O DESAFIO DE SOLTAR A VIDA
“Lázaro, vem para fora!”
Os
relatos evangélicos do 3º., 4º. e 5º. domingo da Quaresma do Ciclo A, tomados
do evangelista João, apresentam Jesus como Fonte
de Água viva (samaritana), Luz do
mundo (cego de nascença) e Vida
(ressurreição de Lázaro). Três símbolos de nossas necessidades humanas mais
fortes (água, luz e vida) e que só o encontro com Jesus pode preenchê-las.
A
Quaresma termina com um chamado à vida.
Não qualquer vida, mas a Vida verdadeira, a Vida que deseja ser despertada para
romper com tudo aquilo que a limita. Por isso, o relato da ressurreição de Lázaro
é toda uma catequese sobre o encontro com Aquele que é Vida e que é fonte de vida em crescente amplitude. Jesus não vem prolongar a vida biológica, vem
comunicar a Vida de Deus que Ele mesmo possui pelo Espírito e da qual pode
dispor.
Em Jesus acontece algo totalmente novo; Ele traz
uma nova maneira de viver e de comunicar vida que não cabe nos nossos esquemas.
É justamente isso o que mais atrai em sua pessoa. Quem entra em comunhão de
vida com Ele, conhece uma vida diferente, de qualidade nova, expansiva...
Nesse sentido, a experiência do Seguimento de Jesus
é uma verdadeira “escola de vida”, cujo aprendi-zado nos leva ao âmago do nosso
ser, para enraizar nossa vida no coração da Trindade, dele haurir a
seiva da vida divina e deixar-nos plenificar pela graça transbordante de Deus.
Nada mais contrário
ao espírito do Evangelho que a vida instalada e uma existência estabilizada de
uma vez para sempre, tendo pontos de referência fixos, definitivos,
tranqüilizadores...
Para o evangelista
João, a “vida” é uma totalidade, ou seja, a vida presente, a vida atual,
possui tal pleni-tude que, com toda razão, podemos chamá-la de “vida eterna”;
uma vida com tal força e tão sem limites, que nem a morte mesma terá poder
sobre ela. A “vida eterna”, então, não é um prolongamento ao infinito de
nossa vida biológica. É a dimensão inesgotável e decisiva de nossa existência.
Ela torna-se “eterna” desde já.
Precisamos adquirir uma consciência mais profunda
da vida do Espírito, perceber as pulsações desta vida eterna que está em nós,
do mesmo modo que, prestando atenção, percebemos as batidas do coração de toda
a criação. Nesse sentido,
a vida tem a dimensão do milagre e
até na morte anuncia o início de algo novo; ela carrega no seu interior o
destino da ressurreição. “Minha vida é uma sucessão de milagres
interiores” (Etty Hillesum).
Vida plena prometida por Jesus: “Eu
vim para que tenham a vida e vida em abundância” (Jo 10,10)
Nem sempre sabemos viver de maneira
intensa: conformamo-nos com uma vida estreita, estéril, fechada ao novo,
carregada de “murmurações”, atada com faixas. O dinamismo do Seguimento de
Jesus, no entan-to, é gerar vida, possibilitar que o(a)
discípulo(a) viva a partir da verdade mais profunda de si mesmo; ou seja, viver
a partir do coração, do “ser profundo”.
A imagem de Jesus, presente junto às
vidas feridas e bloqueadas, nos ajuda a conhecer nossa própria inte-rioridade e
desperta nossa vida, arrancando-a de seu fatal “ponto morto”, de seus
limites estreitos e cons-tituindo-a como vida
expansiva em direção a novos horizontes.
O seguimento proporciona vigor
inesgotável, nossa vida se destrava e torna-se potencial de inovação
criadora, expressão permanente de liberdade, consciência, amor, arte, alegria,
compaixão.... É vida em movimento, gesto de ir além de nós mesmos; vida
fecunda, potencial humano. Vida com fome e sede de significado, que busca o
sentido... Vida que é encontro, interação, comunhão, solidariedade. Vida que é
seduzida pelo amor, pela ternura. Vida que desperta o olhar para o vasto mundo.
Vida que é voz, é canto, é dança, é festa, é convocação...
