O
SILÊNCIO DO “HOMEM JUSTO”
“José,
seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em
segredo”
A única coisa que o Evangelho nos diz de José é que
era um homem justo. Este adjetivo, de profundas raízes bíblicas, nos
quer dizer que era reto, íntegro, autêntico, bom, etc..., tudo o que podemos
encontrar de positivo em uma pessoa humana. O homem justo é aquele que, como Abraão,
acolhe na fé o plano de Deus e com Ele colabora. José é “justo” porque adere ao
misterioso desígnio de Deus, é justo porque se “ajusta” ao modo de agir de Deus,
arrisca com Deus, embora os contornos do Seu Plano permaneçam obscuros e, em
certos aspectos, incompreensíveis.
José se coloca, portanto, na linha das grandes figuras da
história da salvação. Sua atitude é um exemplo de silenciosa dedicação ao
Reino. É o homem de uma
grande nobreza de coração que, no silêncio da fé, acolhe o mistério que não
compreende. Ele também teve sua “anunciação”; também teve que dar seu “sim” a
Deus no mistério do desconhecido.
O “justo” José viveu no
dia-a-dia a fidelidade a Deus. Mateus repete três vezes que ele se levantou
para fazer o que lhe fora revelado como Vontade de Deus. José soube acolher
também, na obediência e no amor despojado, a missão que Deus lhe confiou.
José é o homem do silêncio; de fato, uma das coisas que mais chama a atenção é que
ele não pronuncia palavra alguma em nenhum dos relatos evangélicos nos quais
aparece. Diríamos
que os relatos apresen-tam a figura de um homem silencioso. Sua existência está
atravessada pelo silêncio. José é o homem que vive e atua no silêncio.
Mas entendamos bem. Este silêncio não
se deve a que José seja um homem de caráter introvertido, isolado, fechado
sobre si. Pelo contrário, trata-se de um silêncio interior, intenso, grávido de
conteúdo. Precisamente o que as cenas evangélicas mais destacam é que José escuta
atentamente o que lhe é anunciado e ele responde instantaneamente, com gestos
decididos. Poderíamos dizer que suas ações são suas palavras e suas palavras
não pronunciadas se convertem em gestos eloquentes que manifestam a grandeza de
sua alma.
Nos relatos de aparição de anjo, normalmente se dá
um intercâmbio de palavras entre o mensageiro e a pessoa à qual é enviado. No
caso de José, no entanto, nunca há diálogo. Nos três momentos em que o anjo do
Senhor aparece a José dá-se o mesmo esquema: o anúncio da mensagem e a resposta
decidida de José por meio da ação. José não pede explicações nem sinais
confirmadores; obedece e pronto.
Quando recebe o anúncio de que Maria
estava grávida por obra do Espírito Santo, imediatamente faz o que lhe havia
dito o anjo do Senhor e toma consigo a sua mulher. No caso da fuga ao Egito, o
anjo, além do mais, pede a José colocar-se a caminho: pede-lhe uma prontidão
que o desenraiza de seu ambiente, que o desinstala de sua própria terra para
viver no estrangeiro.
Quando o anjo lhe adverte da
perseguição de Herodes, imediatamente se levanta, toma o menino e a sua mãe
durante a noite e se retira ao Egito. O mesmo acontece quando o anjo do Senhor
lhe diz que pode voltar a Israel porque tinham morrido aqueles que buscavam tirar
a vida do menino.
Os textos destacam a atitude de disponibilidade
obediente e prontidão confiada de José.
Seu silêncio não tem nada de ingênuo, não é o
silencio daquele que nada sabe ou não quer complicar sua vida. José está, sim,
ciente de que sua esposa está grávida; está ciente que o menino está em perigo
e, por isso, o leva ao Egito; está ciente de que seu filho se perdeu e, por isso,
o busca. E como está ciente, tem medo. Não um medo que o paralisa, mas um medo
inquietante, que o impulsiona a buscar soluções respeitosas para com sua esposa
e lhe move a tomar decisões valentes, como a de emigrar em busca de um lugar
onde refugiar-se. José se arrisca como resultado de uma reflexão, feita
possível graças a um silêncio que escuta, valoriza e discerne.
