“Ide contar a João o que estais
ouvindo e vendo...” (Mt 11,4)
A vivência cristã depende da sensibilidade
e enquanto esta sensibilidade não for evangelizada não pode-mos ter certeza de
atuar evangelicamente na vida.
É preciso “evangelizar os sentidos”
para que eles encontrem seu lugar insubstituível na experiência de fé e poder
reagir diante da realidade com uma sensibilidade nova, diferente,
transformadora, convertida.
E só podemos descobrir o “lugar e o sentido” dos
sentidos através do confronto com a “sensibilidade de Jesus”. O Advento
é tempo favorável para expandir os sentidos
e assim ser presença diferenciada e comprometida no contexto onde vivemos.
Vivemos numa cultura
que nos assalta por todos os sentidos,
através de técnicas minuciosamente estuda-das para invadir-nos e instalar-se
nas dimensões mais profundas de nossa afetividade, de tal maneira que vejamos e
escutemos a realidade segundo seus próprios quereres e interesses.
Com isso, os sentidos estão ficando atrofiados
e nos lançamos desesperadamente em busca de compensa-ções virtuais. Nossos
medos estão impossibilitando os sentidos ocuparem o lugar que lhes corresponde
em nossos comportamentos e atitudes.
Nossos ouvidos, assaltados pelos ruídos
virtuais, se desconcertam ao descobrir o silêncio. Perdemos a sintonia dos sons
naturais. É exagerado pedir que distingamos o cantar de um pássaro. A
contemplação auditiva não registrada em aparatos eletrônicos nos parece uma
perda de tempo.
A visão que, sem dúvida, é o sentido por
excelência e o mais estimulado, é, ao mesmo tempo, o mais manipulado e
violentado pelo excesso de imagens virtuais. Nosso campo de visão é cada vez
mais reduzi-do, unicamente ampliado pelas telas digitais.
Talvez a pior enfermidade que hoje padecemos seja
a de ter perdido a capacidade de assombro e de agra-decimento, ou seja, a capacidade
de abertura aos outros e ao Outro. Talvez hoje, mais do que
nunca, preci-samos de uma ascese que purifique nossos sentidos de tantos estímulos que invadem nossa intimidade, nos
intoxicam, nos aprisionam e deturpam nossa sensibilidade, impedindo-nos de
perceber como “os cegos recuperam a vista, os paralíticos andam,
os leprosos são curados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são
evangelizados”
(vv. 5 e 6).
Somente mediante uma acolhida
contemplativa do Evangelho podemos transfigurar nossos sentidos e converter nossa sensibilidade.
À medida que vai se realizando esta conversão de nossa sensibilidade, nós nos fazemos capazes de estar presentes no mundo
à maneira de Jesus de Nazaré, em sua terra e com sua gente.
Advento é tempo propício para re-educar os
sentidos, de maneira a torná-los mais oblativos e expansivos.
Educar nossa sensibilidade “ao estilo de
Jesus” implica empapar-nos de sua forma de ser e de sentir, de vibrar com tudo
aquilo que lhe fazia vibrar, de rejeitar tudo aquilo que Ele rejeitava, e assim
reagir frente à realidade e às pessoas do mesmo modo que Ele reagia. Buscando e
desejando a identificação com Jesus, nossos sentidos aprendem d’Ele a ter
ternura, visão, escuta, sabor...
O mestre de Nazaré desenvolveu a sensibilidade
no seu sentido mais belo. Nele, ela se tornou mais do que uma característica de
sua personalidade, mas uma arte poética. Era criativo, observador, detalhista,
perspicaz, arguto, sutil. Destilava prazer nos pequenos eventos da vida e,
ainda por cima, conseguia perceber os sentimentos mais ocultos naqueles que o
cercavam. Conseguia ver encanto numa pobre viúva e perceber as emoções
represadas numa prostituta. As dores e as necessidades dos outros mexiam com as
raízes de seu ser. Conseguia mesclar a segurança com a docilidade, a ousadia
com a simplicidade, a autoridade com a capacidade de apreciar os pequenos detalhes
da vida. Por ser um exímio observador, o mestre da sensibilidade se tornou um
excelente contador de histórias e parábolas.