“Lázaro” representa a humanidade ferida e amada, com
dimensões de sua vida necrosadas, amarradas, presas nos sepulcros. Nós mesmos
podemos perceber parcelas de nossa vida paralisadas e atrofiadas.
Mas
Lázaro, que está presente em cada um, não está morto, apenas dorme. As fontes
da alegria, as fontes da criatividade e da confiança, as fontes do agradecimento
e das bem-aventuranças... não estão mortas; estão adormecidas e necessitadas de
que alguém tire os escombros e afaste a pedra que bloqueia o impulso da vida. E
cabe a nós, como seguidores(as) de Jesus, despertá-las com a voz, com os
gestos, com o olhar, com as mãos.
O primeiro passo é remover a
pedra. Quem jaz atrás da pedra está fechado a qualquer tipo de relação.
Quando a pedra é removida, Jesus
ora e diz: “Lázaro, vem para fora!”. Chama seu amigo, e suas palavras de
amizade e amor ressoam dentro da sepultura para levantá-lo, despertá-lo e
insistir para sair por seus próprios pés. A palavra de amizade de Jesus o alcança
inclusive naquilo que está necrosado em Lázaro.
“Lázaro vem para fora”: “Ele tinha as mãos e os pés amarrados com faixas e
um pano em volta do
rosto”. Ainda não está livre; está preso
pelas faixas. Algumas ligaduras podem ser bloqueios internos, dependências, medos,
inseguranças, carências...
Diante
do túmulo, Jesus mobiliza a todos: para ressuscitar a Lázaro pede a uns que
afastem a pedra, a outros que estendam as mãos e desatem as faixas, a outros
que o ajudem a pôr-se de pé.
Como
podemos crescer em uma corresponsabilidade que nos faça a todos e cada um
extrair o melhor de nós mesmos para contribuir com a vida, para que entre luz
em nossas relações humanas, para construir entre todos os seus seguidores que
caminham, livres das amarras, ao ritmo do Espírito?
“Lázaro, vem para fora!”. Não é este o grito diário de
Deus em nossas vidas? Este apelo “vem
para fora” é para todos. Todos somos portadores de um sepulcro que nos
fecha, nos isola e nos asfixia, privando-nos de nossa liberdade. É preciso dar
asas à vida, soltá-la em direção à imensidão do universo.
“Lázaro, vem para fora!” Esta palavra é preciso dizê-la
desde agora, com Jesus. Venhamos todos para fora, de maneira que não vivamos
mais de morte, que não permaneçamos na letargia, envolvidos em sudários e
faixas, compactuando com a violência e a injustiça, dando cobertura àqueles que
matam.
Temos de sair de um mundo no qual,
de um modo ou de outro, nos habituamos com a morte e nos sentimos impotentes: “Senhor, já
cheira mal: é o quarto dia”
Cada dia Deus nos tira do sepulcro e
nos devolve a vida sempre enriquecida e iluminada. É um milagre que cada dia
possamos amanhecer com vida. Ninguém vive só de momentos extraordinários e de
grandes festas; o que mais influi em nossas vidas é a alegria de cada dia, a
festa de cada dia, a vida de cada dia, o amor de cada dia, a esperança de cada
dia.
Jesus nos oferece a oportunidade
de deixar-nos amar pelo Deus da vida, que gera vida, proximidade e abertura,
fraternidade profunda e sincera. Podemos fazer isso porque carregamos ricas
potencialidades de vida dentro de nós e que, muitas vezes, permanecem atadas,
impedindo-nos viver a comunhão e a convivência com os outros. Vir para fora do
túmulo significa viver para a vida, na justiça e solidariedade, condenando toda
violência que atrofia a vida.
A comunhão de vida com
Cristo nos faz ter um
“caso
de amor com a vida”.
Texto bíblico: Jo 11,1-45
Na oração: “Vem para fora!”, não te feches
em ti mesmo,
sai de tudo o que há de morte em tua vida; sai
de teu individualismo, de teu orgulho, de tua indiferença! sai de tua
insensibilidade à dor dos outros! sai da vulga-ridade e superficialidade de tua vida e vive a elegância da santidade!