DESTRUÍ ESTE TEMPLO: EM TRÊS DIAS EU O LEVANTAREI!
(Liturgia do Terceiro Domingo da Quaresma)
Como é bom entrar numa casa e sentir o amor e o carinho que ali se vive através da organização, da limpeza e da beleza do ambiente. Mesmo que seja uma casa simples, sem luxo, mas cheia de encanto nas coisas que fazem memória do que une aquelas pessoas que moram ali. O contrário também é verdade!
A casa onde se vive tem o poder de retratar muito mais do que móveis e utensílios domésticos. Ela pode expressar os laços, os sentimentos, a história, os gostos da família. A casa em que se vive é sagrada! E quando acontece algo que invade muito mais que o espaço, mas principalmente a vida daqueles que nela residem, ficamos atordoados. Quem já teve a sua casa invadida e roubada sabe o que sentiu. O que foi vilipendiado foi muito mais do que o patrimônio material; foi o patrimônio construído pelos relacionamentos dos seus habitantes, as coisas que viveram.
Jesus também vê a casa do Pai, o templo há pouco tempo reconstruído, no Evangelho deste terceiro domingo da quaresma, invadido, vilipendiado e ultrajado! Como nós, fica indignado e com raiva! Ele humano!
Para os hebreus o templo de Jerusalém evocava todo um passado feito de construções e reconstruções, fruto do desejo de Davi, concluído pelo filho, o rei Salomão, de dar a Deus uma casa, mesmo consciente de que nem mesmo o Céu pode conter ou deter a Deus.
O templo, de qualquer modo, é a “casa de oração para todos os povos”. Um espaço sagrado no qual se mantém o relacionamento com Deus. No tempo de Jesus o templo de Jerusalém era uma nova construção, não concluída ainda, começada por Herodes no ano 19 a.C.
Jesus já havia entrado no templo outras vezes. Lembremos a passagem de Lucas, quando Jesus tinha apenas doze anos e parecia inacreditável que estava, finalmente, na casa de Seu Pai, tanto que se “esqueceu” de tomar o caminho de volta a Nazaré, com Maria e José.
Jesus sempre soube o que acontecia naquele lugar sagrado. Mas chegou a hora, tendo começado a Sua vida pública, de realizar, como em Caná da Galileia, um novo sinal, de fazer um novo gesto. O templo tornou-se um lugar de mercado. Ao invés de encontrar pessoas apaixonadas por Deus, o que Jesus vê é gente ávida por lucro. A “limpeza” que Jesus pretende fazer tem o objetivo de levar a redescobrir o verdadeiro templo.
Podemos imaginar a confusão criada por Jesus que, naquele dia, deve ter agido muito estranho, talvez, exageradamente agitado e parecendo insano. Imagine Jesus chutando e expulsando e a reação dos mesmos que perguntam e Lhe pedem as credenciais que justificam o gesto: “mas que sinal nos mostras para agir assim”? Na resposta Ele identifica o Templo com o seu corpo: “Destruí este templo e em três dias eu o levantarei”! Os discípulos também não compreenderam imediatamente o gesto que Ele acabava de realizar. Na verdade, só compreenderam depois da ressurreição. É preciso entender que não trata, de fato, de uma simples lembrança, mas indica, ao contrário, compreender em plenitude, reviver, celebrar e interpretar à luz da Páscoa! Na verdade, o que recordaram é um versículo do Salmo 69: “o zelo pela tua casa me consome”. Isto é, o amor zeloso “ciumento” pela santidade de Deus e do seu templo.
Este “fogo” que consome equivale, para Jesus, ao fogo do amor que o fará morrer pela salvação do mundo, em adesão plena à vontade do Pai. O verdadeiro templo é o próprio Jesus. É neste momento, mesmo usando uma linguagem misteriosa, que Jesus convida os seus ouvintes a fazerem uma passagem do templo feito de pedras terrenas ao templo do Seu corpo. Este será o sinal: “destruí este templo e em três dias eu o levantarei”!
Uma afirmação “absurda” que será usada pelo Sinédrio contra Jesus, durante o julgamento. Como pode um homem destruir uma construção, fruto do trabalho de quarenta e seis anos, para depois reerguê-la em três dias? Como para a transfiguração, o evento narrado hoje, nada mais é do que uma antecipação do mistério pascal, uma preparação para o evento grandioso da nossa salvação.
A afirmação de Jesus, bem como todo o seu discurso, também para os discípulos será de difícil compreensão. Mas depois da morte e ressurreição, recordaram-se dessas suas palavras e compreenderam que ele falava do templo do seu corpo.
Para nós, hoje, a imagem do templo se aplica à Igreja no seu sentido mais pleno, como também ao nosso corpo. Nós somos o templo vivo do amor de Deus, como nos lembra São Paulo: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destruir o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo que Deus, que sois vós, é santo!” (1Cor 3, 16-17).
A primeira leitura nos transporta à experiência do povo no deserto e ao recebimento do decálogo. O texto, bem conhecido por nós, destaca o fato de que o Antigo Testamento era marcado pela Lei. O homem deve viver no respeito o seu relacionamento com Deus, o único, que o fez sair da terra da escravidão do Egito. Mas deve também salvaguardar o relacionamento com o próximo. O templo, lugar no qual a Lei devia encontrar o espaço do sagrado, torna-se, pelo contrário, lugar do pecado, da ambição e do lucro. O templo do nosso corpo, hoje, é o espaço sagrado no qual devemos viver em plenitude o dom do decálogo, não como lei que amarra e aprisiona, mas como Palavra que liberta. O decálogo não é o “não” de Deus à humanidade, mas o “sim” do homem a Deus.
De fato, em Cristo, a Igreja encontra a perfeição, restauração para a alma, sabedoria, alegria, luz, pureza e doçura. A Ele a Igreja renova a profissão de fé de Pedro: “Senhor, tu tens palavras de vida eterna”! (Jo 6,69). Os três versículos da primeira carta aos Coríntios contém todo o sentido do mistério da Cruz. O centro da pregação da Igreja não está na sabedoria, nos milagres ou no poder de Deus, mas na “fraqueza” da Cruz. Deus se fez pequeno, humilde, vivendo em Jesus toda a natureza e fragilidade humana, exceto o pecado. É nessa “fraqueza” que está a força de Deus! Ele que é capaz de reedificar o verdadeiro templo em três dias, faz, em Jesus, a experiência do sofrimento e da morte para dar a todos a esperança de que a morte não é a última palavra e de que o homem foi criado para a vida e para a ressurreição!
(Frei Alfredo Francisco de Souza, SIA – Superior dos Missionários Inacianos – formador@inacianos.org.br – Website: www.inacianos.org.br).