Jesus não idealizou a
realidade; Ele a contemplava como o Pai a contemplava, e se aproximava dela como
o Pai mesmo se aproximava. Seu modo de olhar
e sentir a realidade permitia-lhe
captar a maneira de atuar do Pai, para poder unir-se a Ele em seu trabalho
criador. “Meu Pai trabalha sempre, e eu também traba-lho” (Jo 5,17).
Com sua presença
inspiradora e através de palavras e gestos compassivos Jesus trazia à luz a vida nova escondida e atrofiada entre
os escombros da enfermidade e da exclusão. Ele revelava-se como Aquele que era
o “Esperado”, Aquele que vinha aliviar o sofrimento humano, destravar a vida e
abrir um horizonte de esperança aos pobres e doentes.
A contemplação
e o seguimento de Jesus não nos transformam a fundo se não atravessa todas
as camadas de nosso ser, começando pela nossa sensibilidade; em outras palavras, a transformação do coração exige
uma renovação de nossa sensibilidade.
O(a) seguidor(a) de Jesus, com seus sentidos cristificados, não fugirá dos
desafios e dos dramas da realidade, mas ali se revelará presente de maneira
inspirada, buscando entrar em sintonia com Aquele que destrava todas as amarras
que oprimem e desumanizam.
Olhar e escutar a partir de Jesus, olhar e escutar como Jesus, olhar e
escutar a partir dos olhos daqueles que sofrem... essa é a dinâmica própria do
tempo do Advento. Trata-se de um convite a iluminar nosso olhar e afinar nossos
ouvidos, às vezes muito apagados pela mediocridade de nossa vida; outras vezes
opacos pela falta de esperança em nossa capacidade de levar adiante a missão
que Cristo nos confia.
O olhar e o escutar não são
atitudes neutras, senão que há fatores que as limitam: o lugar a partir de onde
se olha e se escuta condiciona o que se vê e o que se ouve. O olhar e o escutar
estão, muitas vezes, marcados também pelas ideias e visões distorcidas que
temos da realidade.
Jesus nos convida, no Evangelho de hoje, a
fazer um exercício especial da visão e
da audição; o que Ele nos pede é expandir
os sentidos para entrar em sintonia com as pessoas que nos cercam, para
perceber a Presença do Invisível, que se revela ao mundo como mistério e
transparência.
Há um modo de ver, de ouvir, de sentir e de
pensar que nos entorpece e nos isola em nosso pequeno mundo estreito e
autocentrado, enquanto que há outro modo que nos abre e nos lança ao mundo, e
que o vai revelando como presença e transparência de Deus. Os sentidos devem
ser portas e janelas abertas que nos fazem viver na atitude de contínua
“saída”.
Jesus insiste: quem não está
desperto, quem não abre bem os olhos, quem não afina o ouvido..., o mistério
divino lhe ficará oculto. No descobrir, no “ver” as pessoas às quais costumamos
excluir de nosso campo visual cotidiano, começa o vislumbre, a visibilidade de
Deus entre nós... É aí onde encontraremos sua pegada. É aí onde nos
“esbarramos” n’Aquele que esperamos neste Advento.
Texto
bíblico: Mt 11,2-11
Na oração: Os
sentidos, cristificados na contem-
plação, nos impulsionam em
direção ao outro e nos fazem acreditar na beleza e dignidade escondidas na
fragilidade da condição humana.
- Mergulhar na
realidade que nos cerca, por meio dos sentidos
bem abertos e evangelizados, é deixar estremecer de vida divina a fragilidade de nossa condição humana.
- Na
intimidade com Deus, ampliar bem os sentidos para tornar-se contemplativo no
modo cotidiano de viver.