreditaram porque tinham visto!
Imaginem Pedro e João, quando Maria Madalena anunciou-lhes que Jesus ressuscitou, por acaso acreditaram imediatamente? Pelo contrário, vão correndo até o sepulcro para comprovar e só então, enxergam o vazio do sepulcro e só assim, acreditam.
Imaginem os dois discípulos no caminho de Emaús. A eles também as mulheres, bem como “alguns dos nossos”, (outros discípulos) tinham dito que Jesus ressuscitou, e tampouco eles acreditaram nas “coisas que ouviram dizer”, até que não O tivessem reconhecido na “fração do pão”!
Então a pergunta é inevitável! Por que pretender que Tomé creia sem ver? Por que ele deveria ser a exceção, nesse caso? Ou não seria melhor chegar à conclusão que é necessário reconhecer que a fé precisa de confirmação, ainda que seja mais ou menos óbvia?
Sejamos sinceros! Quantas vezes nós também nos aproximamos mais de Deus porque a nossa fé é assaltada pelas dúvidas e Ele, ao invés de confirmá-la, nos pede que tenhamos fé, nos pede para crer sem ver? E nós, por outro lado, quantas vezes também não achamos que é pedir demais? Por que outros puderam vê-Lo e nós, não? Eis, então, a pergunta que não quer calar: a necessidade de ver a Deus, de fazer a experiência da Sua presença é natural? Justifica-se?
Todo o Antigo Testamento tem como perspectiva o pedido do Salmo 31: “Mostra-me, Senhor, a Tua face”. Moisés, Elias, Davi etc, esses grandes personagens, homens de grande fé, todos invocaram a Deus para experimentar a Sua presença. Portanto, para fazer a experiência da Sua existência. E por que com Tomé teria que ser diferente? Por que Tomé deveria fazer tamanho salto de qualidade e crer que alguém tinha ressuscitado, sem que pudesse ter visto pessoalmente?
A história o chamou de Tomé, o incrédulo! Eu não estou muito de acordo, a partir do ponto de vista apresentado, e creio que até teria coragem de acusar a história da falta de realismo!
A vida espiritual, quando bem vivida, de modo geral, não pode deixar apresentar este apelo: “Senhor, fazei-me ver, fazei-me sentir a vossa presença, fazei com que eu seja forte na fé”! Ora, nós somos pessoas concretas! Para nós as palavras ajudam e tem a sua serventia, mas não bastam! Nós queremos ver a palavra atuar, queremos tocar, experimentar!
Pois bem, é exatamente isso que Deus quer fazer com os homens. Eu quero dizer, Deus quer viver em comunhão, em integração, porque Ele é amor, é experiência! Por isso, creio que Deus nunca acusará a nenhum de nós quando no grande amor que temos por Ele, amor manifestado quando o procuramos nas diversas circunstâncias da vida, alguém tiver algumas dúvidas sobre Ele! Creio que Ele não é assim. Pelo contrário, deve até achar graça quando vê que alguns gastam tanta energia passando a vida tentando ignorá-Lo e até mesmo baní-Lo da história humana!
Creio que a dúvida de fé seja um grande sinal do fato de que a nossa fé é viva, dinâmica, busca o verdadeiro Deus e não apenas se preocupa em projetar uma ideia fixa de Deus que rapidamente pode se tornar uma prerrogativa de Deus, isto é, quase um ídolo. O crescimento na fé tem como lei fundamental a busca contínua, o rever as próprias convicções sobre Deus, sobre o modo de agir e relacionar-se; o Dele e o nosso. Aliás, isso é próprio do relacionamento de amor.
Enfim, a dúvida é essencial à fé, quando, obviamente, cremos que Deus é o totalmente Outro, o indescritível, incapturável, e não cabe em nenhum dos esquemas humanos.
É claro que o objetivo da aventura da viagem da fé é “o crer sem reivindicar o ver”. Isto se aplica aqui à vida terrena. Mas imagine que o verdadeiro objetivo da fé é exatamente ver a Deus face a face, fazer experiência Dele no Paraíso. Então, viva São Tomé! Viva aquele que teve a coragem de reconhecer, inclusive, diante dos outros que tinha necessidade de ver Jesus, arriscando passar pela história como o incrédulo, como o duvidoso, o incapaz de confiar em Deus, mas que ao agir assim, fez-nos um grande serviço quando “provocou” Jesus a proclamar a cada um de nós, felizes, bem aventurados, que nunca o vimos em carne e osso e, no entanto, cremos n’Ele! Ademais, nas entrelinhas, o que Jesus diz é que os que não o viram e mesmo assim acreditaram, somos muito mais felizes do que aqueles que O viram! Que São Tomé interceda por nós e, pela nossa fé! (Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br – Website: www.inacianos.org.br).