Toda a vida de José é descrita pelos
evangelistas em segundo plano. Esse saber
estar na “sombra” para não “fazer sombra” a outros, esse escutar e discernir a
vontade divina, essa preocupação pelo bem-estar dos demais, esse silêncio
contemplativo e radical que lhe permitia aprofundar na realidade, essa
prontidão na “obediência à fé” e essa disponibilidade sem fissuras à graça
foram as qualidades com as quais José entrou em sintonia com Deus, dando sua
contribuição decisiva ao mistério da salvação.
A figura silenciosa de José des-vela e denuncia o
“palavreado crônico” que nos esvazia. Ele nos mobiliza a viver o silêncio atento e que escuta. Quando
calamos e fazemos silêncio começamos a escutar a nós mesmos e a Deus, que fala
silenciosamente “em sonhos”.
Há uma diversidade de silêncios. Existe o silêncio dos mortos ou o silêncio daquele que
não tem nada que dizer, porque sua vida está vazia. Existe o silêncio cheio de
tristeza do desamparado, que sofre, chora e perdeu toda esperança. Existe o
silêncio tenso que se estabelece quando duas pessoas que não se amam se veem
obrigadas a estar em um mesmo lugar. Existe o silêncio respeitoso diante de um
enfermo ou diante de uma tragédia; existe o silêncio cheio de amor que brilha
no olhar daqueles que se amam. E existe o silêncio daquele que escuta
atentamente o que o(a) amado(a) tem a lhe dizer.
Sem dúvida, este último silêncio é o que melhor
caracteriza a José de Nazaré. Os Evangelhos o apresen-tam como um homem sempre
pronto a escutar a voz de Deus que fala através dos acontecimentos de sua vida
e da vida daqueles que foram confiados aos seus cuidados.
Carecemos do silêncio transformador neste nosso
mundo. O ruído inunda as ruas, os lugares de trabalho, as casas e até os
corações. O ruído atordoa, tem efeito devastador, provoca a revolta,
agressividade e um estado de ânimo convulsionado. Com o barulho, o espírito
humano se acomoda, se anestesia, se dopa. O funcionamento normal do cérebro
fica debilitado. A pessoa não sente, não pensa, não tem serenidade para
decidir. Todas as expressões de vida se atrofiam. A criatividade seca, os
sonhos desaparecem e o ser humano torna-se incapaz de escutar a música
harmoniosa de toda a Criação...
Num contexto de
ruídos atrevidos, tanto na cidade como em nossos lugares de “repouso”,
torna-se mais do que necessário uma “cultura
do silêncio”, que permita re-descobrir o nosso próprio interior, escutar a
voz dos anjos indicando os melhores caminhos a serem trilhados.
Tony de Mello nos
diz: “O silêncio
não é ausência de som, mas ausência de Ego”.
A carência do silêncio em nossa vida nos faz seres
superficiais. Com efeito, a cultura pós-moderna decre-tou o fim do silêncio:
vivemos imersos nos mais diferentes ruídos. E o silêncio, por sua vez, está se
vin-gando de nós, criando vazio, superficialidade, palavras sem sentido, já não
sabemos quem somos, para onde andamos e o que queremos...
É indispensável “fazer
silêncio” para entrar em contato com a realidade, sobretudo para abrir
espaço ao Outro dentro de nós, para
acolhê-Lo, para ouví-Lo e entrar em sintonia com sua Vontade.
Nos murmúrios interiores do
coração ali encontramos os sinais da presença viva de Deus.
Texto bíblico: Mt 1,18-24
Na oração: Durante
a contemplação devemos deter-nos
particularmente na figura de José. Ele, no seu silêncio, teve seus pensamentos próprios, suas preocu-pações, suas perguntas
dilacerantes e suas dúvidas angus-tiantes. Mas Deus nunca deixou de atuar no
meio das suas noites, dúvidas, provações. E, no momento oportuno, o libertou
dos seus medos e lhe deu a conhecer sua Vontade.
- Neste Advento,
reservar momentos de silêncio e preparar-se para acolher Aquele que, no
silêncio pleno, vem fazer morada em seu interior.